Para a investigadora do MIT que, há três décadas, estuda as interacções entre tecnologia e humanos, o optimismo que se vivia na década de 80 transformou-se agora em preocupação. No seu último livro, que fecha uma trilogia, e com base em centenas de entrevistas, Sherry Turkle assume a sua ambivalência no que respeita aos excessos da utilização da tecnologia que, como escreve “se insinua, cada vez mais, como a arquitecta da nossa intimidade”. Em análise, os resultados de um estudo etnográfico verdadeiramente fascinante
“A tecnologia é sedutora quando oferece algo que vai ao encontro das vulnerabilidades humanas. E, na verdade, todos somos vulneráveis. Sentimo-nos sozinhos mas temerosos da nossa intimidade… A nossa vida, em constante conectividade, permite-nos esconder uns dos outros, mesmo que estejamos amarrados uns aos outros. Preferimos enviar mensagens do que conversar”. Esta é um excerto, traduzido livremente, da primeira página do livro Alone Together: Why We Expect More from Technology and Less from Each Other, que marca uma trilogia iniciada há quase 30 anos. Sherry Turkle, a autora, psicóloga clínica de formação, desde a década de 70 que, no MIT, estuda a forma como os humanos interagem com os computadores e com a inteligência artificial. A fundadora e directora da iniciativa do MIT denominada Technology and Self, retrata a viagem que iniciou há três décadas, com pleno optimismo e que culmina agora com uma preocupação legítima: cada vez esperamos e exigimos mais da tecnologia e, em simultâneo, somos cada vez menos exigentes no que respeita aos nossos relacionamentos. Este terceiro livro resulta de um estudo etnográfico, feito ao longo de 15 anos e com base em largas centenas de entrevistas e experiências com crianças, jovens e adultos. E vale a pena seguir a viagem de Turkle e perceber por que motivo o seu optimismo, patente na década de 80, se transformou agora em preocupação. O primeiro livro de Sherry Turkle, sobre “computadores e pessoas” foi publicado em 1984 e intitulava-se The Second Self, no qual a autora encarava já a tecnologia não somente como uma ferramenta, mas como parte das nossas vidas sociais e psicológicas. Ao longo de anos de investigação, Turkle foi alterando o seu enfoque, substituindo o relacionamento “um-para-um” existente entre os computadores e os indivíduos pelo papel que os primeiros tinham em moldar os relacionamentos entre as pessoas. E é assim que surge, em 1995, o livro Life on the Screen que se debruçava sobre “as novas oportunidades de explorar as identidades online”. Nessa altura, Turtle era admiradora confessa dos espaços fornecidos pelos ambientes online, especialmente aos jovens, que serviam de terreno para experimentação de outras identidades e, segundo acreditava, ajudaria no processo de se definir aquela que seria a mais verdadeira. E, por fim e 15 anos mais tarde, surge o seu terceiro trabalho, no qual é expressa uma preocupação crescente de que os computadores, em vez de se tornarem catalisadores para se repensar a identidade, surgem antes como os responsáveis por abalar, de forma significativa, a nossa capacidade de nos relacionarmos, com significado, uns com os outros. A literatura sobre as relações existentes entre os humanos e a tecnologia tem sido fértil nos últimos anos. Mas a forma como Turkle retrata o nosso relacionamento com as tecnologias é fascinante e, espera-se, irá gerar não só controvérsia no meio digital, como, e segundo as expectativas da autora, obrigar a um debate conjunto e a uma reflexão pessoal: afinal, e como afirma “estamos a utilizar objectos inanimados para nos convencermos que, mesmo sós, estamos juntos e, quando estamos com outras pessoas, somos os primeiros a colocarmo-nos em situações nas quais nos sentimos sós – e constantemente dependentes dos nossos dispositivos móveis”. Prioridades: conveniência e controlo Como escreve, “esmagados, fomos convidados a envolvermo-nos em ligações que parecem de baixo risco e sempre à mão: os nossos amigos no Facebook, avatares, parceiros de chat. Se a conveniência e o controlo continuarem a ser a nossa prioridade, seremos tentados pelos robots sociáveis que, tal como aos viciados em máquinas de jogo, é prometido uma excitação programada, o suficiente apenas para nos manter dentro do jogo. No ‘momento robótico’ teremos que ter em conta que a simplificação e redução dos relacionamentos já não é algo de que nos poderemos queixar. Na verdade, tornar-se-á aquilo que esperamos, ou até o que desejamos”. Os denominados robots sociáveis dominam a primeira parte do livro de Turkle e fazem a autora regressar a um paradoxo expresso em toda a sua escrita: “com os robots sociáveis, imaginamos objectos como se de pessoas se tratassem. Online, inventamos formas de ser com as pessoas que as transformam em algo muito próximo de objectos”. As interacções observadas por Turkle entre as pessoas e a inteligência artificial patente nestes novos robots, que estão ainda longe de ser massificados – robots “cuidadores” de pessoas idosas, animais de estimação, entre outros – remete para a questão do “vivo o suficiente”. Como alerta a investigadora e depois