A Finlândia é, pela sétima vez consecutiva, o país mais feliz do mundo, de acordo com o World Happiness Report relativo a 2024, o qual classifica a felicidade global com base em seis factores – apoio social, rendimento, saúde, liberdade, generosidade e ausência de corrupção – numa análise feita através de uma parceria entre diversas entidades, incluindo a Sustainable Development Solutions Network, a Gallup e o Oxford Wellbeing Research Centre. O relatório deste ano não só classificou a felicidade de acordo com as diferentes faixas etárias, com alguns dados preocupantes sobretudo para crianças e jovens, como dedica um capítulo exclusivo à explosão das demências numa população cada vez mais envelhecida. Portugal posiciona-se no 55º lugar entre 143 países analisados
POR HELENA OLIVEIRA

“Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade”

Carlos Drummond de Andrade

O top 10 do Relatório Mundial da Felicidade não se alterou significativamente face aos últimos anos, com a Dinamarca, a Islândia, a Suécia, os Países Baixos, a Noruega, o Luxemburgo, a Suíça e a Austrália a perfazerem o ranking dos países mais felizes, e com apenas uma surpresa: o facto de Israel ocupar o 5º lugar, apesar do conflito sangrento com o Hamas em que está envolvido. Contudo, os responsáveis do relatório explicam que as classificações para o mesmo baseiam-se numa média de três anos, o que pode distorcer os números. (Israel tem constado entre os 10 primeiros no relatório de felicidade desde 2022). “No caso de eventos cataclísmicos que ocorram durante um determinado ano, o seu efeito nas classificações dependerá de quando a pesquisa foi realizada e da média dos últimos três anos”, escreveram os autores do relatório. “No caso do ataque de 7 de Outubro a Israel e da posterior guerra com o Hamas, a pesquisa na Palestina ocorreu no início do ano e a pesquisa em Israel após a tomada de reféns, mas antes de grande parte da guerra subsequente”, acrescentam ainda. No relatório, o Estado da Palestina posiciona-se em 103º lugar.

Portugal ocupa a posição 55 em 143 países, com o Afeganistão a manter-se como o país mais infeliz do mundo, seguido de perto pelo Líbano, o Lesoto, a Serra Leoa e o Congo. O relatório analisou igualmente os lugares mais ou menos felizes de acordo com as faixas etárias, com destaque para a Lituânia como o vencedor para pessoas menores de 30 anos e a Dinamarca para os maiores de 60 anos. Um dado curioso, e preocupante, do relatório diz respeito ao facto de a população mais velha ser agora muito mais feliz do que a população mais jovem em países como a Noruega, a Suécia, a Alemanha, a França, o Reino Unido e a Espanha, acontecendo o oposto em Portugal e na Grécia onde os jovens residentes são mais felizes do que os seniores.

Uma outra realidade preocupante está relacionada com os dados que demonstram que, no geral, as crianças estão a tornar-se menos felizes. “Reunindo os dados disponíveis sobre o bem-estar de crianças e adolescentes em todo o mundo, documentámos quedas desconcertantes, especialmente na América do Norte e na Europa Ocidental. Pensar que, em algumas partes do mundo, as crianças já estão a passar pelo equivalente a uma crise de meia-idade exige uma acção política imediata”, afirmou, em comunicado, Jan-Emmanuel De Neve, director do Centro de Investigação do Bem-Estar de Oxford, professor de Economia e Ciências Comportamentais na Saïd. Business School e editor do Relatório Mundial de Felicidade.

A solidão foi outra grande tendência observada no relatório. “Existe uma preocupação generalizada, especialmente nos Estados Unidos, sobre uma epidemia emergente de solidão e sobre as suas consequências para a saúde física e mental”, escreveram também os autores do relatório. Embora curiosamente e no caso específico dos Estados Unidos, não serem os residentes mais velhos que experimentavam a solidão: “A solidão na América do Norte é quase duas vezes maior entre os Millennials do que entre aqueles nascidos antes de 1965”, declararam também.

Felicidade e idade

Como acima enunciado, na edição de este ano, o relatório em causa procurou situar a felicidade nas diferentes fases da vida. E. geralmente, são os últimos estágios da vida humana que são retratados e sentidos como os mais deprimentes. Todavia, a investigação sobre a felicidade mostra um quadro mais matizado e que está a mudar ao longo do tempo.

No Ocidente, a sabedoria generalizada era a de que os jovens são os mais felizes e que a felicidade depois disso declina até à meia-idade, seguida de uma recuperação substancial. Mas desde 2006-2010, como demonstram os vários relatórios, a felicidade entre os jovens (15-24 anos) caiu drasticamente na América do Norte, o mesmo acontecendo, apesar de uma forma menos acentuada, na Europa Ocidental.

