São termos que entraram para o léxico laboral e que podem conduzir a situações de depressão e burnout, maioritariamente provocados pelo aumento do volume de trabalho e pela falta de apoio por parte de colegas e chefias. De acordo com uma análise recente da Associação Mundial de Psiquiatria, mais de 300 milhões de cidadãos, a nível global, sofrem de depressão, e muitos são aqueles que não têm acesso ao tratamento necessário. No mesmo estudo, a associação explica que muitas apps – que podem ser facilmente instaladas em qualquer smartphone – revelam ser uma ajuda eficiente, de fácil utilização e de baixo custo para os utilizadores. Ora veja
POR
MÁRIA POMBO

Embora sejam ainda encaradas com alguma desconfiança, as doenças de foro mental – como a ansiedade, o stress, a depressão e até mesmo o burnout – têm vindo a ganhar importância e interesse junto de investigadores e gestores, principalmente devido ao aumento das mesmas no mundo laboral. O acréscimo das exigências no trabalho, a fácil rotatividade nas empresas e as dificuldades económicas, sentidas pela maioria, são alguns dos motivos que levam ao aumento de situações de depressão e burnout. Contudo, tratando-se de doenças “invisíveis”, podem não ser fáceis de detectar, sendo muitas vezes confundidas com mera preguiça ou descontentamento.

Em 2013, e de acordo com um inquérito feito, a nível europeu, pela Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho (AESST), “cerca de metade dos trabalhadores europeus considerou o stress uma situação comum no local de trabalho, tendo o mesmo contribuído para cerca de 50% dos dias de trabalho perdidos [absentismo]”. O mesmo inquérito revela que, com 28%, Portugal foi o terceiro país da Europa a considerar que é “muito comum” existirem casos de stress relacionado com o trabalho.

Também em Portugal, 41% dos inquiridos consideraram que as horas e o volume de trabalho, e também a insegurança no trabalho, consistiam as causas mais comuns de stress no meio laboral. Complementarmente, a falta de apoio, por parte de colegas e chefias, para cumprir determinadas tarefas foi apontada por 33% dos participantes no nosso país. Exigências contraditórias e falta de clareza na definição das funções, má gestão de mudanças organizacionais e insegurança laboral, comunicação ineficaz, assédio psicológico ou sexual e violência de terceiros são outras causas apontadas pela AESST que originam stress e outros riscos psicossociais no trabalho.

A título de exemplo, a classe médica é uma daquelas em que o burnout é mais frequente. Um estudo elaborado pela Ordem dos Médicos revela que, em 2016, 66% dos médicos se encontravam em situação de “exaustão emocional”, cerca de 39% apresentavam “um nível elevado de despersonalização” e 30% viviam com uma “elevada diminuição da sua realização profissional”. Na análise, o burnout é descrito como “uma reacção disfuncional ao stress profissional cumulativo e prolongado”, o qual “envolve exaustão emocional, despersonalização e diminuição da realização profissional”.

De acordo com outra análise, denominada “A eficácia de intervenções na saúde com base nos telefones inteligentes para os sintomas depressivos: uma meta-análise de ensaios aleatórios” (em tradução livre) e publicada a 21 de Setembro do presente ano pela Associação Mundial de Psiquiatria (WPA, na sigla original), a depressão é actualmente reconhecida como “uma das principais causas de incapacidade, afectando mais de 300 milhões de pessoas em todo o mundo” e sendo especialmente grave em países como os Estados Unidos, onde mais de 9% dos seus habitantes têm problemas desta natureza. Para além do sofrimento – muitas vezes silencioso – esta é uma doença que está relacionada com situações de uma débil saúde física, comportamento social desadequado e, mais grave ainda, suicídio. Em termos profissionais, a mesma está associada a casos de perda de produtividade e até de desemprego.

O mesmo estudo indica que esta é uma doença “potencialmente tratável” através de farmacologia e de psicoterapia, por exemplo. Contudo, o “acesso limitado a cuidados de saúde mental” e o “estigma que ainda existe” em torno deste tema são duas das principais barreiras ao tratamento de problemas desta natureza.

