No âmbito do Congresso Nacional da ACEGE, que se realizará sob o tema “Construtores da Esperança”, o VER entrevistou Maria de Fátima Carioca, que será uma das oradoras num painel dedicado ao “Impacto da Esperança nas Empresas”. Para a Dean da AESE Business School, “a Esperança é a resposta ao nosso coração, quando dele brotam questões como: o que será de mim? Para onde estou a caminhar? Para onde vai o mundo?”. E o mesmo se passa nas empresas, onde a esperança é alavancada pela forma como estas respondem “à sua missão na sociedade e no mundo” e ao seu “propósito existencial”
POR HELENA OLIVEIRA
Um estudo da Gallup recentemente realizado em 52 países concluiu que para além da confiança, da compaixão e da estabilidade, o atributo mais desejado nos líderes é a capacidade de inspirar Esperança. Mas em primeiro lugar, gostaria de saber a sua definição de “Esperança no ambiente organizacional”.
Primeiro há que definir a Esperança e depois já veremos como se compreende a Esperança no ambiente organizacional.
De uma forma simples e muito verdadeira, a Esperança é a resposta ao nosso coração, quando dele brotam questões como: o que será de mim? Para onde estou a caminhar? Para onde vai o mundo? … A Esperança fala-nos de uma realidade que está enraizada no mais fundo de todo o ser humano, independentemente das circunstâncias concretas em que viva. Fala-nos duma sede, duma aspiração, dum anseio de plenitude, de vida bem-sucedida, de querer agarrar o que é grande, o que enche o coração e eleva o espírito para coisas maiores, como a verdade, a bondade e a beleza, a justiça e o amor.
No meio da vida agitada que levamos, na complexidade do mundo em que vivemos, a nossa vulnerabilidade humana exige-nos confiar em algo, em alguém. E esse é o papel da Esperança. Para além das satisfações quotidianas e da melhoria das condições de vida que sempre procuramos, a Esperança faz-nos levantar a cabeça e impele-nos a caminhar sem perder de vista a grandeza da meta que nos colocamos ou a que somos chamados.
No caso dos cristãos, essa meta será naturalmente o Céu, mas para todas as pessoas o sentido e a razão de ser da Esperança tem de ser grande, como grande é o sentido e a razão de ser da própria vida. Não pode ser uma obstinação, um capricho, algo que deriva de nós mesmos, mas há de ser algo que nos transcende, que nos faz acreditar no futuro e que nos impulsiona à ação.
Pelo contrário, se o caminho da vida não tem sentido, se não há passado nem futuro, por que devemos caminhar? E quando confrontados com este vazio, nasce o desespero, a desmotivação, a sensação da inutilidade de tudo o que se faz e, finalmente, a indiferença. Se faltar a Esperança, tudo corre o risco de se desmoronar. «Somente quando o futuro é certo como realidade positiva, é que se torna vivível também o presente», dizia Bento XVI na Carta Encíclica ‘Spe salvi’.
Nas Organizações passa-se o mesmo como comunidades de pessoas que são. Necessitam de resposta às questões que individualmente nos colocamos: para onde vamos? Qual o sentido e o impacto do que fazemos? E as respostas passam por entender a identidade da organização, a que é chamada a ser ou seja: qual a sua missão na sociedade e no mundo? Qual o seu propósito existencial? E nestas respostas se alavanca a esperança de todos os que constituem a organização e por ela são levados a acreditar no futuro, e a agir. Ousam transformar o mundo, não por mérito próprio, mas pela grandeza do futuro que os convoca.
A Esperança é sempre audaz, sabe olhar para além das comodidades pessoais, das pequenas seguranças e compensações que reduzem o horizonte, para se abrir aos grandes ideais que tornam a vida mais bela e digna – também nas organizações.
E como podem os líderes estimular a Esperança no seio das suas organizações?
Ser um líder positivo é sempre um bom princípio. Depois existem algumas pistas: #1 Capitalizar no Efeito Heliotrópico, como os girassóis que se viram para olhar o Sol. Significa estabelecer uma Missão de futuro, elevada e exigente, dar sentido e orientar.
#2 Gerir muito bem com estratégias de longo prazo, reestruturar com inteligência (e com coração), otimizar processos e recursos, atuar com consistência e persistência.
#3 Focar-se no desempenho elevado. Não ignorar os problemas, obstáculos e dificuldades, mas comunicar sobretudo o que acontece de saudável, de sucesso, de superação.
#4 Criar um ambiente positivo: ouvir, apoiar e encorajar, dar oportunidades de desenvolvimento, cuidar a confiança, agradecer.
#5 Viver uma Cultura Positiva: acentuar o que eleva as pessoas e a organização, acima das dificuldades e dos desafios; o que acontece de bem, em vez de queixar-se com o que acontece de mal; o que gera vida, mais além do que é obstáculo; o que é bom, extraordinário e inspirador, para além do que é eficaz, eficiente e árduo
#6 Ser corajoso, radicalmente otimista e solidário, ou seja, pacificador, sóbrio e criativo.
Tudo isto são pistas ao alcance dos líderes, mas considero que o principal é que os líderes, eles próprios, genuinamente, tenham e vivam uma esperança inabalável.
Considera que os eventos globais [crises económicas, avanços tecnológicos, pandemias, a nova (des)ordem global], têm um impacto na Esperança no interior das empresas?
