Enquanto presidente da  Associação Mundial de Empresários Cristãos (UNIAPAC) e em vésperas do seu XXVII Congresso, a ter lugar em Roma este mês, Bruno Bobone recorda que a mesma, criada há quase 100 anos, tem como um dos seus objectivos primordiais promover a discussão e o estudo sobre uma economia fundada nos valores da Doutrina Social da Igreja e centrada na felicidade da pessoa humana. Para tal, e no seguimento do mote que deu origem ao congresso realizado em Lisboa em 2018 e que considerava que “o empresário tem uma vocação nobre”, o tema de este ano pretende assegurar, como declara, que “esta vocação só assume a sua nobreza através da capacidade do empresário de partilhar essa mesma riqueza com justiça e equidade” e com “várias” coragens”, nomeadamente aquela que conduza à criação de uma nova economia para o bem comum
POR HELENA OLIVEIRA

A UNIAPAC está a preparar o seu XXVII Congresso, que terá lugar em Roma de 20 a 22 de Outubro. Para os que não a conhecem, como definiria a sua missão e, sinteticamente, a sua história?

A missão da Uniapac é, em primeiro lugar, servir os seus associados que são as diversas associações de empresários cristãos que existem por esse mundo. Tem a responsabilidade de as representar junto das instituições internacionais, em particular as igrejas cristãs.

E tem igualmente a responsabilidade de funcionar como elo de ligação entre as diversas associações de forma a integrar os seus membros e a permitir a troca de experiências, de conhecimento e de entre-ajuda entre as pessoas que as compõem.

Por fim tem o objectivo de promover a discussão e o estudo sobre uma economia fundada nos valores da Doutrina Social da Igreja e centrada na felicidade da pessoa humana, criando e promovendo eventos de encontro internacionais, como é o caso deste congresso que terá lugar em Roma, a 21 de outubro.

“A actividade empresarial é uma vocação nobre” foi o tema escolhido para o anterior congresso da UNIAPAC, o qual foi organizado pela ACEGE em 2018, juntando centenas de líderes mundiais, não só do mundo empresarial, mas também do universo cristão, académico e da sociedade civil. Na altura, um dos objectivos deste encontro era convidar os participantes a uma transformação pessoal que lhes permitisse alcançar um propósito maior nas suas vidas, capacitando-as a trabalhar no sentido de uma economia que serve as pessoas e não o contrário. Sob o mote “Coragem para Mudar: a criação de uma nova economia para o bem comum”, quais são as principais linhas orientadoras do congresso deste ano e quais as suas expectativas para o mesmo? 

 A ideia por trás deste mote está em tudo ligada ao tema do congresso de Lisboa e a parte dessa afirmação de que o empresário tem uma vocação nobre, mas com a consciência de que essa vocação apenas será nobre se tivermos a coragem de a viver e praticar de uma forma verdadeira. Sem medo de perder e sem nunca duvidar que a razão verdadeira da nossa existência é a felicidade de cada pessoa.

A vocação nobre de que nos fala o Santo Padre na encíclica Laudato Si como característica do empresário resulta da extraordinária capacidade de, juntando os vários factores de produção, o dirigente empresarial ser capaz de criar a riqueza, tão necessária ao desenvolvimento.

Mas esta vocação só assume a sua nobreza através da capacidade do empresário de partilhar essa mesma riqueza com justiça e equidade.

É esta a atitude que exige coragem. 

A coragem de ser capaz de transformar a empresa num local de promoção da pessoa, do seu desenvolvimento e do seu caminho para ser feliz.

A coragem de viver os valores de Cristo na empresa e a coragem de desafiar o mundo a viver a economia de Francisco.

No período particularmente perturbador que vivemos nos últimos anos, primeiro com a pandemia, depois com o conflito bélico imposto pela Rússia à Ucrânia, a par de todas a consequências de ambos os eventos que realmente modificaram e estão a modificar o mundo, é realmente crucial que os líderes empresariais tenham coragem para fazer mudanças profundas no sentido de uma economia que sirva o bem comum. A seu ver, existe essa coragem ou vontade? Até que ponto considera que os líderes empresariais cristãos podem abrir caminho para uma nova economia, em particular numa altura em que a recessão parece estar cada vez mais perto e o panorama económico cada vez mais caótico, com o aumento significativo e preocupante das desigualdades e da pobreza?

