Depois de meses complicados a gerir a crise pandémica, a imagem que representa o estado actual da José de Mello Saúde é equivalente ao “subir de uma montanha”. Com o regresso gradual da confiança, sempre a par de uma segurança extrema, o maior operador privado de cuidados de saúde em Portugal encara o futuro com optimismo, apesar de não negar o impacto significativo que a Covid-19 teve na sua actividade. Mas, e como refere o seu CEO, por mais complexa que tenha sido a situação, “conseguimos sempre que os nossos valores, os nossos colaboradores e o nosso propósito orientassem as nossas decisões e acções, e assim continuará a ser no futuro”
POR HELENA OLIVEIRA

“Estes três últimos meses foram tão intensos que olhamos para Fevereiro como uma realidade muito longínqua”, afirmou, no mais recente ciclo de conferências “Construir a Esperança” promovido pela ACEGE, o CEO do Grupo José de Mello Saúde.

Convidado para partilhar a forma como o maior operador privado de cuidados de saúde em Portugal geriu, até agora, a pandemia do novo coronavírus e falando também sobre o futuro, Salvador de Mello elencou as prioridades por excelência que orientaram a acção do Grupo que dirige. Não deixando passar tempo precioso desde o início do deflagrar da crise, a 10 de Março, concretamente, foi constituído um gabinete de crise com membros da comissão executiva, mas alargado a outras pessoas na organização, “com capacidade para actuar 24 horas por dia e tomar as decisões que se revelassem necessárias a todo o momento” e com três preocupações essenciais: em primeiro lugar, proteger clientes e colaboradores, colaborar com o país e com as autoridades de saúde no controlo da pandemia e, por fim, apoiar igualmente o reforço dos meios que fossem necessários para ajudar Portugal numa altura tão crítica.

Apelidando o facto de terem conseguido, num escasso período de tempo, colocar mais de mil trabalhadores em teletrabalho, como “uma aventura que não pensávamos ser possível”, sem problemas tecnológicos e a funcionar como deve ser, o responsável da José de Mello Saúde referiu também que, para colaborar com as autoridades de saúde, foi necessário desmarcar a quase totalidade da actividade colectiva do Grupo, entre consultas e cirurgias, ficando “livre” e logo a partir de meados de Março, para ajudar o país a controlar a pandemia.

Como conta e nesse sentido, foi necessária uma reorganização da rede CUF, colocando ao serviço do país dois dos seus hospitais, um em Lisboa e outro no Porto, onde chegaram a “tratar cerca de 100 doentes infectados pela Covid-19, testando muitos mais e, desde o primeiro momento, em total colaboração com o Ministério da Saúde, para responder aos casos que aparecessem, com empenho e segurança, algo que correu muito bem”.

E, à medida que o tempo foi avançando – e porque entretanto deixou de ser necessária tanta capacidade para responder aos casos de infecção pelo coronavírus – “começou a ser essencial responder aos casos de saúde ‘não-Covid’, os quais se começavam a avolumar”, disse ainda. Em simultâneo, e em sede de gabinete de crise, foi também instituído um plano de situação financeira para um conjunto alargado de trabalhadores cuja remuneração depende da sua actividade, considerando que estes não deveriam estar, de todo, sujeitas a qualquer tipo de redução remuneratória nos meses de Março e Abril, tendo igualmente “ido mais longe do que o estipulado” e complementado a contribuição dada pelo Estado aos colaboradores que se encontravam em situação de assistência à família.

“Também tomámos a decisão de não recorrer ao layoff”, sublinhou, pois “como instituição de saúde consideramos que é fundamental estar ao serviço das populações e não perder o sentido de comunidade e a capacidade de resposta caso se viesse a verificar um aumento da procura”. Salvador de Mello confessou que o Grupo a que preside teve uma redução na procura muito significativa, na ordem dos 80%, mas que consideraram ser “fundamental não quebrar o sentido de comunidade e o vínculo com as pessoas decidindo, portanto, não recorrer ao layoff”. E porque 2019 foi um ano muito positivo para a José de Mello Saúde, foram igualmente pagos os prémios devidos à organização, pois “considerámos que a crise não deveria interferir naquilo que é o reconhecimento do desempenho passado”. Por outro lado, e na medida em que o Estado não estava ainda devidamente preparado no mês de Março, “e estando nós a equipar um conjunto de hospitais, decidimos que era importante colaborar com o Serviço Nacional de Saúde, oferecendo 50 ventiladores”.

