POR MÁRIA POMBO
“O mundo quer um bom trabalho”. Foi com esta ideia que Jon Clifton, global managing parner da Gallup, começou por revelar aquela que é a principal conclusão que a agência norte-americana retira de uma década a questionar os cidadãos de mais de 140 nações. E um desejo que parece tão simples, principalmente nos países mais desenvolvidos, afigura-se bem difícil de alcançar para tantos milhões de pessoas, um pouco por toda a parte.
De acordo com o estudo Perspectivas Sociais e de Emprego no Mundo: Tendências para 2018, publicado recentemente pela Organização Internacional de Trabalho (OIT), o desemprego atinge “apenas” 5,6% da população mundial (o que equivale a 260 milhões de pessoas). Todavia, a Organização das Nações Unidas (ONU) indica que existem cerca de 793 milhões de pessoas subnutridas, que 767 milhões vivem em situação de pobreza extrema e que dois milhões não têm acesso a água potável. Alguma coisa parece não bater certo.
E foi também para clarificar esta ideia que a Gallup apresentou recentemente o 2018 Global Great Jobs Briefing, no qual explica a diferença entre uma “boa” e uma “excelente” profissão, e revela os países onde as mesmas são mais fáceis e mais difíceis de alcançar, esclarecendo – e criticando – também o motivo pelo qual a taxa de desemprego oficial é tão baixa.
Segundo a Gallup, os inquéritos utilizados para medir a taxa de desemprego perguntam aos cidadãos se trabalharam 30 ou mais horas na última semana e se o trabalho foi por conta própria ou de outrem. E para Jon Clifton, é precisamente no modo como as perguntas são feitas que reside o problema, já que em muitos países em desenvolvimento as pessoas trabalham na agricultura ou vendem produtos nas ruas, ocupando muito mais do que 30 horas semanais. E, por este motivo, muitos destes cidadãos são incluídos nas estatísticas de auto-emprego, mesmo que vivam em condição de extrema pobreza.
[quote_center]De acordo com a Gallup, 33% da força de trabalho está realmente desempregada, e não 5,6% como a OIT revela[/quote_center]
Neste sentido, para o global managing parner da Gallup falta questionar as populações acerca do salário que auferem e das condições em que o mesmo lhes permite viver. É que muitos destes inquiridos que são considerados patrões de si mesmos vivem com menos de dois dólares por dia, o que equivale mais a situação de desemprego do que a de emprego por conta própria. E esta é uma situação bastante diferente daquela em que vivem os cidadãos que, trabalhando 30 horas por semana, auferem um salário bastante superior a dois dólares por dia e suficiente para que possam viver condignamente.
Complementarmente, no estudo acima referido, o director geral da OIT esclarece que “embora o desemprego global tenha estabilizado, os déficits de trabalho digno continuam generalizados e a economia global ainda não está a criar empregos suficientes”, explicando que “devem ser feitos esforços adicionais para melhorar a qualidade dos trabalhadores e assegurar que os ganhos de crescimento económico sejam partilhados de forma equitativa”. O documento revela que, em 2017, cerca de 1,4 mil milhões de pessoas tinham empregos vulneráveis e que se espera que, a estes, venham a juntar-se mais 35 milhões até 2019. O estudo também conclui que nos países em desenvolvimento “o emprego vulnerável afecta um em cada quatro trabalhadores”, estimando-se que, nos próximos anos, “o número de trabalhadores que vivem em extrema pobreza permaneça acima dos 114 milhões”.
Seguindo a definição de que “um bom emprego é aquele em que as pessoas trabalham pelo menos 30 horas por semana, de forma consistente, e recebem um pagamento por elas, por parte de um empregador”, a Gallup afirma que existem apenas 1,4 mil milhões de pessoas que se enquadram neste grupo, entre 5 mil milhões de adultos.
