POR MÁRIA POMBO
Todos os anos desde 2006, o Fórum Económico Mundial (FEM) apresenta o Global Risks Report, um estudo que revela quais são os principais riscos identificados pelas populações, a nível mundial, revelando as vulnerabilidades mais gritantes de cada ano. Alertar a comunidade internacional para os problemas identificados, resolvendo-os e minimizando o seu impacto negativo é o grande objectivo dos autores do documento. E, de acordo com os seus autores, este estudo tem ganho relevância a cada ano que passa, permitido a união de esforços e a resolução de mais problemas.
Porém, e face à heterogeneidade e volatilidade do mundo em que vivemos, os autores lançaram recentemente uma versão ligeiramente diferente do mesmo – denominada “Regional Risks for Doing Business”– na qual procuraram saber, junto de executivos e lideres empresariais, quais são os principais riscos identificados em cada região. E se o estudo global permite perceber quais são os principais problemas do planeta, tratando-os de uma forma mais geral, esta versão regional ajuda a identificar as principais vulnerabilidades em cada zona, sendo assim possível encontrar soluções mais precisas e eficazes.
De um modo geral, os riscos identificados variam bastante de região para região, sendo igualmente diferentes dos problemas identificados a nível mundial.
Globalmente, o desemprego e o subemprego, as falhas na governança nacional e a flutuação dos preços da energia são os principais problemas identificados pelos gestores, mas esta realidade não é partilhada pelos inquiridos de todas as regiões do planeta. De acordo com o documento, o desemprego merece uma atenção e interpretação especial, já que reflecte um conjunto de desafios ou falhas – de que são exemplo o fraco crescimento económico, os baixos níveis de escolaridade, em conjunto com os cortes nas contratações devido à automação e ao avanço tecnológico que já se fazem sentir – que variam consideravelmente entre regiões e entre países.
Ciberataques predominam na Europa, na Ásia Oriental e na América do Norte
O continente europeu tem sido marcado por um número significativo de ataques cibernéticos, sendo estes considerados, actualmente, como a sua maior ameaça e resultado do grande e rápido crescimento de muitas empresas, especialmente nas economias mais evoluídas. Todavia e mais uma vez, a heterogeneidade é visível: se na Alemanha e no Reino Unido, os ciberataques são a principal ameaça referida pelos respondentes, França e Itália seguem a tendência mundial com o desemprego a assumir-se como o principal problema, especialmente devido aos longos anos de crise financeira e a problemas constantes e sucessivos na forma como se gerem as empresas e o mercado de trabalho.
Outro sinal de que a Europa está numa fase ainda desconfortável dez anos passados sobre o início da crise é o facto de as bolhas especulativas terem sido eleitas pelos líderes empresariais como a segunda ameaça para o continente. Este risco é particularmente visível na Europa Central, surgindo em primeiro lugar na Hungria, República Checa e Eslováquia, e em segundo lugar em 12 outros países europeus.
O facto de este ser um dos principais problemas identificados na região está relacionado com o “nervosismo” demonstrado pelos gestores e líderes empresariais inquiridos face à política monetária expansionista, levada a cabo pelo Banco Central Europeu, a qual poderá inflacionar artificialmente o valor dos activos, fazendo disparar os preços de muitos produtos e serviços, e prejudicar os cidadãos. Dando o mercado imobiliário como exemplo, os autores do documento explicam que, entre 2008 e 2015, a Europa assistiu a uma descida dos preços das habitações na ordem dos 4,5%, sofrendo desde então um aumento de mais de 13%, com países (como a Hungria, a Letónia, a Irlanda e Portugal) a sofrerem um gigantesco aumento dos preços das casas na ordem dos 30% ou mais.
Tendo em conta o razoável nível de desenvolvimento da maioria dos países da Europa, os autores do documento revelam-se surpreendidos com o facto de “o fracasso da governança nacional” ser considerado o terceiro maior risco para os negócios, sendo identificado como o primeiro problema na Croácia, na Grécia, na Lituânia e na Bósnia-Herzegovina, e ocupando a segunda posição em Portugal, Malta, Sérvia e Reino Unido.
Devido ao Brexit e a todas as mudanças que o mesmo vai implicar, seria expectável que este fosse um risco elevado no Reino Unido. Porém, este não é o único problema, em termos de governança, que a Europa enfrenta: em diversos países é crescente a fragmentação política e a polarização, e o problema das migrações continua a dividir os cidadãos e a aumentar a tensão entre segmentos populacionais, contribuindo para a descrença e insatisfação destes relativamente aos órgãos de soberania nacional.
Os resultados apurados, tanto na Ásia Oriental e Pacífico como na América do Norte, são semelhantes aos que foram observados na Europa, com os ataques cibernéticos a assumirem-se como o principal risco para os negócios, o que reflecte desde logo o ritmo acelerado da digitalização e da sofisticação empresarial nestas regiões.
De acordo com o estudo, o sudeste asiático, em particular, é a região com um crescimento digital mais significativo a nível mundial, contando com 3,8 milhões de novos utilizadores de internet por mês. E como “não há bela sem senão”, este crescimento – benéfico para as empresas e para a economia – faz disparar o número de ataques praticados por hackers. De sublinhar que fraude e roubo de dados são o quinto risco mais referido pelos empresários da região.
