Uma pequena mesa redonda moderada por Manuel Barata de Tovar com a participação de Catarina Barreiros e José Maria Sacadura. Catarina Barreiros é casada e mãe de uma filha. É mestre em arquitetura pelo Instituto Superior Técnico e em Gestão pela NOVA SBE. Trabalhou em várias áreas, mas encontrou nos temas relacionados com a sustentabilidade a sua missão de vida. É fundadora do projeto «DoZero» e diariamente trabalha para vivermos num mundo mais sustentável. José Maria Sacadura é pais de dois filhos, brevemente três. Licenciado em Mestre em Gestão pela NOVA SBE, começou a carreira em consultoria na Accenture. Desde 2018, é cofundador e General Manager da Powerdot, um operador europeu de carregadores para veículos elétricos
POR PEDRO COTRIM

Manuel Barata de Tovar: Nós vamos continuar nesta senda de trazer o Papa Francisco para estas conversas. Ele esteve aqui, exatamente nesta escola e em Lisboa, a deixar-nos uma mensagem, e vamos hoje conversar com estes dois empreendedores de um mundo melhor. Esta palavra do Papa Francisco para os seus projetos e para as suas empresas: «Quem ama não fica de braços cruzados. Quem ama serve, quem ama corre para servir, corre empenhado no serviço aos outros. Continuai a cavalgar as ondas do amor, as ondas da caridade. Sede surfistas do amor». Queremos pôr este Amor de Deus a render em prol de um mundo melhor, nas questões de impacto social e de impacto ambiental, e começo por vos perguntar como é que foi o vosso encontro com a sustentabilidade, como é que acordaram para este tem?

Catarina Barreiro: Eu chamo-lhe uma história de núcleos familiares. Ao longo da minha vida fui-me sentindo parte de várias famílias, começando naquela em que tive o privilégio de nascer. Sou neta de uma avó Graça que foi tão especial para mim que assim batizei a minha filha. Esta minha avó lavava os sacos de plástico e estendia-os numa altura em que nem imaginávamos a questão ambiental dos sacos de plásticos e em que estes nem sequer se pagavam. Aquilo parecia-me provinciano, sem desprimor para o termo. Eu dizia-lhe «Há mais no supermercado, avó», ao que me respondia «As coisas vêm de algum sítio. Este saco está em minha casa e eu vou tratá-lo como deve ser». Fazia o mesmo em relação à roupa, em relação ao modo como comia, como demolhava o grão, usava as cascas dos legumes para fazer caldo… isto está mais ou menos no meu ADN. Entretanto, tornei-me numa miúda tonta, viciada em moda e consumista. Fui-me esquecendo destas ligações, mas tive a sorte de os meus pais não terem desistido e me terem posto nos escuteiros, uma família também muito importante, onde recebi a mensagem de «deixar o mundo melhor do que como o encontrámos». Mais tarde, na minha «família da faculdade», sucedeu o mesmo, assim como na família que construí. Eu e o meu marido somos católicos e só fomos viver um com o outro quando casámos. Tentámos transpor para o nosso núcleo familiar tudo aquilo que vivenciámos.

José Maria Sacadura: também vivi em três famílias. Um caso de três famílias. Andei durante 12 anos nos Salesianos do Estoril. É uma escola inserida em espaços verdes, está junto ao mar, e quem era responsável pelos programas pedagógicos tinha sempre em consideração o contacto com a natureza. Recordo-me de ir à praia, de apanhar lixo, de plantar árvores na mata, fazíamos trabalhos de grupo sobre espécies ameaçadas e cidades verdes. Foi aqui que surgiu o primeiro contacto com este tema. Em segundo lugar na minha vida pessoal e espiritual, este canal que é a Igreja, que comunica connosco e neste mudo atual com as palavras do Papa Francisco e com a Laudato Si. Temos a igreja que pega nestes temas do mundo e os traz para si, dando-lhe este cunho espiritual ao todo científico. A nós, católicos, tem de mexer connosco. A Igreja, que é a nossa autoridade moral, religiosa, histórica, guardiã da nossa fé, se fala destes temas, nós temos de olhar para eles. Em terceiro lugar, foi a paternidade, e o tema da sustentabilidade mexe muito mais connosco. Há uma responsabilidade aumentada, consciente ou inconsciente, de querer deixar um mundo melhor para os nossos filhos viverem. Queremos que eles cresçam e sejam felizes e percebemos que o que fazemos tem impacto na vida deles. Temos mesmo de deixar um mundo melhor.

