POR MÁRIA POMBO
Foi em 2015 que foram apresentados os 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) com o intuito de, até 2030, se alcançar o progresso, acabando com os grandes males do planeta – como a pobreza, as desigualdades e os problemas ambientais –, para que a Terra seja, num futuro próximo, um lugar onde todos podem viver em paz e segurança. Três anos depois, e perante a incerteza de que venham a ser alcançados, já se conclui que nem todos os ODS têm tido os mesmos resultados. E, apesar de a máxima desta iniciativa global ser que “ninguém deve ser deixado para trás”, a verdade é que quatro deles – o Objectivo 10, sobre a redução das desigualdades, o 12, sobre o consumo e produção responsáveis, o 13, sobre a acção climática e o 14, sobre a vida nos oceanos – não estão a merecer a mesma atenção que os restantes.
Quem o diz é a Global Opportunity Explorer, uma plataforma criada em conjunto pela Sustainia, pela DNV GL e pelo United Nations Global Compact. A quarta edição do seu estudo Global Opportunity Report, apresentada recentemente, foca-se precisamente nestes quatro ODS, dando a conhecer, mais do que os perigos de serem deixados para trás por parte das organizações, as oportunidades de negócio que existem para as empresas que queiram empenhar-se em alcançá-los.
Após uma análise intensiva de riscos e de soluções que estão a ser implementadas pelo meio empresarial, a qual contou com inquéritos a mais de 17 mil gestores dos quatro cantos do mundo, os autores do documento revelam que “os desafios relativos à sociedade, ao planeta e às comunidades internacionais podem transformar-se em oportunidades se adoptarmos o mindset adequado”. De acordo com o estudo, a boa notícia é que, apesar de os desafios serem enormes, “a indústria da sustentabilidade e da responsabilidade já não é pequena nem de nicho”, assumindo-se, assim, como uma porta aberta que permite o crescimento económico das organizações.
Sem grandes surpresas, muitos destes novos mercados surgem através da “combinação” entre os riscos identificados e a tecnologia, pondo a inovação ao serviço do bem em áreas como a saúde, a alimentação, o clima e a energia. Deste modo, sabemos hoje que utilizar dispositivos móveis pode ajudar, por exemplo, os habitantes de comunidades longínquas e desfavorecidas a receber apoio remotamente, em termos de cuidados de saúde; por seu turno, sistemas agrícolas que permitem a irrigação por gota e que dão aos agricultores informações em tempo real acerca do tempo podem ser bastante úteis para a produção de alimentos; já a criação de sensores tecnológicos que ajudam as cidades a gerir a água de forma mais eficiente pode ter um impacto muito positivo para os seus habitantes; por fim, a reutilização de baterias EV pode ajudar a descarbonizar o sistema de energia, aumentando a flexibilidade do seu armazenamento e evitando a sua má utilização.
Paralelamente, importa referir que a sobreposição de “áreas” – como saúde e alimentação, alimentação e água, e água e energia – é bastante relevante para os mercados de ponta. Assim, aplicar os benefícios de determinados alimentos ao tratamento e à prevenção de doenças – ou seja, combinar a saúde com a alimentação –, criando antibióticos gratuitos ou de baixo custo, é uma grande oportunidade de negócio e tem uma enorme procura; por outro lado, aplicar à agricultura variadas técnicas de aproveitamento e armazenamento da chuva permite aumentar a produção de alimentos ao mesmo tempo que se poupa água; por sua vez, produzir água fresca potável a partir do tratamento de águas residuais é uma oportunidade que não só dá às populações a possibilidade de não passarem sede como abre caminho a mercados que produzam sistemas de limpeza e tratamento deste bem tão precioso.
Analisando os quatro ODS que mais têm sido deixados para trás, é possível constatar que as hipóteses de fazer o bem, obtendo lucro, são bastante atractivas. No Global Opportunity Report são apresentadas variadas ideias e soluções que algumas empresas já estão a desenvolver, contribuindo para o crescimento do seu próprio negócio e resolvendo alguns dos maiores problemas que o planeta enfrenta.