Por seu turno, nos Estados Unidos e no Canadá esta ameaça resulta em particular do facto de os negócios dependerem, de uma forma crescente, do comércio global e das transacções que se fazem através do meio digital, sendo proporcionais – em número e sofisticação – aos ataques. E se, na região anterior, a fraude e o roubo de dados são a quinta maior ameaça, na América do Norte estes assumem a segunda posição para os empresários.
Tensões políticas, sociais e financeiras também preocupam líderes
A subida acentuada do preço da energia foi considerada a maior ameaça tanto na Eurásia como no Médio Oriente e Norte de África (MENA, na sigla em inglês).
Na primeira região referida, esta ameaça reflecte a importância do sector energético em muitos países, representando uma percentagem do PIB na ordem dos 35% em nações produtoras de petróleo (como o Azerbaijão, Cazaquistão e Rússia) e cujas oscilações de preços têm impacto directo nos países importadores (como a Arménia e a Geórgia). De acordo com o documento, este é o principal risco para os líderes empresariais da Ucrânia e do Cazaquistão e encontra-se entre as cinco maiores ameaças para outros seis países. Importa ainda referir que entre o aumento acentuado dos preços da energia e os conflitos interestaduais (que surgem em segundo lugar no ranking desta região) existe uma pequena margem de diferença.
Por seu turno, nos países do MENA, o “choque no preço da energia” está relacionado com os aumentos substanciais dos preços do petróleo entre 2017 e 2018, mas está longe de ser o principal problema em todos os países que integram esta região. Se é certo que na Eurásia se assiste a um aumento de tenções geopolíticas e de instabilidade social, a verdade é que as nações do MENA enfrentam fortes ataques terroristas e uma elevada taxa de desemprego, denunciando ainda o fracasso da administração global e regional. As falhas e as marcas da guerra e da pobreza extrema são evidentes em diversas nações, e as tensões geopolíticas presentes em toda a região impediram, por exemplo, a formação de um Governo no Líbano, em Maio do presente ano, levando diversas nações a enfrentar sérios problemas de foro económico e uma profunda onda de instabilidade social.
Na África Subsaariana, o desemprego é, sem sombra de dúvidas, o principal problema, tendo sido o risco mais referido pelos líderes empresariais de 22 países (em 34 analisados). Esta é a região mais homogénea e que reúne o maior “consenso” entre as nações, e o desemprego é o reflexo dos problemas económicos que, ano após ano e década após década, continuam a persistir e que têm impacto directo na (má) qualidade de vida dos seus cidadãos. De acordo com o Banco Mundial, a taxa de desemprego desta região situa-se apenas nos 7,3%, contando-se somente com os cidadãos em idade activa que não trabalham. Porém, a realidade é que mais de 70% dos trabalhadores vivem em condições de uma extrema vulnerabilidade, recebendo menos de dois dólares por dia.
Adicionalmente, o desemprego é “apenas” um dos problemas que derivam das fragilidades económicas desta região. Entre as dez principais ameaças referidas pelos empresários, encontram-se ainda as crises fiscais, o fracasso da governança nacional, regional e global, o insucesso das instituições financeiras, as grandes carências ao nível da alimentação e água potável, e as flutuações nos preços da energia.
Por seu turno, na Ásia do Sul, as questões políticas e económicas são uma preocupação para os líderes empresariais, com as falhas na governança nacional a assumirem a sua principal ameaça. Este sentimento partilhado pela maioria dos líderes empresariais inquiridos resulta de um período político particularmente agitado em muitos países da região, tendo havido recentemente eleições no Paquistão e no Nepal e esperando-se, até ao final do ano, novas eleições no Bangladeche, Butão e Maldivas. De acordo com os autores deste estudo, eleições são sinónimo de incerteza e ansiedade nesta região, tendo em conta que o processo eleitoral é frequentemente acompanhado por violência e tensão política e social.
Quem também não vê o fim às contínuas tensões políticas são os gestores da América Latina e Caraíbas, que elegeram igualmente o fracasso da governança nacional como a principal ameaça para a sua região. Complementarmente, a profunda instabilidade social subiu da terceira posição na pesquisa do ano passado para a segunda posição em 2018, reflectindo o aumento das tensões sociais em diversas nações. As eleições não têm sido fáceis nos últimos tempos, e os variados escândalos de corrupção que têm surgido fazem aumentar a desconfiança dos cidadãos nos que respeita aos seus líderes governamentais, levando a uma maior polarização.
Os resultados desta análise permitem olhar para cada região e identificar de um modo mais profundo quais são, aos olhos dos empresários, os seus principais riscos, sendo possível criar mecanismos e procurar estratégias para os resolver de um modo mais eficaz. Porém, se é verdade que estes variam entre si, também é verdade que não nos podemos esquecer de que somos todos cidadãos do mesmo planeta. E, apesar das diferenças entre as diversas regiões, a análise global permite concluir que o desemprego e o fracasso da governança nacional são dois dos riscos mais evidentes para os empresários de todas elas, sublinhando que é necessário analisar os sistemas políticos e económicos a nível mundial e unir esforços para os melhorar.
Jornalista