[quote_center]O mundo carece em larga escala do compromisso e empenho dos trabalhadores[/quote_center]
Esmiuçando os números e transformando a questão do emprego numa espécie de problema matemático, a organização quis perceber o que é feito dos restantes 3,4 mil milhões de adultos que “não têm um bom emprego”, apurando quais destes se encontram verdadeiramente em situação de desemprego. As conclusões chegam a impressionar: “cerca de mil milhões são trabalhadores por conta própria; 300 milhões trabalham a tempo parcial e não pretendem trabalhar a tempo integral; cerca de 400 milhões trabalham em part-time,mas desejam trabalhar em full-time; cerca de 260 milhões encontram-se em situação de desemprego; e todos os restantes adultos estão fora da força de trabalho”.
Um dos problemas é que, de acordo com a agência norte-americana, não basta contar com o número de desempregados oficiais (260 milhões). A este grupo devem juntar-se os trabalhadores em part-time que desejam trabalhar em full-time (ou seja, 400 milhões) e ainda metade dos adultos que trabalham por conta própria (ou seja, 500 milhões), pois a sua situação “é equivalente a desemprego”, o que perfaz um total de cerca de 1160 milhões de pessoas que se encontram verdadeiramente em situação de desemprego, ou seja, “33% da força de trabalho está realmente desempregada, e não 5,6% como a OIT revela”.
Afinal, um bom emprego não é suficiente
Para além de desmistificar e quantificar o emprego, o 2018 Global Great Jobs Briefing procura medir a qualidade do trabalho, analisando o nível de empenho/compromisso dos trabalhadores. Neste sentido, através de um conjunto de questões, a Gallup dividiu os trabalhadores em três categorias: os que se sentem comprometidos com o trabalho – e que, por esse motivo têm “empregos excelentes” e têm condições para dar o seu melhor; os que não se sentem comprometidos – tendo apenas “bons empregos”; e os que se sentem activamente descomprometidos – que é a pior categoria e representa aqueles que, independentemente do salário que auferem, não se identificam com aquilo que fazem ou com a empresa onde exercem funções.
No que respeita a “bons trabalhos” – que são aqueles em que as pessoas trabalham a tempo inteiro para um empregador –, as percentagens (cuja média é de 23%) variam bastante entre os países desenvolvidos e as economias em desenvolvimento.
Em termos regionais, é na América do Norte – cujos países que a compõem apresentam elevadas taxa de profissões que têm o conhecimento como base – que se concentra a maior percentagem de “bons trabalhos” (com 44%), e é na África Subsaariana (com apenas 12%) que estes são mais escassos. A Europa encontra-se em terceiro lugar – entre sete regiões apuradas – e apresenta 34% de boas profissões, depois dos países que constituíam a ex-URSS. Analisando os países, os Emirados Árabes Unidos lideram a tabela (com 69%), muito à custa dos imigrantes que vivem naquele país exclusivamente para trabalhar, seguindo-se o Barhein (com 59%) e sendo o terceiro lugar deste pódio composto pela Estónia e pela Rússia (ambas as nações com 49%). No pólo oposto, o Haiti, o Sudão do Sul e a República Central Africana são os países que, com apenas 5%, apresentam as percentagens mais baixas de adultos que têm um bom emprego.
Já os resultados relativos aos “excelentes trabalhos” – que são aqueles em que os cidadãos não só trabalham pelo menos 30 horas por semana como também se sentem comprometidos e empenhados com a tarefa que desempenham – não são tão animadores, sendo a média dos países apurados pela Gallup de apenas 4% (ou cerca de 214 milhões de adultos). Este tipo de profissões são muito difíceis de encontrar e, tal como acontece com os “bons empregos”, é na América do Norte que as mesmas são mais comuns (com 12%), sendo quase inexistentes na África Subsaariana (2%). A Europa encontra-se a meio da tabela, com 4%.