Manuel Barata de Tovar: Esta ideia de intergeracionalidade na sustentabilidade assoma sempre que pensamos no planeta para as gerações futuras. Catarina, tu já falaste de como nasceu o projeto DoZero. Queres aprofundar um pouco?

Catarina Barreiro: O Projecto DoZero nasceu como uma vontade pessoal de aprender mais sobre a sustentabilidade. Ia vendo o que sucedia nas redes sociais, e hoje sabemos que não é assim tão apurado. Gosto muito de estudar e decidi-me a aprofundar este tema e a tirar todas as dúvidas. Por exemplo, diziam-me que devia usar escovas de dentes de bambu. «Mas o bambu vem da China. Como assim, devemos usar escovas de dentes de bambu?» Ainda por cima, a minha casa tem uns 98 % de humidade. Às vezes parece que chove lá dentro. A escova de dentes, ao fim de uma semana estava cheia de bolor. Como é que isto é sustentável? Comecei a fazer-me estas perguntas, sobre a peça de roupa que visto quando sei que a fast fashion está muito associada à escravatura infantil, e comecei a pensar no meu papel. O meu marido dizia uma piada: com a quantidade de roupa que eu comprava na Zara, mais valia comprar acções da Inditex. Não sou ninguém para julgar, mas efectivamente comecei a fazer-me estas perguntas, e na altura usava o Instagram, na altura apenas composto pelos meus amigos, partilhando o que ia fazendo e descobrindo sobre o mundo da sustentabilidade. O Instagram foi crescendo, os amigos passaram a amigos que passaram a amigos e percebi que era melhor criar um blog com conteúdos mais aprofundados para as pessoas poderem ver onde é que eu tinha ido buscar a informação e que estudos tinha eu lido para saber. Fui o mais rigorosa possível. Veio o blog e o projecto, a que chamei DoZero. Depois houve as circunstâncias da vida. Tive uma gravidez que não correu bem, depois tive uma gravidez de risco – dizerem-nos, às dez semanas, que a probabilidade de a gravidez não prosseguir era enorme, faz-nos viver o resto da gravidez numa ânsia muito grande. Tive de ficar em casa seis meses, que me permitiram começar o projeto com total dedicação. Se não fosse esta gravidez de risco, o projeto nunca teria nascido. Nunca teria tido tempo.

Depois, quando a Graça nasceu, decidi que era a altura ideal para me despedir. Tinha acabado de mudar de casa e tinha um empréstimo para pagar. O meu pai achou que eu estava louca e disse-me «Pelo amor de Deus fala com a tua empresa e vê se te aceitam de volta», ao que respondi «Eles aceitam, eu é que não quero!». E o que chegou no mês a seguir? A pandemia. Na verdade, o período da pandemia correu bem para quem criava conteúdo nas redes sociais porque as pessoas estavam mais dispostas a ouvir. Quem não tinha filhos, estava mais descansado com o teletrabalho. Na pandemia, apresentei o podcast e a Loja DoZero. Era uma lojinha pequenina: tinha três produtos de cada num total de doze produtos. Fui um bocadinho ingénua: no segundo mês éramos duas pessoas, no sexto mês éramos três e ao final de um ano éramos cinco. O projecto cresceu muito rapidamente e quando finalmente desconfinámos, dedicámo-nos a criar a Cidade DoZero, que foi um projeto.

Conheci o Ricardo, sócio do Manuel, e pusemos em prática um projecto de embalagens circulares.

Manuel Barata de Tovar: Isso já é uma fábrica de projetos! E tu, Zi? Tu tens uma empresa em rápido crescimento que recebe investimento privado, e os investidores estão naturalmente interessados em obter o seu retorno. Como é que tu cruzas este retorno financeiro, necessário aos investidores, com a atenção ambiental de uma empresa que se move na área da sustentabilidade.