Afirmando que, em momentos de crise, a tomada de decisão tem de ser rápida e ágil, o CEO da José de Mello Saúde assegurou ainda que, em todas as decisões tomadas, “as pessoas foram sempre a sua principal prioridade”, de que é exemplo também a manutenção do apoio às comunidades onde estão inseridos. “Temos exemplos de instituições junto dos nossos hospitais cujas refeições são servidas a partir das nossas unidades e também colaborámos com diversas IPSS em programas de formação, tendo sempre a preocupação de não nos virarmos para dentro”.

Fundamental foi também a comunicação. Primeiro a interna, regular, intensa e derivada “da enorme preocupação de manter a proximidade com as nossas pessoas”, mas também com os clientes, “manifestando a nossa disponibilidade, na altura do confinamento, para os casos urgentes e chamando a atenção para que as pessoas não deixassem para trás o que era importante”, afirma ainda. Ou seja e como resume, “eu diria que esta foi a nossa primeira preocupação, de responder à pandemia, de gerir a crise num momento de grande incerteza e de estarmos próximos das pessoas, sem deixar ninguém para trás”.

A pensar no futuro e no reforçar da sustentabilidade

“A nossa segunda grande preocupação é, e desde há uns tempos a esta parte, construir o futuro e reforçar a sustentabilidade da empresa, tanto a curto, como a médio e longo prazo”, continuou Salvador de Mello. Afirmando que o Grupo a que preside está concentrado, neste momento, em retomar e a relançar a sua actividade, “a remarcar consultas, exames, cirurgias, a redesenhar circuitos, a definir novo processos, a reforçar as condições de segurança”, o que é um trabalho muito intenso e complexo, o CEO assegura que, ao contrário do que se possa pensar, recuperar não significa apenas carregar num botão, mas sim “todo o trabalho que está por detrás disso, de redesenho de processos, de regras de segurança, de reordenamento das salas de espera, de redesenho de resposta entre unidades”, exigindo muito da organização e respectivas equipas.

A médio prazo, e porque pretendem aproveitar o momento para reposicionar o seu posicionamento competitivo tendo em conta as lições que foram aprendidas durante a crise – em particular a capacidade de resposta e o configurar de novas soluções para os seus clientes – Salvador de Mello deu o exemplo das tele-consultas, “para as quais conseguimos, em muito pouco tempo, ter uma solução montada que funciona”. Assegurando que os clientes estão muito satisfeitos com esta inovação, o CEO afirmou ainda que chegaram a ser feitas cerca de mil consultas diárias, com um conjunto muito alargado de médicos para este serviço e que o Grupo continuará a inovar e a trazer várias soluções que a seu tempo serão anunciadas.

“Queremos estar cada vez mais perto das pessoas”, declara, acrescentando que a tecnologia assim o permite. “E estamos convencidos que esta crise trará uma alteração de comportamentos, uma alteração de maneira de pensar e de actuar das pessoas e, portanto, queremos adaptar e reposicionar aquilo que fazemos para responder ainda melhor às suas necessidades”.

Porque também não é possível passar por uma situação destas sem ter uma actuação muito firme sobre os custos, há que questionar de forma abrangente e alargada a forma como se fazem as coisas, “com profundidade e responsabilidade, pois o momento assim o exige, sublinhou ainda. “É fundamental conseguirmos sair desta crise com mais eficiência, com menos custos, por forma a podermos ter um posicionamento no mercado adequado”, declara, mostrando-se convencido de que esta crise veio trazer novas oportunidades e que saberão aproveitar o momento para capturá-las. “Assim, construir o futuro tem sido e será a nossa segunda preocupação, a par de reforçar a sustentabilidade da empresa”.