[quote_center]Embora o desemprego global tenha estabilizado, os déficits de trabalho digno continuam generalizados e a economia global ainda não está a criar empregos suficientes[/quote_center]
Analisando este critério por países, os Estados Unidos e a Rússia lideram a tabela (ambos com 13%), seguindo-se os Emirados Árabes Unidos (12%). No fundo deste ranking está o Sudão do Sul, que apresenta uma percentagem inferior a 1%, seguindo-se um conjunto de 12 países – entre os quais a Somália, o Paquistão, o Irão, o Burquina Faso, a Tanzânia e também Itália (que é a única nação europeia que pertence a este grupo) – com apenas 1% de excelentes profissões.
Entre os países europeus, a Noruega e a Suécia lideram a tabela das “excelentes profissões” (com 7%), seguindo-se a Croácia, Portugal, Malta, Montenegro, Chipre, Dinamarca e Eslovénia (todos eles com 6%). Espanha e França (ambas com 2%) ocupam o penúltimo lugar deste ranking, seguidas pela Itália, com 1%, como referido.Para além de se encontrar nos lugares cimeiros dos excelentes trabalhos, a nossa nação tem 33% de “boas profissões”, encontrando-se em oitavo lugar a nível europeu, tal como a Croácia, Malta, a Eslovénia, França e Inglaterra.
Tanto no que respeita a boas como a excelentes profissões, as questões de género foram apuradas no 2018 Global Great Jobs Briefing, o qual retirou algumas conclusões interessantes. Primeiramente, e tal como também revela a OIT, conclui-se que as mulheres são menos propensas do que os homens a participar no mercado de trabalho e, quando o fazem, tendem menos a trabalhar a tempo inteiro para um empregador. Todavia, quando trabalham a full-timee se sentem valorizadas no local de trabalho, afirmam ser mais comprometidas que os seus colegas masculinos e tendem mais a considerar que a sua vida é próspera.
Um bom exemplo que ilustra esta realidade é aquele que se verifica na América do Norte, em que 20% das mulheres e apenas 17% dos homens revelam ter excelentes trabalhos. Neste caso, esta diferença é o reflexo do tipo de profissões que cada um exerce, sendo que eles, ao contrário delas, desempenham mais tarefas no sector da produção e fabrico de produtos, as quais estão associadas a baixos níveis de empenho e compromisso.
No geral, as conclusões do documento apontam para uma realidade: “o mundo carece em larga escala do compromisso e empenho dos trabalhadores”. E, de acordo com a análise da Gallup, um trabalhador comprometido produz mais e melhor riqueza para a empresa (independentemente do sector, da dimensão da organização ou da nacionalidade) e melhora a economia. Para além de “estimularem a produtividade, a segurança e a retenção de talentos”, as excelentes profissões – que são conseguidas com boas chefias e com locais de trabalho onde os cidadãos se sentem confiantes e ouvidos – melhoram “o bem-estar e a qualidade de vida dos trabalhadores, das suas famílias e das comunidades”.
A diferença entre um bom e um excelente trabalho pode, à partida, ser quase irrelevante, mas a verdade é que “as pessoas com bons trabalhos tendem a classificar o presente e o futuro das suas vidas de um modo tão bom ou melhor que as pessoas que não têm uma boa profissão”, ao passo que aquelas que afirmam ter um excelente emprego “consideram as suas vidas boas o suficiente para afirmarem que se encontram num momento de prosperidade”.
E, se é verdade que o estudo da Gallup começou por afirmar que “o mundo quer um bom trabalho”, também é verdade que, através das suas diversas conclusões, depreende-se que um mero bom emprego pode não ser suficiente. Os cidadãos, as famílias, as organizações e a própria sociedade necessitam sim de pessoas felizes com a tarefa que desempenham e com o salário que auferem e, por isso, empenhadas e comprometidas com a sua profissão. É a partir daqui que a economia tem condições para prosperar e o mundo pode evoluir.
Jornalista