No actual contexto de crise, “existem vítimas que não procuram ajuda, com receio de não terem as condições económicas para viver fora de um agregado familiar violento”. Face aos resultados do Relatório Anual da APAV, recentemente divulgados, Daniel Cotrim, assessor técnico da Direcção, sublinha que cada caso, reportado ou não, deve servir de ponto de partida para reflectir e projectar a prevenção como alicerce fundamental da segurança, da liberdade e da cidadania
A APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima divulgou recentemente o seu Relatório Anual relativo a 2013. Num ano em que a Linha de Apoio da Associação regista um aumento exponencial do número de chamadas, os crimes de violência doméstica representam a esmagadora maioria (84,2%) dos crimes relatados pelas vítimas, “seguindo a tendência de anos anteriores”. Mas os contornos da crise alteram as prioridades das vítimas e, com o “crescente empobrecimento da população portuguesa, são as necessidades múltiplas de alimentação, habitação e emprego que caracterizam cada vez mais os pedidos de apoio”, como explica, em entrevista ao VER, Daniel Cotrim. Para o assessor técnico da Direcção e coordenador e supervisor das Casas de Abrigo para mulheres e crianças vítimas de violência doméstica da APAV, cada um dos casos apoiados (como todos os outros que não chegam a ser reportados) “deve servir de ponto de partida para projectar a prevenção como um alicerce fundamental para a promoção da segurança, da liberdade e da cidadania”. Através da sua rede nacional, constituída por 16 Gabinetes de Apoio à Vítima, a APAV proporciona três tipos de ajuda: ao nível da informação, ajuda emocional e ajuda especializada, incluindo apoio psicológico, jurídico e social. Num ano “particularmente activo do ponto de vista de iniciativas”, a organização dedicada à informação, protecção e apoio às vítimas de crime desenvolveu um site dedicado ao Direito à Informação – o www.infovitimas.pt –, com vista a proporcionar igual acesso de informação sobre casos de agressão e procedimentos a seguir em caso de agressão, em conformidade com o sistema legal, a todas as vítimas de crime. Ainda em 2013, a APAV realizou o 4º Barómetro APAV/INTERCAMPUS, um estudo sobre a percepção da população portuguesa sobre tipos de vitimização – Stalking, Cyberstalking, Bullying e Cyberbullying – que identifica uma clara necessidade de intervenção mais rápida e eficaz na prevenção destes tipos de vitimização e no apoio prestado aos jovens, principais vítimas de crimes desta natureza. Entre outras campanhas e iniciativas de formação e sensibilização, a Associação lançou no ano passado o “Projecto Unisexo”, dirigido a estudantes universitários. Sob o mote “Depois do não, para! Respeita a vontade dos outros. A Violência Sexual é crime”, a campanha actuou na prevenção da violência sexual, com especial enfoque nas relações ocasionais e de namoro, numa altura em que os índices de prevalência desta problemática disparam. Para Daniel Cotrim, “é fulcral dar aos jovens competências para perceber o que são relações sem agressões”. “Venha Correr por quem não consegue fugir” é o desafio da Corrida de Solidariedade e Marcha das Famílias 2014, que se realiza em Lisboa, já no próximo dia 23 de Março. Porque às “vítimas de crimes é reconhecido um conjunto de direitos”, e sabermos reconhecer os seus direitos é o primeiro passo para a prevenção.