Espírito de missão e valores continuam a ser farol para o futuro

Aprender com o que se passou neste período e conseguir sair dele mais forte é igualmente um dos objectivos que a José de Mello Saúde tem em carteira. Se, por um lado, o período em causa foi desafiante para todos, também é inquestionável, diz, que “nos fez procurar o melhor que há em cada um de nós”. Para o CEO, é de salientar “a extraordinária a dedicação que vivemos, e da parte de todos os colaboradores, que se superaram verdadeiramente”. O que se traduziu “num espírito de missão perfeitamente assumido por todos e uma lição que queremos levar para o futuro”, garante, elencando a mobilização, motivação e capacidade de superação de “um enorme trabalho em equipa”. Igualmente importante foi a rapidez e a agilidade com que foram tomadas as decisões, “transformando o que foi necessário transformar”, outra lição que pretende levar para tempos vindouros.

Para Salvador de Mello, esta pandemia veio provocar um indubitável “momento de verdade, no qual a cultura, os nossos colaboradores e o nosso propósito foram postos à prova”. E, por mais complexa que tenha sido a situação, “conseguimos sempre que os nossos valores, os nossos colaboradores e o nosso propósito orientassem as nossas decisões e acções, e assim continuará a ser no futuro”, garante ainda. Afirmando que a vivência dos valores, a sua partilha e a forma como as pessoas os vive(ra)m no dia-a-dia constituiu uma “ajuda extraordinária em momentos de dificuldades”, a tal deve-se “um alinhamento total do propósito no que é preciso fazer, nas decisões a tomar e na forma como toda a equipa os soube interpretar e os soube levar à acção”, algo que lhe deu uma enorme satisfação. Reafirmando o compromisso inalterado da José de Mello Saúde de se manter ao serviço do país e de colocar as necessidades das pessoas em primeiro lugar, assim sendo há 75 anos, desde o nascimento da CUF, Salvador de Mello voltou a insistir na importância dos valores que regem a organização, desde 1945, ano em que foi inaugurado o primeiro Hospital CUF, e entre os quais salienta o bem-estar das pessoas, a competência, a inovação e o desenvolvimento, “sendo que todos eles saem muito reforçados desta crise”, sublinhou ainda.

Questionado sobre como é possível reforçar ainda mais esta cultura de responsabilidade, o CEO adianta que o primeiro passo é que sejam as lideranças a dar um “exemplo vivo”, no dia-a-dia, desses mesmos valores da companhia, demonstrando assim o seu compromisso para com eles. E, em segundo lugar, “nunca desistir, estar sempre a afirmar esses valores, transmiti-los e comunicá-los continuamente, com muito empenho”. Ou seja, ao se viverem os valores no interior da empresa, a cultura vai-se robustecendo, existindo sempre uma consistência com o “dar o exemplo, sendo que “não há negociação nesse tema”: “os valores são os valores e são para ser vividos independentemente da consequência, acreditando nos seus frutos a longo prazo”.

Em simultâneo, há que não esquecer que as pessoas são o centro das organizações, sendo até mais do que isso. “São fundamentais à sobrevivência da empresa”, sublinha, acrescentando igualmente que “gerir é equilibrar” e que para se construir um futuro melhor, há que estar preparado também para as dificuldades. E quando se vivem momentos complexos, é crucial “ter critérios claros para a decisão, entre quais não podem deixar de estar o bem comum, mas também a atenção aos casos concretos”.

Salvador de Mello não deixou também de elogiar o “extraordinário trabalho feito pela ACEGE”, porque “precisamos, de facto, inspirar as lideranças”, algo que a associação tem feito “com grande competência e seriedade”. E não deixou de mencionar igualmente a importância que tem para si o seu grupo de “Cristo na Empresa” – uma iniciativa que, mensalmente, reúne líderes empresariais que à luz do pensamento da Igreja, debatem questões profissionais -, o qual tem sido “um farol fundamental na reflexão, na ponderação e tomada de decisão”, diz.

Tele-consultas sim, teletrabalho nem por isso

No habitual período dedicado a perguntas por parte da audiência e questionado sobre o impacto da pandemia nos resultados do Grupo, Salvador de Mello confessou que este foi significativo, com quebras de actividade na ordem dos 80%, como já tinha aliás mencionado, mas que a imagem que devemos associar ao momento presente é o “subir de uma montanha”, ou seja, dia após dia “assiste-se a uma recuperação, com as pessoas a ganharem também alguma da confiança perdida”.