de passar 30 anos a observar as interacções entre humanos e robots, “esta geração de crianças tem algo especifico em mente quando afirma que as ‘coisas estão suficientemente vivas’”, afirmou, em entrevista à revista Time. “O robot é suficientemente vivo para ser meu amigo” é uma expressão recorrente por parte das crianças entrevistadas por Turkle. Ou seja, o que significa que algo é suficientemente vivo para ser, por exemplo, um professor? Ou suficientemente vivo para fazer companhia a um idoso? O que Turkle considera é que, cada vez mais, vivemos num mundo em que os relacionamentos são medidos como “melhor do que nada”. Se uma criança é alérgica a animais, então ter um robô de estimação é melhor do que nada, mais ainda porque não morre e pode ser desligado para não nos incomodar. Ou seja, um animal de estimação robot é melhor do que um real porque nos oferece coisas que um ser vivo nunca poderia oferecer: uma espécie de controlo total, sem surpresas e uma relação feita à medida na qual as coisas acontecem exactamente como nós queremos. E esta premissa serve também para a forma como nos relacionamos com as nossas identidades online. O controlo dos relacionamentos é, para a investigadora do MIT, um tema fulcral na era da comunicação digital. A intimidade aparente Mas então por que motivo estamos a utilizar a tecnologia mediante formas que nos isolam e que nos fornecem uma ilusão de conectividade? Obviamente que seria fácil culpar a tecnologia. Mas como refere a autora, “a tecnologia só tem poder porque aborda as vulnerabilidades psicológicas patentes em muitos de nós. Queremos essa ligação, mas tememos as suas consequências”. Para Turkle, a grande verdade é que vivemos numa era em que a intimidade pode ser demasiado assustadora. E, o facto de optarmos por ambientes de simulação significa que estes nos oferecem relacionamentos muito mais simples do que aqueles que a vida real nos proporciona. E a internet acabou por se transformar na arquitecta das nossas intimidades. Estimulados pela ilusão de companheirismo, apostamos em ligações “isentas de risco” no Second Life e confundimos os posts que se multiplicam nos murais do Facebook com actos de comunicação autêntica. Afinal, quem, dos que nos seguem na rede social, são realmente nossos amigos? E para finalizar, para um futuro próximo, são-nos prometidos os tais robots sociáveis que irão casar o companheirismo com a conveniência. Como afirmou numa entrevista à cadeia de televisão PBS, Turkle afirma que “a tecnologia promete deixar-nos fazer qualquer coisa, a partir de qualquer lado, com qualquer pessoa”. Mas também nos consome à medida que tentamos fazer tudo em qualquer lugar. “Começamo-nos a sentir esmagados e esgotados pelas vidas que a tecnologia torna possíveis”. Turkle acrescenta ainda que apesar de sermos livres de trabalhar a partir de qualquer lado, estamos cada vez mais propensos a nos sentirmos sós em qualquer lugar. As conexões implacáveis conduzem-nos a um novo tipo de solidão. E, quando nos voltamos para a tecnologia para preencher esse vazio, à medida que a nossa vida online é acelerada, a nossa vida emocional desacelera. Assim, a tecnologia aparece como a substituta perfeita das relações face a face. Os relacionamentos são mediados por máquinas em dispositivos continuamente ligados. Quando enviamos mensagens escritas, emails, quando estamos no Facebook ou no Twitter, a tecnologia redesenha os limites entre a solidão e a intimidade. Quando falamos em “nos livrar” dos emails que caem na nossa caixa de correio, é como se os encarássemos como excesso de bagagem. Os jovens que vivem ao nosso redor evitam falar ao telefone, apesar de estarem constantemente no texting, porque têm medo que, falar de viva voz revele demasiado sobre eles mesmos. E também os adultos preferem os teclados à voz humana. É muito mais eficaz, dizem. Ou seja, as coisas que acontecem no “tempo real” levam, na verdade, demasiado tempo. E, amarrados às tecnologias, ficamos profundamente abalados quando esse mundo deixa de ter significado ou cessa de nos satisfazer. E se, num dado momento, sentimos que possuímos uma intensa vida social, num outro imediatamente a seguir sentimo-nos absolutamente isolados. “Quanto mais nos distribuímos, mais nos abandonamos a nós mesmos”, escreve a investigadora no livro. E quando acordamos e sabemos que temos 500 emails e 100 mensagens no telemóvel para responder, vergamo-nos a esta ditadura e afirmamos que não teremos tempo para mais nada, a não ser tratar de todos estas solicitações. A nossa vida torna-se absolutamente reactiva. Existe, então, alguma solução? Obviamente que não se espera que as pessoas se queiram ver livres da tecnologia. Pelo contrário. Assim, resta-nos reflectir e tentar fazer algumas correcções. E talvez possamos começar por desligar o Blackberry quando estamos a contar uma história aos nossos filhos. Na sociedade actual, um dos principais mal-estares que afecta as nossas crianças é elas não saberem o que significa “atenção plena”. E isso é algo que, decerto, merece a nossa plena atenção. |
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Editora Executiva