Tecnologia como um recurso viável ao controlo da ansiedade

Se é verdade que muitos fármacos conseguem tratar totalmente a depressão e acabar com os sintomas de ansiedade, o estudo da WPA revela que os mesmos nem sempre são a resposta mais adequada, sendo necessário procurar, criar ou inventar novos métodos, capazes de dar um apoio rápido e simples aos doentes. Para a Associação Mundial de Psiquiatria, a tecnologia pode representar uma forma simples e viável de mais pessoas terem apoio e encontrarem formas de controlar o stress e a ansiedade, prevenindo assim o surgimento de doenças mais graves como a depressão e o burnout.

Com o objectivo de “responder às necessidades dos empregadores e trabalhadores das pequenas empresas, que começam a abordar os riscos psicossociais no local de trabalho e precisam de obter orientação sobre os primeiros passos a dar”, a AESST criou um guia electrónico onde apresenta explicações sobre o stress no trabalho, abordando as suas consequências, tanto para o trabalhador como para o empregador, e dando dicas de como o mesmo pode ser prevenido.

Sendo um exemplo de como – cada vez mais – a tecnologia pode ser posta ao serviço do bem-estar das populações, este guia está disponível em diversas línguas e pretende fazer da Europa “um local mais seguro, mais saudável e mais produtivo para trabalhar”. Para recorrer a ele, os utilizadores apenas precisam de ter acesso à internet, podendo descarregar os ficheiros ou aceder aos mesmos a partir do website, em qualquer lugar e sem custos.

Mas não é tudo. Apesar de diversos estudos revelarem que os dispositivos inteligentes são prejudiciais à saúde mental, principalmente se forem utilizados de forma excessiva, a WPA afirma que algumas apps, que podem ser facilmente instaladas nos smartphones, são bastante benéficas e que, de acordo com o estudo, os aparelhos inteligentes são até “uma promissora ferramenta de autogestão para a depressão”, assumindo-se como um mecanismo que permite ter acesso a diversos cuidados de saúde, de forma instantânea e sem grandes custos, e chegando assim a um maior número de pessoas, nomeadamente às que têm baixos rendimentos ou que vivem em zonas onde é grande a escassez de especialistas nesta área.

Para todas as necessidades, só importa saber escolher

Como é difícil escolher uma app, entre centenas, que seja eficiente e adequada às necessidades de cada utilizador, seguem-se exemplos de algumas que estão disponíveis para acesso gratuito.

Para os utilizadores que pretendem encontrar uma espécie de “luz ao fundo do túnel”, a Lantern é uma app que pode ser bastante útil. Criada em 2012 por uma equipa multidisciplinar, esta aplicação – que é bastante completa e adaptada às necessidades pessoais de quem a utiliza – traça o perfil de cada utilizador (procurando saber se é optimista, se dorme bem, se tem problemas de concentração, etc.) e desenha um plano adaptado à medida de cada um. Através de um assistente que está “do outro lado”, a app disponibiliza exercícios diários e analisa as oscilações de humor e não só, procurando desenvolver as forças de cada um, incentivando o utilizador a chegar ao estado de equilíbrio e tranquilidade desejado.

Também com o objectivo de promover o bem-estar dos cidadãos existe a MoodHacker. Esta app foi especialmente concebida para promover, de um modo mais geral, um estilo de vida saudável, incentivando a população a praticar exercício físico, a ter objectivos de vida, a dar importância ao sono e a procurar a criação de redes de apoio, diminuindo (ou evitando) assim os sintomas de depressão. A psicologia positiva é a base do trabalho da equipa que criou e gere este aplicativo e o seu foco é promover a boa disposição e a autodeterminação dos utilizadores.

Para os utilizadores que têm défice de atenção ou que, simplesmente, estão numa fase em que sentem falta de concentração, vendo afectada a sua produtividade, a Brain Focus Productivity Timer parece ser a escolha mais acertada. Esta é uma app que, tal como o nome indica, ajuda a gerir o tempo de uma forma eficiente e inteligente, incentivando os utilizadores a realizar as tarefas propostas no tempo definido, e analisando depois a sua evolução. A app existe em 30 línguas e pode ser utilizada como uma espécie de agenda diária, já que permite introduzir diversas actividades, com espaço para intervalo, e é útil, tanto no que respeita às obrigações laborais dos mais velhos como, por exemplo, nos trabalhos de casa dos mais novos.

