O Papa Francisco, que já nos habituou a várias surpresas ao longo dos seus 10 anos de papado, surpreendeu o mundo novamente ao escrever uma exortação apostólica sobre a crise climática. O tópico do clima já tinha sido discutido na Laudato Si’ e por isso é, de alguma forma curioso, que Francisco, já tendo dito tanto sobre este tema, nos volte a provocar com as suas palavras. Uso de propósito o verbo provocar pois penso que quer o tom quer a mensagem estão escritas a partir de uma provocação que pretende convocar para a acção quem lê estas palavras
POR RICARDO ZÓZIMO

O Papa pretende respostas e não apenas considerações ou discussões. Para Francisco, existe consenso sobre a necessidade de uma ação climática que regenere o planeta, sendo que a Laudate Deum vem sobretudo exigir que se passem das palavras às acções.

Parto agora para o foco do meu texto: o papel das organizações económicas no desenvolvimento desta resposta. Neste texto, o Papa usa a palavra economia/sistemas económicos/empresas em 10 pontos e vou focar-me nas questões centrais desta mensagem.

A primeira referência a questões económicas vem no ponto 13, onde Francisco, de uma forma absolutamente explicita, atribui as alterações climáticas à acção humana pessoal e organizacional. Esta é uma mensagem forte para dentro e fora da Igreja, mas sobretudo uma mensagem responsabilizadora. Francisco questiona aqui a temporalidade dos sistemas económicos que se focam mais no curto prazo. A consequência é, obviamente, um abusivo uso de recursos naturais que impede a regeneração ou reparação dos mesmos. Apesar de forte, penso que esta ideia apresenta um facto conhecido sem grande novidade. Algo que já tem vindo a ser repetido por Francisco em outros contextos (na Laudato Si’ ou em comunicações ligadas com a Economia de Francisco por exemplo).

A maior parte das menções económicas acontece no segundo capítulo dedicado ao paradigma tecnológico e centralidade da pessoa humana na relação com a tecnologia. Aqui Francisco apresenta uma das grades novidades desta exortação questionando a natureza da tecnologia e as possibilidades de transformação humana que esta oferece. Naquele estilo acutilante que o caracteriza, Francisco reitera que o poder da tecnologia permite grandes possibilidades, mas que sem ética e morais adequados, a tecnologia pode deixar de servir o homem e passar a usar (e quiçá abusar) o ser humano. Aqui o Papa oferece vários exemplos de como a tecnologia, ao invés de resolver problemas societais contribui para a divisão e destruição de relações e ecossistemas humanos. Este é um capítulo duro onde Francisco vai para além da ideia da centralidade da tecnologia na nossa vida, questionando o papel do ser humano como controlador e, na maior parte das vezes, actor controlado pela tecnologia.

Porventura a ideia mais interessante para as organizações é a chamada de atenção para as questões éticas. Através de exemplos concretos, Francisco critica a artificialidade com que soluções são desenhadas e mal implementadas (p.29), a forma como organizações transferem problemas graves para outras partes do globo (exemplo do lixo nuclear no p. 30), e a mentalidade económica de curto prazo onde o foco é o máximo ganho a qualquer custo (p. 31). Neste capítulo, o Papa Francisco toca também num ponto de meritocracia (p.32) comentando que a falta de ética e moral podem levar à criação de um sistema perverso que parece justo. De tão importante que é este ponto, merecia, a meu ver, uma parte do texto mais significativa.

A dimensão económica é também referida em relação às conferencias do ambiente (tipicamente denominadas COP). Aqui o Papa expressa sem reserva a sua frustração com o avanço lento dos acordos internacionais para o problema climático.  Especialmente acutilante é o ponto 58 onde Francisco contrapõe as ideias românticas e verdes com os poderes económicos. Utilizando o adjectivo ridicularizar, Francisco critica a forma como alguns actores se dirigem aos outros. Aqui o Papa não tem dúvidas, convocando todos para trabalhar para a mesma missão sem olhar para o que nos distancia, mas focando no que nos une.

Como noutras comunicações desta natureza o Papa fecha o texto voltando ao ponto de partida espiritual da relação com a causa comum. O p. 65 é particularmente fascinante. O Papa refere “O mundo canta um Amor infinito; como não cuidar dele?” Para mim e para cada um de vós que trabalha em empresas as pergunta que derivam desta frase deverão ser: como estamos a cuidar com o tempo e espaço que nos foi dado? Como serve a tecnologia que uso para cuidar de outros ou da casa comum? Que ética e princípios morais estão na base da minha/nossa forma de cuidar? E por último, como trabalhar em rede e em diálogo para que possa cuidar mais e melhor?

Para mim são estas as perguntas que a Laudate Deum me deixa e que me vão fazer encontrar respostas nos próximos meses.

Professor Universitário de Empreendedorismo e Sustentabilidade na Nova SBE