POR MÁRIA POMBO
Desde o Tratado de Roma, assinado em 1957, que a igualdade de género é encarada, na União Europeia, como um dos seus valores fundamentais. A primeira preocupação (que está ainda hoje longe de ser conseguida) foi igualar os salários entre homens e mulheres, já que trabalho igual merece a mesma remuneração. Complementarmente, tem sido combatida a violência e a discriminação, quer em termos de relações pessoais, quer no que respeita ao mercado de trabalho.
De acordo com um comunicado recente da Comissão Europeia (CE), “nunca como em 2017 houve tantas mulheres a trabalhar, a concluir cursos universitários e activas na política ou a desempenhar cargos cimeiros em empresas europeias”. E neste mesmo organismo as mulheres “representam 55% do efectivo total”. Parece que, afinal, promover a igualdade de género é importante para a economia, para o mercado de trabalho e para o aumento dos lucros das empresas.
Contudo, e embora reconheçamos que a União Europeia tem alguns bons exemplos para apresentar, sabemos que, por mais vozes que se elevem e por mais esforços que sejam feitos, alcançar a igualdade de género, no trabalho como na vida, tem sido uma espécie de “luta perdida”. Os ataques contra as mulheres são constantes e “estão a aumentar”, a discriminação é visível e as diferenças entre estas e os homens são acentuadas – vejamos a quantidade de mulheres que não são admitidas em novos empregos só por estarem em idade fértil e “correrem o risco” de engravidar, ou pensemos naquelas a quem é imposta a obrigação de servir os maridos e viver à sua mercê, em pleno século XXI.
Apesar de nos sentirmos forçados a acreditar que a paridade de género vai mesmo e em breve, ser alcançada, a verdade é que a realidade à nossa volta nos dá inúmeros motivos para sentirmos desânimo e incredulidade. Têm as mesmas capacidades, as mesmas habilitações e um semelhante nível de inteligência, mas são as principais vítimas de ataques terroristas e aquelas que se encontram em maior vulnerabilidade quando falamos de temas como acesso a oportunidades de trabalho, acesso a cuidados de saúde, alterações climáticas e migrações forçadas, só por serem mulheres.
[quote_center]Globalmente, as mulheres representam 40% da força de trabalho[/quote_center]
Sem dúvida que é positivo o facto de, em 2016, a taxa de emprego das mulheres ter atingido os 65,5%, na União Europeia. Contudo, percebemos que esta percentagem é insuficiente quando a comparamos com a que foi conseguida, nesta matéria, pelos seus congéneres homens (que é de 77%), e quando avaliamos a diferença salarial que continua a persistir, principalmente nos cargos de liderança, ou a reduzida percentagem de mulheres que podem considerar-se CEO das organizações onde trabalham. A solução? Continuar a lutar para que esta situação se inverta, promovendo a segurança das mulheres e demonstrando que o “sexo fraco” tem as mesmas capacidades e os mesmos direitos que aquele que se diz ser o “sexo forte”.
É este o esforço que a Comissão Europeia tem vindo a fazer, não só no Velho Continente como em outros territórios, especialmente nas zonas mais problemáticas e junto das populações mais vulneráveis. Conseguir alcançar as metas propostas nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), nomeadamente as que estão relacionadas com este tema, é um imperativo para a CE, para que um dia seja alcançada a tão almejada igualdade de direitos entre os homens e as mulheres de todo o mundo.
Dignidade, integridade, paz e segurança
Entre as acções que têm vindo a ser postas em prática e aquelas que estão planeadas, encontra-se o Compromisso Estratégico para a Igualdade de Género (CEIG) 2016-2019. Esta é uma das principais apostas da Comissão Europeia para combater a desigualdade de género, e foca-se em domínios como o trabalho, o salário, a tomada de decisões e a violência.
Igual independência económica para homens e mulheres e igual pagamento para trabalho com o mesmo valor; igualdade em termos de tomada de decisões; dignidade, integridade e fim da violência com base no género; e ainda promoção da igualdade de género em todo o mundo. Estas são as principais áreas de actuação do Compromisso Estratégico da União Europeia, as quais foram identificadas em 2010. Apesar de alguns progressos serem visíveis, o facto de estas áreas permanecerem inalteradas revela que é necessário dedicar-lhes mais tempo e mais recursos.