José Maria Sacadura: É desafio das empresas: tornar o lucro sustentável e tornar a nossa sustentabilidade rentável. Há agora vários estudos de que as empresas que põem em prática a preceitos ambientais, de sustentabilidade e a governance, os famosos ESG – afinal podemos sair-nos bem a fazer o bem. Se repararmos no que tem sido divulgado pelas grandes instituições financeiras, já começam a ter, nas suas tomadas de decisão, estes factores. As empresas que se preocuparem, além do retorno dos acionistas, com o impacto que têm nos seus colaboradores, nas suas comunidades e no seu planeta. São empresas que irão durar décadas e merecem mais atenção dos fundos que gerem o dinheiro. A sustentabilidade não pode ser apenas uma checkbox em que plantamos umas árvores e salvamos uns bichos. Quando se manifestam estas fraquezas da humanidade, com as desigualdades, o aumento da pobreza, as alterações climáticas, tudo serão oportunidades de negócio para as empresas inovadoras.

No meu caso em particular, enquanto fundador e membro da equipa de gestão, verifico que tem de haver alinhamento de expetativas, como aliás em tudo na vida. Queremos uma empresa que dure décadas – queremos que dure cem ou duzentos anos. Se o banco estiver alinhado com isto, está tudo certo. Se não estiver, não há negócio. Depende sempre da equipa de gestão, fazerem o seu trabalho de casa, a sua due diligence, e caminhar para o futuro com os seus parceiros. A empresa crescerá em termos ambientais e sociais.

Manuel Barata de Tovar: Catarina, e tu, é uma das vozes dentro da sustentabilidade em Portugal, como é que nós fazemos o caminho de chegar às pessoas? No teu caso, foi a tua avó graça. Como é que podes fazer chegar esse exemplo aos outros?

Catarina Barreiro Eu acho que a mensagem de proteger o planeta e as pessoas é universal – não haverá muitas pessoas que achem que não importa. Há evidentemente vários níveis de preocupação – há quem ache que é mais alarmismo que outra coisa e outras matizes. Costumo dizer que não estamos todos uns contra os outros. Parece-me que comunicação em sustentabilidade. Primeiro a empatia. Se tentarmos passar uma ideia boa, mas formos maus na comunicação, a ideia não passa. Se eu disser a alguém «És um negacionista climático! Mas tu estás bom da cabeça?», não passo a mensagem. Se lhe disse «Olha, tu és uma pessoa interessada: está aqui um livro bem documentado sobre o assunto», talvez lhe consiga dizer alguma coisa. Se nos chegarem mensagens contraditórias, importa muito saber quais os estudos mais fidedignos. Temos de ser empáticos e de apresentar factos. Eu tenho cem mil seguidores nas redes sociais e digo sempre «Não acreditem em mim só porque sim; acreditem porque eu vos dou provas para isto», e a ciência é sabemos que daqui a dez anos, aquilo que temos como verdade absoluta pode estar errado. Temos de estar abertos para esta possibilidade.

José Maria Sacadura: Há sempre esta ideia de que quem está nas chefias é que tem ações com impacto. Tentamos implementar um princípio de radicalidade aberta aos pontos de vista. Venha de onde vier, em termos de hierarquia ou de equipa. Com esta liberdade de atuar, qualquer pessoa pode apresentar alternativas para o crescimento dentro do ramo da sustentabilidade. Os exemplos práticos são mantermos o tempo de silêncio suficiente para os outros explicarem livremente. Também as caixas de sugestões são importantes. Se estivermos numa organização mais fechada, em que nos é pedido apenas que façamos o nosso trabalho, ficamos muito reduzidos à nossa individualidade. Tenho aqui um excerto de uma exortação apostólica que já me foi apresentada há uns anos. É do Papa Paulo VI: «É conveniente realçar isto: para a Igreja, o testemunho de uma vida autenticamente cristã, entregue nas mãos de Deus, numa comunhão que nada deverá interromper, dedicada ao próximo com um zelo sem limites, é o primeiro meio de evangelização. O homem contemporâneo escuta com mais boa vontade as testemunhas que os mestres; se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas». São Pedro exprimia isto lindamente quando falava do espetáculo de uma vida pura e respeitável. Se alguns não obedecem às palavras, que sejam conquistados sem palavras: pelo comportamento.