Em última análise, o sucesso do trabalho híbrido dependerá da capacidade das empresas de encontrarem um equilíbrio entre flexibilidade e estrutura, promovendo uma cultura de colaboração e apoio mútuo. Se bem implementado, este modelo tem o potencial de aumentar tanto a produtividade quanto a qualidade de vida no trabalho, resultando em maior satisfação dos funcionários. Este parece ser o caminho a seguir, uma vez que o maior ativo de uma empresa são as pessoas
POR DIANA CASTILHO

O trabalho remoto não é um conceito recente. Designado na década de 1970 por telecommuting, foi idealizado por Jack Nilles como uma solução potencial para problemas de eficiência laboral, bem como para questões relacionadas com transportes (incluindo a redução de emissões de gases de efeito estufa e congestionamentos).

Contudo, a prática era limitada pela tecnologia disponível, e só se tornou mais acessível com o avanço das tecnologias de informação e comunicação. Ainda assim, não se generalizou. E todos (ou quase todos, porque já há uma nova geração que não sabe como era o trabalho antes da pandemia), se lembram como éramos olhados de lado se, por algum motivo, tivéssemos que trabalhar a partir de casa. Fosse porque recebíamos aquele telefonema da escola e tínhamos que ir buscar os miúdos com febre, ou porque tínhamos que resolver uma qualquer emergência doméstica, a verdade é que, invariavelmente, isso exigia todo um manual de argumentação com o forte compromisso de que compensaríamos as horas e não atrasaríamos a entrega, ainda que em casa trabalhássemos tanto ou mais que no escritório. Poucos eram os que aceitavam esta necessidade com naturalidade, o que desencorajava os colaboradores e empregadores de explorarem ou normalizarem esta alternativa.

A pandemia, suportada pelo state of the art tecnológico, veio mudar esta perspetiva e acelerou uma tendência que, de outra forma, teria demorado várias gerações até ser massificada, provando que a produtividade é location agnostic. Não aumenta ou diminui pelo facto de estarmos mais ou menos próximos do escritório. De facto, entre 2013 e 2022, a produtividade real em Portugal subiu 18,7%, ainda que o salário médio real dos trabalhadores apenas tenha evoluído 10,6%, de acordo com um estudo do CoLabor recentemente divulgado.

Não é de surpreender, portanto, que o 3º Relatório Global de Consumo 2024, promovido pela agência de comunicação MARCO em parceria com a Cint, indique que os trabalhadores portugueses são os mais insatisfeitos com o contexto laboral, com 43% a referirem que o atual enquadramento não promove o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Face a este contexto, o trabalho híbrido pode assumir um valor superior num país como Portugal, o que está em linha com outra das grandes conclusões do estudo: os portugueses lideram também na preferência pelo trabalho híbrido (53%), encabeçando uma lista de 11 países a nível global, enquanto a média se situa nos 44%. Apenas 30% dos portugueses preferem o trabalho no escritório e 17% indicam o trabalho totalmente remoto.

Observa-se, portanto, que o trabalho híbrido oferece uma série de vantagens particularmente relevantes num país como o nosso. Não só a nível geral (por exemplo, este processo viabilizaria a despolarização dos centros urbanos, promovendo a suburbanização das metrópoles) mas também a nível pessoal, nomeadamente com uma maior flexibilidade de horários, redução dos deslocamentos, poupança significativa e maior autonomia.

Se pensarmos que, além da baixa evolução salarial, Portugal é também um dos países onde as crianças passam mais tempo nas creches em toda a Europa, percebemos por que é que a flexibilidade e o modelo de trabalho híbrido reúnem tantos adeptos no nosso país. De acordo com o relatório anual do Conselho Nacional de Educação 2019 (CNE), as crianças portuguesas passavam 39,1 horas por semana em creches. A média na União Europeia é de 27,4 horas.

Esta nova flexibilidade e a gestão mais autónoma do tempo, além de facilitarem a vida familiar, traduzem-se também num maior nível de responsabilização do colaborador, e logo num maior foco no objetivo. Esta mudança de paradigma acaba, portanto, por ter um impacto sinergético, porque colaboradores mais responsáveis e felizes são, também, mais motivados.

Mas não se pode esquecer o reverso da medalha. O trabalho híbrido também aporta desafios, nomeadamente a dificuldade no desenvolvimento de uma cultura corporativa, do trabalho em equipa, do sentimento de pertença ou da colaboração espontânea.

Assim, grande parte das empresas assume a vontade de regressar ao escritório, ainda que os colaboradores não pareçam dispostos a um regresso ao passado. A questão reside naturalmente no equilíbrio e na organização, levando em consideração as necessidades e preocupações de todos os envolvidos. Daí que as tendências que se observam passem pela implementação de políticas híbridas mais estruturadas e com agendas definidas.

As empresas passam também a incorporar ferramentas de trabalho híbrido mais integradas, de forma a facilitar os fluxos e dinâmicas de trabalho e a interação ao minuto, centralizando numa só plataforma todos os aspectos da gestão dos projetos.

Paralelamente, também o paradigma de liderança terá que evoluir, sendo valorizadas as capacidades de gerir equipas espalhadas por diferentes pontos e as complexidades associadas. Os líderes deverão ainda estar preparados para evitar o chamado viés da proximidade, para assegurar um ambiente de trabalho justo e inclusivo.

O modelo Hub and Spoke poderá ser uma solução para as empresas, que contarão assim com um hub central onde as equipas poderão trabalhar de forma colaborativa e diversos spokes espalhados remotamente. Percebe-se, assim, que tal como em muitas outras áreas, a personalização acabou por chegar também ao contexto laboral, sendo possível uma maior adaptação do ambiente de trabalho às necessidades de cada colaborador, sem penalizar os resultados. As empresas que souberem extrair o melhor desta realidade complexa estarão bem posicionadas para atrair e reter o melhor talento.

É claro que esta regra não se pode aplicar a todos os casos, porque há trabalhos que, pela sua natureza, pressupõem necessariamente uma presença no local.

Em última análise, o sucesso do trabalho híbrido dependerá da capacidade das empresas de encontrarem um equilíbrio entre flexibilidade e estrutura, promovendo uma cultura de colaboração e apoio mútuo. Se bem implementado, esse modelo tem o potencial de aumentar tanto a produtividade quanto a qualidade de vida no trabalho, resultando em maior satisfação dos funcionários. Este parece ser o caminho a seguir, uma vez que o maior ativo de uma empresa são as pessoas.

Diana Castilho

Mais de 15 anos de experiência como PR Manager nas áreas de Telco, Entretenimento e Tecnologia. O seu percurso passa pela NOS onde coordenou estratégias de comunicação integrada e planos de ativação mediática para diferentes unidades de negócio, tendo anteriormente integrado a equipa de comunicação da PT Multimédia e da ZON. Actualmente é responsável pela operação portuguesa da Agência de Comunicação internacional MARCO.

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