Essa coragem é-nos pedida por Jesus Cristo e pelos seus apóstolos em toda a evangelização. É a coragem de confiar em Deus que, através do Espírito Santo, nos dá a sabedoria sobre aquilo que devemos fazer e dizer e a coragem de confiar na divina providência que sempre nos acompanha quando fazemos tudo o que o Espírito Santo nos transmite.

Com a consciência de que a primeira preocupação deve ser sempre o meu próximo.

Uma empresa que cuida dos seus colaboradores e os trata como família, tem a trabalhar consigo pessoas felizes e, como estão felizes são sempre muito mais produtivas e, consequentemente, mais capazes de levar a organização a bom porto.

Na concept note que serve como ponto de partida para o congresso de Roma, é sublinhado que o propósito de qualquer empresa assenta na resposta às necessidades humanas reais e na criação de riqueza, mas que só se atinge o seu objectivo final quando três actividades interdependentes são consideradas pelas empresas: “Bons bens” – abordar as verdadeiras necessidades humanas através da criação, desenvolvimento e produção de bens e serviços; “Bom trabalho” – organização de trabalho bom e produtivo, e “Boa riqueza” – através da utilização de recursos para criar e partilhar riqueza e prosperidade de formas sustentáveis. Na sua perspectiva, e mais uma vez tendo em conta o contexto difícil e particular em que vivemos, como se articula esta interdependência e até que ponto acredita ser possível “atingir o seu objectivo final”?

Não tenho qualquer dúvida da sua realização desde que tenhamos coragem para acreditar, para confiar sem medo e para viver em verdade aquilo que aqui afirmamos.

O Congresso da UNIAPAC em Roma terá três painéis por excelência [e um quarto com testemunhos]: economia sustentável e trabalho digno; finanças éticas e sustentáveis; desafios e oportunidades da transição económica digital, todos eles tendo em vista o bem comum. É possível falar-nos um pouco de cada um deles, bem como dos principais desafios que, a seu ver, terão de ser ultrapassados para que possam vir a ser uma realidade? 

O primeiro painel tem tudo a ver com a essência do tema do nosso congresso. A preocupação com a economia sustentável e o trabalho digno começa exactamente na preocupação com a pessoa dentro e fora da empresa.

A sustentabilidade da economia serve, em primeiro lugar, a humanidade.

O trabalho digno significa um trabalho decente a que se atribui um salário digno, um salário que permite a cada pessoa suportar as suas despesas de vida, a educação dos seus descendentes e o investimento na sua formação profissional, social e cultural de modo a assegurar o seu próprio desenvolvimento.

Por fim, o trabalho digno significa ainda a capacidade de cada um para participar nas decisões que afectam a sua vida.

O segundo painel trata do tema das finanças éticas e sustentáveis. É um tema crucial nesta preocupação de termos uma nova economia focada no bem comum. 

O sistema financeiro, sendo um tema que afecta todas as actividades que fazem parte da economia, tem sido um dos principais sectores que sofrem distorções que acabam por criar situações de injustiça. 

A radicalização da sociedade e a promoção de um desnível financeiro profundo entre os seus membros são, em grande parte, resultado de uma falta de ética e valores na forma de tratar o sistema financeiro.

No que respeita ao terceiro painel, a preocupação sobre a transição económica digital, pretendemos preparar a sua evolução envolvendo desde logo a introdução dos valores fundamentais e da ética na sua estruturação.

A participação nestes três painéis permitirá, por um lado a discussão e a compreensão sobre as questões que são consideradas fundamentais à renovação da economia que pretendemos ver no futuro dos nossos países e de todo o mundo, e também a possibilidade de intervir no sentido de influenciar essa mesma mudança.