É urgente passar da teoria à prática e reunir esforços para que todos – homens e mulheres – percebam, de uma vez por todas, que a igualdade de género não é um movimento feminista mas sim uma questão de direitos humanos, e que consegui-la significa também dar um enorme passo no que respeita ao desenvolvimento económico, a nível mundial. O CEIG representa isso mesmo: uma forma de passar da teoria à prática nas áreas acima referidas.
Aumentar a participação feminina no mercado de trabalho e alcançar a igualdade em termos de independência económica é a primeira área de actuação da Comissão Europeia. Esta estratégia está relacionada com a percentagem de mulheres que estão empregadas, mas também prevê o equilíbrio, entre homens e mulheres, no que respeita a responsabilidades familiares. Complementarmente, o empreendedorismo no feminino, a igualdade de género na investigação e a integração de mulheres migrantes no mercado de trabalho são factores igualmente relevantes para este domínio.
[quote_center]Quase 90% dos países têm pelo menos uma restrição legal com base no género[/quote_center]
Para concretizar esta meta, a Comissão Europeia aposta numa forte política de promoção do equilíbrio entre a vida laboral e a familiar, principalmente por parte de trabalhadores que têm filhos ou outras pessoas ao seu cuidado (como idosos, por exemplo). O incentivo à flexibilidade e o igual uso de licenças de parentalidade são algumas das medidas que têm vindo a ser implementadas e que podem ser importantes em matéria de igualdade de género, já que a mulher deixa de ter prioridade em termos de assistência à família. Esta estratégia é igualmente relevante para famílias monoparentais, já que o teletrabalho é uma ferramenta bastante útil quando falamos de apoio a familiares, em caso de doença, permitindo que o cuidador continue a trabalhar e não seja obrigado a deixar de exercer funções, temporariamente.
Para além destas medidas, a Comissão apostou, ainda em 2016, na criação de uma plataforma de mulheres empreendedoras e de outras ferramentas, como a “European Network of Women Business Angels” ou a “Network of Women’s Web Entrepreneurs Hubs”, com o objectivo de aumentar a percentagem de mulheres que acreditam nas suas próprias potencialidades e que têm coragem para criar o seu próprio negócio. Este organismo tem vindo a apostar também na promoção do emprego de mulheres migrantes, dando-lhes uma oportunidade através da eliminação de barreiras a este nível, junto dos seus Estados-membros.
Igualdade nos salários, nas pensões, na riqueza e na pobreza
A redução das disparidades de género em termos de pagamentos, salários e pensões, e a luta contra a pobreza da população feminina são as principais áreas sobre as quais se debruça o segundo tema do CEIG. Este é um dos aspectos que têm merecido uma maior atenção, já que não existe motivo nenhum “científico” que justifique tamanha diferença e consequente discriminação.
Reduzir as disparidades salariais implica aumentar os ordenados das colaboradoras, e “obrigar” as empresas a fazê-lo não tem sido uma tarefa fácil. Tal como a medida anterior, as maiores barreiras são enfrentadas por mães solteiras e por mulheres migrantes, as quais necessitam de uma protecção suplementar que as ajude a enfrentar todas as portas que se fecham. Em termos de acesso a suporte financeiro, as mulheres seniores são igualmente um grupo vulnerável, correndo altos riscos de viver na precariedade devido às suas reduzidas pensões.
Para inverter esta situação e diminuir as diferenças, a Comissão Europeia aposta na transparência das empresas em termos de pagamentos de ordenados, proibindo as discriminações e facilitando o acesso à justiça por parte das vítimas desta realidade. Para conseguir alcançar esta meta, a Comissão aposta também no apoio às empresas, melhorando assim o equilíbrio em termos de pagamentos, em todos os sectores de actividade. Adicionalmente, existe uma forte aposta no desenvolvimento de um vasto conjunto de medidas que, em conjunto com cada Estado-membro da UE, pretendem monitorizar e mitigar a desigualdade de género.
Um outro ponto importante desta segunda estratégia está relacionado com a promoção da igualdade de género em todos os níveis de educação e formação, de forma a acabar com os estereótipos de que determinadas profissões são mais de homens ou mais de mulheres. A ideia prende-se com a procura constante e/ou criação de medidas e instrumentos que melhorem a aprendizagem e permitam aos alunos fazer as escolhas mais informadas, quando decidem em que área pretendem trabalhar. Estas medidas estão presentes na estratégia europeia denominada Educação e Formação 2020.