Reduzir as desigualdades e aumentar a transparência
A redução das desigualdades vai ser muito difícil de alcançar, principalmente enquanto 46% da riqueza global continuarem a ser detidos por apenas 0,7% da população e enquanto 70% dos cidadãos auferirem menos de 3% da riqueza gerada a nível mundial. As desigualdades económicas e sociais estão intrinsecamente ligadas e existem em áreas como a saúde, a produtividade e a esperança média de vida, estando comprovado que quanto mais igualitária for uma sociedade mais feliz será a sua população.
O ODS 10 pretende precisamente terminar com as desigualdades e dar poder aos que se encontram no fundo da tabela. Para isso, é importante que os cidadãos mais vulneráveis tenham direito de posse ou usufruto de um terreno, aumentando a sua capacidade de subsistência e o acesso a bens de primeira necessidade. Por outro lado, desenvolver e implementar tecnologias que controlem as cadeias de valor e aumentem a sua transparência, promovendo o tratamento justo dos trabalhadores e dando aos consumidores mais informações acerca do modo como os produtos são fabricados, poderá ser igualmente importante para mitigar as desigualdades nos sistemas de produção (onde existe uma percentagem bastante elevada de mão-de-obra barata e de exploração de trabalhadores).
A BenBen é uma plataforma privada que permite a transacção de terras, no Gana, contendo informações sobre os seus detentores ou usufrutuários e fazendo a ponte entre estes e as instituições financeiras (o que facilita o acesso a investimento e a outros produtos). Este é um exemplo de como o sector privado pode ter um papel importante na redução das desigualdades entre os mais ricos e os mais pobres e entre homens e mulheres (porque contribui para que os mais carenciados, e independentemente do género, tenham apoio e acesso a bens financeiros, de uma forma justa, simples e transparente), ajudando também a acabar com a pobreza (porque estimula a que os cidadãos tenham direito a uma porção de terreno para cultivo).
Pela produção responsável e o fim do desperdício
O consumo e a produção sustentáveis são dois dos aspectos que mais dizem respeito à população mundial e afectam ou influenciam a vida na Terra. Tendo estes chegado ao patamar da insustentabilidade, existe agora uma enorme necessidade de repensarmos a forma como produzimos e consumimos, para que possamos diminuir a nossa pegada ecológica e proteger o planeta que nos acolhe. É precisamente sobre este problema que versa o Objectivo 12, de acordo com o qual as organizações públicas e privadas devem reconhecer que é necessária uma mudança de processos e mentalidades a este nível, tornando as cadeias mais circulares e evitando o desperdício de bens e fontes de energia.
[quote_center]A indústria da sustentabilidade e da responsabilidade já não é pequena nem de nicho[/quote_center]
Entre as variadas oportunidades que podem ser extraídas deste problema, encontram-se: a descoberta de fontes alternativas de alimentação, como a integração de insectos na cadeia alimentar, tendo em conta que não degradam os solos, não exigem uma grande quantidade de água e são ricos em proteínas; a construção de materiais mais duradouros, promovendo a sua reparação ao invés da substituição, de modo a evitar o desperdício e a acumulação de lixo; e a reutilização da energia, através do aumento da capacidade das baterias EV, ajudando a aumentar a utilização de energias renováveis e estimulando o consumo mais responsável de energia.
A Biteback surge como um exemplo que consegue diminuir a fome, promover o consumo responsável e melhorar a vida na Terra. Esta empresa está sediada na Indonésia e desenvolveu um processo de extracção de óleo de insectos comestíveis, criando assim uma alternativa sustentável ao óleo de palma. De acordo com o documento da Global Opportunity Explorer, em apenas um ano estes insectos conseguem produzir 38 vezes mais óleo do que as árvores de palma, utilizando a mesma porção de terreno que estas. Para além de ser um óleo eco-friendly (porque não necessita de uma grande quantidade de água nem danifica os terrenos) este produto é rico em minerais e vitaminas, é baixo em colesterol e não necessita da utilização de pesticidas nem fertilizantes, sendo, deste modo, benéfico para as pessoas e para o planeta.