Quais são os tipos de crime mais reportados e o que revelam os dados da vossa Linha de Apoio, em termos da evolução do número de casos de violência? Para a APAV, o actual contexto de crise económica e social revela, a cada dia que passa, o crescente empobrecimento da população portuguesa, sendo que são as necessidades múltiplas de alimentação, habitação, emprego, etc., que caracterizam cada vez mais os pedidos de apoio. Isto porque existem vítimas que não procuram ajuda com receio de não terem as condições económicas para viver fora de um agregado familiar violento. A APAV lançou em 2013 o infovitimas.pt, dedicado ao Direito à Informação. Que relevância tem para as vítimas de crime o acesso a informação sobre tipos de agressão, processos-crime, procedimentos legais etc., bem como o apoio sobre os seus direitos face à agressão que sofreu, para avançar com uma denúncia/queixa, e para usufruir de serviços que permitam ultrapassar o trauma e prosseguir com as suas vidas? Neste âmbito, o Infovitimas pode ser bastante útil a quem tenha sido vítima de crime ou a quem conheça alguém que o foi. Neste site de fácil acesso podem ser consultadas informações sobre processos-crime e direitos das vítimas, bem como ser conhecidos todos os serviços a que as vítimas de uma situação de crime podem recorrer, para obter apoio. Às vítimas de crimes é reconhecido um conjunto de direitos úteis para colmatar as suas necessidades e defender os seus interesses e expectativas. Estes direitos estão previstos não apenas na legislação nacional, mas também em instrumentos jurídicos internacionais, como é exemplo a Directiva da União Europeia que estabelece conteúdos mínimos em matéria de direitos, apoio e protecção às vítimas de crimes. A APAV proporciona através da sua rede nacional, constituída por 16 Gabinetes de Apoio à Vítima, três tipos de ajuda: ao nível da informação, ajuda emocional e ajuda especializada, como por exemplo apoio psicológico, jurídico e social. E que relevância tem esta informação para a prevenção de agressões a pessoas em perigo? Qual é o perfil dos utilizadores do Infovítimas e que balanço faz da interacção das vítimas de crime com o site? Como comenta as principais conclusões do 4º Barómetro APAV/INTERCAMPUS, ao nível dos tipos de vitimização mais frequentes, entre Stalking, Cyberstalking, Bullying e Cyberbullying? Qual é o perfil dos agressores e o perfil das vítimas em cada um destes crimes e que percepção têm os portugueses sobre estas formas de violência?
Deste estudo sobre a percepção da população sobre Stalking, Cyberstalking, Bullying e Cyberbullying, os portugueses identificam de imediato o bullying. No entanto, após uma breve explicação sobre as outras formas de violência, que têm como princípio base o uso das novas tecnologias, estas acabam por ser reconhecidas com facilidade. Os dados apurados estão de acordo com o que são as tendências tradicionais. Contrariamente às percepções internacionais, os inquiridos podem não conseguir distinguir no imediato os conceitos, mas após um pequeno enquadramento reconhecem todas as situações abordadas, sendo de facto o bullying o conceito que mais facilmente identificam e definem. Ao falar de Stalking falamos do assédio persistente em que uma pessoa se impõe a outra, com um conjunto de comportamentos que são indesejados ou intrusos (stalking); da utilização da Internet ou de outros meios electrónicos para perseguir e assediar alguém (cyberstalking); da violência entre pares com comportamentos agressivos por um agressor ou grupo de agressores contra uma vítima ou grupo de vítimas (bullying); e do uso das novas tecnologias para agredir verbalmente ou contribuir para a exclusão social da vítima, por exemplo, disseminando boatos ou revelando informações por telefone, e-mail, redes sociais, etc. (cyberbullying). Face ao aumento do número de casos de violência sexual entre estudantes universitários a APAV desenvolveu uma campanha de prevenção focada nas relações ocasionais e de namoro. Na vossa perspectiva, quais são as causas e os efeitos de uma prevalência de quase 30% de jovens que admitem já ter sofrido pelo menos um acto sexual não consentido? O facto de 30% de jovens já ter sofrido pelo menos um acto sexual não consentido pode estar ligado à percepção de violência sexual, isto é, muitas vezes o acto não é sentido como algo perturbador. Dar aos jovens competências para perceber o que são relações sem agressões é fulcral. Temos vindo a trabalhar essas questões e tentado ajudar os jovens a perceber o que são relações e relacionamentos íntimos saudáveis. Importa frisar que ambos os conceitos podem ser treinados, tal qual outra competência pode ser adquirida. É preciso alertar os jovens nesse sentido. Este projecto é financiado pelo QREN/POPH e conta com as parcerias do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e do Instituto de Medicina Legal. A APAV dedica-se há 24 anos à protecção e apoio a vítimas de violência. Quais são as vossas prioridades de actuação, no actual contexto socioeconómico, e que projectos têm em curso para 2014? Mas as crises são também oportunidades de mudança, de crescimento, de investimento. Assim, a APAV vai continuar a desenvolver projectos no âmbito da qualidade dos serviços prestados às vítimas de crime, os quais visam o desenvolvimento da rede de voluntariado social, e são projectos específicos para a prevenção da violência contra as pessoas idosas, contra as crianças e jovens e para promover a investigação e o conhecimento das novas formas de vitimização. Cada um dos casos apoiados pela APAV, e todos os outros que nem sequer chegam a ser reportados às autoridades ou às organizações, deve servir de ponto de partida à reflexão, à melhoria das práticas junto das vítimas e, sobretudo, para projectar a prevenção como um alicerce fundamental para a promoção da segurança, da liberdade e da cidadania.
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Jornalista