“Este é um momento crucial para a sociedade civil portuguesa se mobilizar, concretizar algumas propostas e apresentá-las ao País”. É com esta determinação que oito plataformas de organizações que representam o terceiro sector lançam o Fórum Nacional de Redes da Sociedade Civil, para enfrentar os desafios que se avizinham, face ao actual contexto económico e social e à futura agenda de desenvolvimento pós-2015. Com um papel cada vez mais relevante na resolução dos problemas locais e globais, as ONG são hoje “um braço activo de Portugal no mundo” “Os desafios da sociedade civil portuguesa face ao actual contexto económico e social e a futura agenda de desenvolvimento pós-2015” foi o tema da primeira edição do Fórum Nacional de Redes da Sociedade Civil (FNRSC), realizado a 20 e 21 de Fevereiro no ISCTE- Instituto Universitário de Lisboa. O evento marca o arranque de uma iniciativa promovida pelo Centro Regional de Informação das Nações Unidas (UNRIC) e por oito redes de organizações e associações que representam o terceiro sector económico e social português [Animar – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local; Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade (CNIS); Confederação Portuguesa de Associações de Defesa do Ambiente (CPADA); Conselho Nacional de Juventude (CNJ); Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES); Plataforma Portuguesa dos Direitos das Mulheres (PpDM); Plataforma Portuguesa das ONGD e Minha Terra – Federação Portuguesa das Associações de Desenvolvimento Local]. O objectivo é reflectir sobre o papel das organizações da sociedade civil (OSC) portuguesa no contexto da crise económica e social, fomentando o diálogo e a criação de pontes, a partir e diferentes visões e abordagens, entre vários quadrantes do terceiro sector, com vista a “suscitar propostas capazes de responder aos problemas que o país e o mundo enfrentam”. Para encontrar soluções para os desafios globais e locais, este primeiro Fórum Nacional de Redes da Sociedade Civil apresentou já uma Declaração de Compromisso que envolve mais de 350 organizações representadas pelas redes que integram a sua Comissão Organizadora. O documento evidencia o papel das organizações da sociedade civil portuguesa, e o contributo que podem (e devem) na procura de soluções para os problemas que o país enfrenta.
Terceiro sector mantém uma rede social mínima Admitindo que, para além de ser pouco conhecido do público em geral, o terceiro sector é segmentado e fragmentado – entre ONG, IPSS, Associações de desenvolvimento local, cooperativas, etc. –, parece estar pouco presente nas plataformas internacionais e não interage muito com organizações internacionais, este Fórum sublinha, contudo, o contributo que este sector vem dando, reconhecendo que as organizações da sociedade civil têm tido “um papel importantíssimo na manutenção de uma rede social mínima e na criação de um espaço de diálogo para a procura de soluções”. Os representantes das várias entidades que integram a iniciativa defendem, pois, que este é um momento crucial para a sociedade civil portuguesa se mobilizar, concretizar algumas propostas e apresentá-las ao País.
Precisamente para reflectir sobre o papel da sociedade civil portuguesa, um dos momentos altos do evento no ISCTE foi, no primeiro dia, a sessão plenária que trouxe a Lisboa o representante Regional para a Europa do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Jan Jařab, num painel cujo keynote speaker foi o ex-presidente da República Jorge Sampaio. Para o também anterior Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações, no actual contexto “é essencial a existência de plataformas de organizações da sociedade civil para a criação de sinergias”. Discursando sob a temática “Sociedade civil portuguesa: Introspecção e debate sobre uma visão de futuro”, Jorge Sampaio defendeu que “as ONG, em particular as de desenvolvimento, podem ser um braço activo de Portugal no mundo, um elemento importante na política externa”. Entre outros oradores, Catarina Albuquerque, relatora Especial das Nações Unidas para o Direito à Água e Saneamento e Ana Gomes, deputada ao Parlamento Europeu (Subcomissão de Direitos Humanos), deram voz à sessão plenária centrada na agenda para o desenvolvimento sustentável. No painel que discutiu os desafios para o futuro a nível da agenda nacional, europeia e global para um modelo de desenvolvimento sustentável e inclusivo, a keynote speaker, Catarina Albuquerque, recordou que “temos uma oportunidade histórica de influenciar a Agenda de Desenvolvimento para os próximos 15 anos”. O evento de dois dias deu ainda lugar a seis sessões paralelas temáticas: “Participação e Cidadania”; “Desenvolvimento Territorial: Territórios e os seus Actores”; “Modelos de Governança das Organizações”; “Universalidade dos Direitos Humanos: Realidade ou Retórica?”; “Ambiente”; e “Intervenção e Solidariedade Social”. O VER apresenta, em primeira mão, um resumo das conclusões destas sessões, divulgadas pela Comissão Organizadora do Fórum Nacional de Redes da Sociedade Civil:
PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL, TERRITÓRIOS E OS SEUS ACTORES A reflexão afirmou a importância do Desenvolvimento Local de Base Territorial (DLBC), modelo que se inspira na reconhecida experiência da Abordagem LEADER, como a ferramenta proposta no âmbito dos Fundos Estruturais Europeus de Investimento mais adequada para que os Grupos de Acção Local (GAL) possam promover uma intervenção que corresponda às necessidades das populações, e que se inscreva como alicerce da coesão territorial. Erguer uma estratégia de intervenção integrada, evitando a necessidade de definir a estratégia de desenvolvimento local a retalho, projecto a projecto (o que dificulta a sustentação dos mesmos e exige uma articulação complexa), foi outro desafio proposto nesta sessão temática, que debateu ainda as vantagens da criação de redes de distribuição com preços justos e sem intermediários – as quais podem funcionar como elemento estruturante de uma estratégia de desenvolvimento local, envolvendo vários segmentos da população, e promover valores ambientais e de justiça económica. Espaço ainda para reclamar o direito das populações ao desenvolvimento e o direito da sociedade civil ao reconhecimento pelo trabalho que tem sido feito nos territórios e face ao qual, se identificam sinais de alguma abertura, por parte do poder político, concluiu-se. MODELOS DE GOVERNAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES Em destaque estiveram temas como: a necessidade de uma nova identidade para as ONG entendendo-se o Não (de Não Governamental) como uma posição de auto-exclusão e de afirmação pela negativa, conceito que deveria ser reflectido; a natureza não lucrativa das ONG entendida culturalmente como a impossibilidade de gerar lucro (o lucro Social deve ser entendido como uma necessidade e valorizado como forma das organizações contribuírem para a sustentabilidade dos projectos que desenvolvem); o financiamento das ONG e a sua independência; a manipulação política ligada à dependência financeira das ONG; a necessidade de uma cultura de transparência e visibilidade do modelo de governação (por exemplo, ao nível da tomada de decisões); o papel das ONG no advocacy/pressão ou lobby político; e a necessidade de promover uma educação que promova o voluntariado. UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS – REALIDADE OU RETÓRICA Os temas centrais abordados foram o conceito de universalidade dos Direitos Humanos; a dignidade da pessoa humana; o papel da educação na promoção dos Direitos Humanos e enquanto eixo central para a mudança; a sociedade civil enquanto actor responsável na sociedade; e a necessidade de a sociedade civil construir princípios e regras, e investir na transparência e na boa governação. AMBIENTE: RECURSOS NATURAIS, SOBERANIA ALIMENTAR E PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL O painel abordou questões tão essenciais como a biodiversidade, a soberania alimentar, o desperdício e a dependência energética. Da sessão, sobressaiu a necessidade de um maior contacto de proximidade entre as pessoas e entre o meio urbano e o rural, como critério e parte da solução da sustentabilidade do planeta. INTERVENÇÃO E SOLIDARIEDADE SOCIAL Organizado pela ANIMAR – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local, com as participações da CASES e da CNIS, o debate centrou-se na necessária mudança de paradigma focalizada no desenvolvimento sustentável, numa dimensão humana e ética, numa época em que vivemos uma crise de valores, uma crise económica, uma crise ambiental e uma crise social. É preciso consolidar boas práticas económicas que assentem em valores humanos, que preservem e contribuam para o equilíbrio dos ecossistemas, e que por outro lado, respondam aos problemas sociais através da criação de emprego e fonte de rendimento, concluiu-se. Por outro lado, o movimento associativo, que nasceu nas cidades como uma forma de auto-organização das comunidades, tem um papel fundamental na emergência de respostas sociais alternativas, pois são os atores locais quem melhor poderá estabelecer parcerias e redes de suporte. O potencial do sector da Economia Social, nomeadamente por via da criação da Lei de Bases da Economia Social e da criação de um órgão de consulta do Governo – o CNES (Conselho Nacional para a Economia Social), esteve também em debate, numa sessão onde foi ainda enfatizada a importância da existência de um Estado Social e de um Estado Providência, num País onde não existe Estado Social, mas antes uma especificidade que não se verifica na Europa, e que são as empresas sociais, as quais desempenham a função do Estado Social.
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Jornalista