A promoção da igualdade em termos de tomada de decisões é outra estratégia da Comissão Europeia. A ideia é pôr fim à sobre-representação masculina nos órgãos de chefia, alcançando assim o equilíbrio nos mais elevados cargos das empresas. As organizações que são especializadas em investigação, a política e o desporto são os principais alvos desta terceira área de actuação, e é junto destes que a Comissão tem trabalhado mais, encorajando, por exemplo, os Estados-membros a promoverem a igualdade de género, implementando também diversas metas quantitativas que permitem analisar até que ponto a paridade está a ser alcançada.
Por todas as mulheres de todos os cantos do mundo
Para além de todas as estratégias acima apresentadas e que estão mais relacionadas com a economia e o mercado laboral, não nos podemos esquecer de que promover a igualdade de género é uma questão de direitos humanos. Por esse motivo, a quarta estratégia apresentada no CEIG está relacionada com o combate à violência que tem por base o género, e com a protecção e apoio às suas vítimas.
Para a Comissão, proteger as vítimas será sempre uma prioridade, e para que a violência seja erradicada é necessário contar com o esforço de todos os intervenientes, nomeadamente dos Estados-membros da UE, os quais são fundamentais na criação de infra-estruturas de apoio às vítimas e na mudança de mentalidades dos ‘seus’ cidadãos.
Em termos de acções-chave, a ideia é continuar a cumprir o que está disposto na Convenção de Istambul sobre a prevenção da violência doméstica, um crime que faz, anualmente, um grande número de vítimas femininas. E é por existir um elevado número de vítimas de violência a vários níveis que a Comissão considera necessária a criação de estatísticas e outros materiais que permitam avaliar, fidedignamente, esta realidade, contando para isso com o apoio do Eurostat.
[quote_center]Na Europa, só duas em cada 10 posições seniores das empresas são detidas por mulheres[/quote_center]
Continuar a criar e a promover leis de protecção às mulheres, como a Directiva dos Direitos das Vítimas, com o objectivo de promover o acesso a protecção, é outra das iniciativas em andamento. Eliminar, de uma vez por todas e a nível mundial, a mutilação genital feminina é outra meta, estando a ser desenvolvida por especialistas uma plataforma dedicada a este tema com o objectivo de mudar comportamentos e proteger as vítimas.
Para além de ser importante promover a igualdade de género e o empowerment das mulheres no território europeu, a Comissão considera que é fundamental apostar nas boas relações externas para que a igualdade chegue a todo o mundo, promovendo-se também, desta forma, a paz e a segurança e prevenindo-se o extremismo e o radicalismo. Esta meta está intimamente ligada ao quinto Objectivo de Desenvolvimento Sustentável, segundo o qual se pretende acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e raparigas, em toda a parte. Neste ponto, é dada uma especial atenção às mulheres e raparigas que são excluídas da educação, do acesso aos cuidados de saúde, da vida política e da plena utilização dos seus direitos de cidadania, e que vivem sob o domínio de leis machistas e discriminatórias.
Para conseguir alcançar este objectivo, a Comissão conta com o apoio da European External Action Service (EEAS) e dos Estados-membros da UE para a implementação e monitorização dos ODS até 2030 e consequente promoção dos direitos das mulheres, quer na esfera pública, quer na privada, dando-lhes precisamente os mesmos direitos que são dados aos homens.
[quote_center]Nos países da OCDE, é de 16% a diferença salarial entre homens e mulheres[/quote_center]
Na semana em que se celebra a igualdade e se recorda ao mundo a importância da população feminina, a Comissão Europeia revela-se tão empenhada como há 60 anos em promover a segurança e a justiça, garantindo, assim, que os esforços continuam a ser feitos para que, em qualquer parte do planeta, o mal apelidado sexo fraco tenha a possibilidade de “realizar plenamente o seu potencial”.
E se é verdade que, actualmente, muitas mulheres já têm acesso a um conjunto de direitos que há poucas décadas pareciam inatingíveis – pensemos no direito ao voto, por exemplo – também não é mentira que todas essas “regalias” são insuficientes e que a plena igualdade está assustadoramente longe de ser alcançada. O Compromisso Estratégico para a Igualdade de Género dá a possibilidade de pôr em prática muitas das questões que estão, há demasiado tempo, confinadas à teoria.
Fonte dos destaques: FMI
Jornalista