No Encontro de Assis, que teve lugar em finais de Setembro último, e que reuniu jovens de todo o mundo comprometidos a responder ao apelo do Papa Francisco para uma economia mais justa e orientada pela ética, o Santo Padre sublinhou a ideia de que “Desenvolver uma economia inspirada [por São Francisco] significa comprometermo-nos a colocar os pobres no centro (…) A começar por eles, olhamos para a economia; a começar por eles, olhamos para o mundo”, afirmou. Para os líderes empresariais da actualidade, existe também esta responsabilidade de “mentoria” no que respeita aos mais jovens – os líderes do futuro – recaindo neles um trabalho hercúleo de transformação de mentalidades e do próprio propósito das empresas. Na sua perspectiva, quais são os principais pilares para esta alteração e como podem ou devem os líderes seniores passarem o seu testemunho às gerações mais jovens, para que estas estejam à altura de o fazer? 

Antes de mais, a economia focada na pessoa humana implica claramente o cuidado com aqueles que são mais frágeis e mais necessitados.

Por outro lado, a própria proposta da economia de Francisco dá-nos uma primeira resposta a esta pergunta, no que respeita aos jovens. 

O Santo Padre pediu aos jovens que trabalhassem neste projecto para mudar a economia mundial e apenas através dessa ligação entre as diferentes gerações será possível trazê-lo à prática.

As gerações mais velhas são as que têm hoje a capacidade de decidir e são os mais jovens os que nos poderão desafiar às mudanças necessárias a esta nova economia.

Voltando à UNIAPAC e numa entrevista recente ao VER, afirmou que esta poderia/deveria passar por uma fase “renascimento”. Na qualidade de Presidente actual da mesma, o que está a faltar na UNIAPAC e o que mais poderão fazer os seus membros para a fortalecer? Ou seja, e passado o Congresso, como antevê o seu futuro?

Na minha perspectiva, aquilo que mais falta à UNIAPAC é uma maior proximidade com os seus membros individuais.

Os membros formais da Uniapac são, como disse no princípio, as associações. Contudo, a UNIAPAC só tem sentido se estiver ao serviço das pessoas e, por isso, é absolutamente necessário promover essa aproximação entre a confederação e os associados das associações regionais.

É por isso que teremos neste congresso toda uma tarde para discutir o futuro da UNIAPAC, aonde queremos ouvir a opinião de todos os que nos acompanharem, aonde vamos pedir que nos digam o que esperam da UNIAPAC, como estão interessados em apoiar a UNIAPAC e anunciar o lançamento de uma rede de comunicação que permita partilhar experiências, conhecimentos e ajudas entre todos os membros, a nível mundial.

Que mensagem gostaria de transmitir aos líderes empresariais portugueses para os convidar a participar neste Congresso

Venham construir a Uniapac, venham ajudar a construir a economia de Francisco e venham participar no mundo e, como líderes cristãos, fazer uma economia para as pessoas.

Termino com uma frase inspiradora do Papa Francisco [dedicada aos jovens participantes no Encontro de Assis] e que parece estar em linha com o objectivo do Congresso da Uniapac:

“Vocês não são o futuro: vocês são o presente. Um outro presente. O mundo precisa da vossa coragem. Agora”.

Será “coragem” realmente a palavra-chave de que todos precisamos para mudar o que parece ser um retrocesso civilizacional em várias esferas? Como se ultrapassa o medo e se arranja coragem para esta mudança fundamental?

Nunca é retrocesso avançar no desenvolvimento da pessoa humana.

O Papa João Paulo II disse na sua primeira intervenção “não tenham medo!”

Jesus veio ao Mundo para nos anunciar a nossa salvação e deu-nos com clareza a imagem da confiança com que venceremos o medo, quando nos deu o exemplo dos lírios do campo e as aves do céu.

(Mt 6,25-26) “Por isso, eu vos digo: não vivais preocupados com o que comer ou beber, quanto à vossa vida; nem com o que vestir, quanto ao vosso corpo. Afinal, a vida não é mais que o alimento, e o corpo, mais que a roupa? 26.Olhai os pássaros do céu: não semeiam, não colhem, nem guardam em celeiros. No entanto, o vosso Pai celeste os alimenta. Será que vós não valeis mais do que eles?

Editora Executiva