Alternativas aos combustíveis fósseis são uma prioridade
E se, nos últimos 300 anos, a economia global evoluiu à custa dos combustíveis fósseis, contribuindo para o aquecimento global que afecta os quatro cantos do mundo, como é que vamos adoptar uma nova postura e passar a utilizar energia a partir de fontes renováveis? É que, para o Acordo de Paris ser cumprido, é necessário reduzir em 6% ao ano o consumo de carbono. O ODS 13, também em destaque no estudo, pretende precisamente mitigar as alterações climáticas, evitando as suas consequências em termos sociais, económicos e ambientais.
Para que isso seja possível, é necessário bloquear a utilização de carbono ou procurar formas de o reutilizar, evitando as consequências nefastas que este tem para o aumento da temperatura. Por outro lado, podemos evitar o aquecimento global através da criação de mecanismos que produzam o arrefecimento do ar, reduzindo as emissões de carbono e melhorando assim as condições de vida de milhares de pessoas em todo o mundo. Outra estratégia pode passar pela utilização de transportes por vias mais sustentáveis, reduzindo a dependência dos combustíveis fósseis e estimulando a descarbonização.
Um excelente exemplo de reutilização de CO2 é o que nos revela a Carbon Clean Solutions, uma organização indiana que criou uma tecnologia que faz a colheita do dióxido de carbono usado nos processos industriais, utilizando-o depois no fabrico de novos produtos. Esta é uma tecnologia altamente escalável e que pode ser implementada em qualquer parte do mundo, ajudando não só a alcançar o Objectivo 13 (sobre a acção climática), como também o 9, que diz respeito ao desenvolvimento industrial.
Plástico: o principal inimigo dos oceanos
Cobrindo 70% do planeta, os nossos oceanos têm a capacidade de regular a temperatura e assegurar a subsistência de três mil milhões de pessoas, sendo fundamentais para a sobrevivência de 10% da população mundial. Contudo, não parecem ser grandes o suficiente para merecerem toda a nossa atenção, estando actualmente sob a ameaça da poluição, da acidificação e da pesca excessiva, as quais têm consequências graves, como a perda de habitat. Foi com o intuito de proteger a vida marinha e promover a sua gestão sustentável que a ONU criou o ODS 14.
Para que a vida marítima possa ser protegida, é necessário repensar a forma como utilizamos o plástico, sendo crucial que se criem soluções que ajudem a diminuir os danos causados por este material. Adicionalmente, a aquacultura alternativa surge como uma nova forma de produção de alimentos, a qual é capaz não só de fazer face à crescente necessidade de proteína que existe a nível mundial, como também de proteger os ecossistemas marítimos ou, pelo menos, de não os comprometer.
Para ajudar a resolver alguns dos problemas mencionados, a Algramo, no Chile, trabalha com empresas do sector da indústria, vendendo-lhes materiais reutilizados que permitem uma redução, na ordem dos 50%, dos custos dos consumidores com o produto final. Esta é uma empresa que promove uma cultura de reciclagem e reutilização de materiais, como sacos e embalagens de plástico, evitando que sejam utilizados apenas uma vez. Consegue assim melhorar a vida nos oceanos, promover o consumo responsável e diminuir a taxa de pobreza (já que esta população gasta a maioria dos seus rendimentos em alimentação).
Com o Global Opportunity Report, a Sustainia, a DNV GL e o United Nations Global Compact alertam não só para a importância que deve ser dada a estes quatro ODS, como demonstram que as empresas podem e devem investir em soluções para estes problemas. A sustentabilidade já deixou – felizmente – de ser uma temática à qual apenas um pequeno grupo dá importância, estando a transformar-se numa oportunidade de crescimento para muitas organizações. Assim é possível evoluir em termos económicos e contribuir para o fim dos maiores problemas do planeta e da humanidade.
Jornalista