Se o que os utilizadores precisam de aprender são técnicas de meditação e mindfulness, para conseguirem controlar melhor a depressão e a ansiedade, seguem-se duas possibilidades. A Headspace é uma ferramenta que permite que os utilizadores indiquem o local onde se encontram, a altura do dia e o seu objectivo naquele momento (que pode ser estar mais concentrado, dormir ou, pelo contrário, ter energia para realizar uma determinada tarefa), aconselhando as técnicas mais adequadas a cada situação específica. Os exercícios podem ser mais simples ou mais duradouros, consoante as necessidades dos utilizadores, e a sua utilização é tão elementar que pode ser feita em qualquer lugar e por qualquer pessoa.

Por seu turno, e tendo sido criada no Brasil, a Querida Ansiedade tem o objectivo de informar e esclarecer os utilizadores acerca deste problema, desmistificando-o e levando-os a aceitá-lo. Tal como a Headspace, esta aplicação apresenta alguns exercícios de meditação, mas não só: a mesma incentiva os utilizadores a criarem hábitos saudáveis, dando outras dicas de como podem controlar os sintomas que lhes causam desconforto. Os seus criadores acreditam que “a melhor forma de aprender a lidar com a ansiedade é conhecer-se e respeitar-se a si mesmo”.

Por fim, e para aquelas pessoas que apenas precisam de música calma para relaxar, sem terem de recorrer a exercícios de respiração e outros métodos, a Atmosphere: Sons relaxantes é a escolha ideal. Com uma vasta gama de sons da natureza – como pássaros, chuva e água corrente de um rio, por exemplo – esta app ajuda os utilizadores a entrarem num estado mais tranquilo, diminuindo assim os seus níveis de ansiedade e stress, e combatendo as insónias, ajudando do mesmo modo a recuperar a energia e vitalidade e a encarar a vida com mais optimismo. Dada a sua simplicidade, a mesma pode ser utilizada, por exemplo, durante a hora de almoço ou até mesmo num intervalo entre tarefas.

De um modo geral, o trabalho é cada vez mais exigente e muitas pessoas não têm possibilidade de recorrer a especialistas das áreas da psicologia e psiquiatria. Os custos, as obrigações do dia-a-dia e o estigma que ainda existe em torno de temas como a depressão e o burnout – para não falar do facto de muitas comunidades viverem ainda sem acesso a estes e outros cuidados de saúde – são alguns dos principais entraves. Contudo, a boa notícia é que a tecnologia pode ter um enorme poder: as apps apresentadas, e outras tantas a que poderíamos recorrer, não substituem ajuda médica mas podem complementá-la. As mesmas podem ser utilizadas todos os dias, em qualquer lugar, a qualquer hora e praticamente sem custos, diminuindo o mais possível os níveis de ansiedade e stress e evitando situações de depressão e burnout – as quais são já demasiado vulgares no meio laborar, em diversos sectores e classes de trabalhadores.


Quantificar e monitorizar a depressão? Sim, é preciso

A propósito da dificuldade que ainda existe em detectar e quantificar as doenças de foro mental, o MyRNA Diagnostics não poderia deixar de figurar neste artigo. Trata-se de um kit que permite precisamente realizar um “diagnóstico quantitativo e uma melhor monitorização da depressão” através de uma amostra de sangue.

Este projecto é da autoria do i3S (Instituto de Investigação e Inovação em Saúde) e foi o vencedor da mais recente edição do concurso português BfK IDEAS 2017, um programa promovido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior através da Agência Nacional de Inovação. O concurso, dirigido a estudantes do ensino superior e a investigadores para premiar as melhores ideias “nascidas do conhecimento”, reúne assim o conhecimento, a tecnologia e a criatividade, dando visibilidade ao investimento na área das ciências e ao seu impacto económico e social.


Jornalista