Certamente que os tempos são desafiantes. E tudo o que acontece no contexto que nos envolve, nos impacta, como pessoas e como organização. Somos humanos e, por definição, vulneráveis. Todos nós, pessoalmente, as empresas que servimos, a AESE também, estamos expostos ao mundo. Todos fazemos parte do mundo. E a verdade é que todas estas marés nos afetam, nos interessam e, sobretudo, nos interpelam.
Nestes momentos, é mais difícil acreditar num amanhã fiável, num futuro resplandecente. Mas, como tantas vezes ouvi ao Prof. Raul Diniz na AESE Business School, as crises e os desafios são o alimento dos líderes. Por isso referi a esperança inabalável. Sem esperança não temos coragem de tomar decisões, de nos comprometermos e de nos comprometermos com o futuro e a vida.
Pelo contrário, a esperança é a virtude de quem é jovem de coração, independentemente da idade. De quem vive em tensão, uma tensão que vê as oportunidades, que desperta a criatividade e a inovação, que não desiste de recomeçar, que não tem receio da mudança, de quem tem um brilho nos olhos quando encara o futuro.
Neste sentido, a Esperança permite-nos olhar estas circunstâncias com um olhar diferente. Somos desafiados a um compromisso maior: trata-se de assumir com realismo, confiança e esperança as responsabilidades a que nos chama este cenário de um mundo que tem necessidade de ser reinventado de forma profunda.
E, tempos diferentes exigem inovação e audácia para ousar romper a inércia e correr riscos, para questionar os paradigmas vigentes, propor nova soluções, novos modelos, novos caminhos, ser sensível aos desafios da sociedade e do ambiente. Mas de tudo isto seremos capazes se acreditarmos no futuro, com esperança.
Mediante que formas é que as empresas podem estruturar políticas e práticas para promover a Esperança no ambiente de trabalho?
Nas empresas, as políticas e práticas, implementadas de forma consistente, veiculam a cultura e o ambiente de trabalho que se estabelece e se vive. Nesse sentido, de muitas maneiras as empresas podem estimular a Esperança, entre outros, criando estratégias que dão futuro e garantem a sustentabilidade da organização, potenciando uma cultura de elevado desempenho, uma cultura de desenvolvimento e superação pessoal, através de, entre outros, políticas de formação, uma cultura de confiança e resiliência, baseada na comunicação, participação e trabalho de equipa.
E o que me parece interessante neste processo é que, enquanto estimulam a Esperança, alimentam e enraízam mais profundamente a própria Esperança.
Quais são os sinais de que uma organização está a cultivar a Esperança os entre seus colaboradores?
Numa empresa em que se vive a Esperança, é provável que se obtenham melhores resultados e que se notem um conjunto de sintomas, entre outros o desenvolvimento dos colaboradores, fazendo cada vez melhor o que fazem no dia-a-dia e com um maior grau de satisfação e empenho, e uma maior unidade, baseada em compromisso, respeito e confiança mútua.
Acredita que as novas gerações (Millennials e, em particular, a Geração Z) têm uma relação diferente com a Esperança no trabalho?
As gerações mais jovens têm claramente algumas características diferenciadoras face a outras gerações, mas, mais além dessas características, são pessoas humanas. E todas as pessoas, seja na empresa, seja noutros ambientes, precisam de um sentido, de significado e propósito, ou seja, de sentir que estão a contribuir para algo que é positivo e significativo. Isso pode ser algo tão relevante como as alterações climáticas ou simplesmente sentir que se é valorizado e respeitado pela forma como contribuem para a equipa e para a organização.
Nesse “para quê?” reside a razão de ser da Esperança que os atrai e os move.
A implementação crescente da IA nas empresas poderá constituir uma ameaça à Esperança para os trabalhadores? Ou, pelo contrário, poderá ser uma bênção?
A IA é uma extraordinária conquista tecnológica. Estou segura de que utilizada corretamente, poderá ajudar-nos a realizar a nossa vocação de pessoas humanas, em liberdade e responsabilidade. No entanto, como todos sabemos, existe o perigo de que a IA seja utilizada para promover o chamado “paradigma tecnocrático”. Ora, a dignidade humana nunca deve ser secundarizada em prol da eficiência.
Os desenvolvimentos tecnológicos que não melhoram a vida de todos em geral, mas que, pelo contrário, criam ou aumentam desigualdades e conflitos, não podem ser definidos como um verdadeiro progresso para a humanidade. A IA vem, uma vez mais, alertar-nos para isso mesmo.
É ainda uma tecnologia muito jovem, mas exige desde já colaboração entre os vários stakeholders para entender e acompanhar como pode ser posta ao serviço de uma sociedade mais humana, justa e inclusiva, de um mundo mais sustentável.
Talvez a IA venha trazer ao coração das pessoas um renovado sentido de compromisso para com todos e com o bem-comum. E isso sim, é uma grande Esperança.
Que comentário final faria sobre a importância da Esperança na vida de todos nós?
Esperança e Paciência andam de mãos dadas. A Paciência é a vitamina essencial para manter a Esperança ativa. Não consiste numa resistência estoica, mas é fruto de um acreditar em algo maior. Não se abandona no desânimo, mas persevera e relança a esperança. Por isso, para manter a esperança inabalável há que seguir caminhando “com alma e com calma”.
NOTA: A ACEGE irá realizar o seu Congresso Nacional nos dias 28 e 29 de Março sob o tema “Construtores da Esperança”. Caso esteja interessado em participar, consulte o programa aqui.
Editora Executiva