Instado a comentar os motivos que levaram, e durante um período particularmente exigente da pandemia, a que existissem alguns discursos políticos que acusaram o sector privado da saúde de voltar as costas ao Estado, Salvador de Mello nega com veemência essa situação. “Essa afirmação não corresponde à realidade”, mesmo que a muita ideologia que existe no campo da saúde em Portugal contribua para que se desvalorize o que é contributo do sector privado. “Mas isso não corresponde à realidade nem ao nosso posicionamento, o mesmo acontecendo com outros prestadores de cuidados de saúde que também estiveram ao serviço do país e também colaboraram”, realçou.

Uma outra questão obrigatória esteve relacionada com a confiança e segurança necessárias para as pessoas voltarem aos hospitais, tema que continua a ser central no momento em que vivemos. Para além de ter assegurado que todas as unidades da José de Mello Saúde estão a ter um “cuidado absoluto” e “regras muito restritas” no que respeita à segurança e à utilização de material de protecção, o segundo aspecto prende-se com o transmitir essa mesma confiança e segurança às pessoas, motivo pelo qual foi lançada, recentemente, uma campanha que visa contribuir para o regresso, sem medos, dos pacientes aos hospitais.

Porque também é tema incontornável na actualidade, o que pensa o CEO da José de Mello Saúde sobre o teletrabalho, que lições foram aprendidas e como é este encarado no futuro? Apesar de considerar que “foi extraordinário aquilo que se conseguiu”, Salvador de Mello admitiu ter algumas reservas face ao teletrabalho no futuro, em particular no que respeita ao sentimento de pertença e de comunidade. “O teletrabalho de forma total, absoluta, em que cada um está na sua casa, não é o modelo de organização do trabalho no qual me revejo”, diz, acrescentando que a presença física, a construção de amizade, o diálogo, entre outras realidades, constituem aspectos fundamentais do trabalho presencial. Todavia, não coloca a questão em termos de zeros e uns, apostando mais em “soluções híbridas”. Como explica, “parece-me que aquilo que se conseguiu de experiência no teletrabalho permite ensaiar modelos em que haja recurso ao mesmo em um ou dois dias por semana, mas é uma solução que iremos testar e, portanto, não temos um modelo fechado”. Quando a situação estabilizar, acrescenta ainda, será uma experiência e não um modelo definitivo.

E o que dizer da produtividade? “Baixou de forma clara, pois o teletrabalho é muito difícil”, declara. Principalmente porque “temos uma organização jovem, sendo muito complicado ter as pessoas concentradas no seu trabalho ao mesmo tempo que têm as crianças em casa”. E não só em termos de produtividade, como também ao nível dos efeitos psicológicos. “Funcionou bem dentro deste período, mas tenho sérias dúvidas de que manter este modelo de forma sistemática, na continuidade, seja um bom sistema”, afirmou.

Já sobre a solução inovadora das tele-consultas tem o CEO uma visão diferente. Estando estas já instituídas, “acreditamos que têm um papel importante a desempenhar no futuro”. Em termos de peso na facturação, contudo, acredita que irá crescer, mas “nunca irá substituir a presença física, pois em muitos casos as pessoas continuam a precisar, para além dos exames, também de consultas presenciais”.

Porque também seria inevitável questionar o responsável pelo maior operador privado de cuidados de saúde em Portugal sobre uma possível segunda vaga de Covid-19, Salvador de Mello garantiu não ter “qualquer informação privilegiada” sobre esse assunto, acalentando apenas a esperança de que esta não venha a surgir, mas vincando a necessidade de se continuar a actuar em conformidade e mantendo-se todas as medidas de segurança necessárias. “Acho muito importante voltar a ter vida, ter relacionamentos, mas com os devidos cuidados e precauções”, alerta.

Por fim e questionado sobre se o facto de ser católico influencia a sua forma de liderança, o CEO respondeu que “é determinante” tanto na maneira de pensar, de agir e de se relacionar. “Seria outra pessoa se não fosse assim”, garante.

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