Globalmente, a nível mundial, os jovens entre os 15 e os 24 anos experimentaram uma melhoria na satisfação com a vida entre 2006 e 2019, mantendo-se esta estável desde então. Mas o quadro variou por região. O bem-estar dos jovens caiu na América do Norte, Europa Ocidental, Médio Oriente e Norte de África e Sul da Ásia, aumentando contudo no resto do mundo.

No que diz respeito às idades mais jovens (10-15), as evidências são limitadas. Nos países de rendimento elevado, a satisfação com a vida diminuiu desde 2019, especialmente para as raparigas. Nos países da Ásia Oriental, a satisfação com a vida aumentou em 2019. Antes de 2019, os dados sobre as tendências são contraditórios.

As raparigas relataram uma menor satisfação com a vida do que os rapazes por volta dos 12 anos de idade. Esta disparidade aumenta aos 13 e 15 anos e a pandemia ampliou a diferença. Todas estas observações aplicam-se apenas aos países de rendimento elevado, uma vez que os dados sobre estas idades jovens raramente são recolhidos noutros locais. Para as idades entre os 15 e os 24 anos, os dados globais não mostram diferenças globais de género entre 2006 e 2013. Mas a partir de 2014, as mulheres começaram a reportar menor satisfação com a vida do que os homens, embora a diferença tenha diminuído após a pandemia. Esta disparidade global de género mascara diferenças regionais e é mais pronunciada nos países de rendimento mais baixo. Não existem diferenças de género nos países de rendimento elevado.

Em contrapartida, a felicidade em todas as idades aumentou acentuadamente na Europa Central e Oriental, de modo que os jovens são agora igualmente felizes em ambas as partes da Europa. Também na antiga União Soviética e na Ásia Oriental houve grandes aumentos na felicidade em todas as idades, enquanto no Sul da Ásia, no Médio Oriente e no Norte de África a felicidade diminuiu em todas as faixas etárias.

Esta realidade explica por que motivo a classificação dos países em termos de felicidade é muito diferente para os jovens e para os idosos. Tal como entre gerações, depois de ter em conta a idade e as circunstâncias de vida, os nascidos antes de 1965 têm avaliações de vida cerca de um quarto de ponto mais elevadas do que os nascidos depois de 1980.

É, contudo, importante saber até que ponto estas alterações reflectem mudanças geracionais que se espera que persistam à medida que cada geração envelhece, algo que é discutido no 2º capítulo do relatório em causa, mas e a nível global, como sublinhado acima, os dados parecem convergir para o facto de aqueles que nasceram a partir de 1980 apresentarem níveis mais baixos de felicidade.

Os autores alertam também não só para o nível de felicidade, mas também para a sua dispersão. Desde 2006-2010, a desigualdade em termos de felicidade aumentou em todas as regiões, excepto na Europa, uma outra tendência considerada preocupante.

A posição dos jovens é discutida em maior detalhe no Capítulo 3. Este baseia-se numa vasta gama de fontes de dados e também inclui informações relevantes para jovens com idades compreendidas entre os 10 e os 15 anos. O resto do relatório centra-se nos mais idosos. Como salienta o Capítulo 4, a maior praga na velhice é a demência. Felizmente, pesquisas novas e crescentes demonstram que um maior bem-estar é um factor de protecção contra demência futura. Além disso, existem estratégias ambientais e comportamentais significativas que melhoram a vida das pessoas que vivem com demência. O problema é que estas estratégias apenas funcionam num pequeno número de países, em particular nos países nórdicos.

Emoções e interacções sociais

No que respeita às emoções negativas, também elas são agora mais frequentes do que no período entre 2006 e 2010 e em todo o lado, com excepção para a Europa Central e Oriental.

Na verdade, nestas duas regiões, as emoções negativas são agora menos frequentes em todas as faixas etárias do que eram em 2006-2010. Em 2021-2023, as emoções negativas foram, em todas as regiões, mais notórias nas mulheres do que nos homens. E em quase todo o lado, a disparidade entre géneros assume maior relevância nas idades mais avançadas.

Por seu turno e em todas as regiões, a frequência das emoções positivas mudou desde 2006-2010 na mesma direcção do que as avaliações de vida. Mas os padrões de idade são diferentes. A frequência de emoções positivas em todas as regiões é mais elevada para aqueles com menos de 30 anos (Portugal encontra-se na 46ª posição), diminuindo depois de forma constante com o passar dos anos em todas as regiões, com a América do Norte a assumir-se como a região onde as emoções positivas são menos frequentes para aqueles que se situam nos grupos de meia idade.

Já no que respeita à benevolência, a crise da COVID levou a um aumento global na proporção de pessoas que ajuda(ra)m outras pessoas necessitadas. Este aumento tem sido significativo para todas as gerações, mas especialmente para aqueles nascidos desde 1980, que têm ainda mais probabilidades do que as gerações anteriores de dar apoio aos que mais precisam.

O relatório avaliou igualmente os níveis de apoio social, a solidão e as interacções sociais. Em quase todas as regiões do mundo, os sentimentos de apoio social medidos de forma comparável são duas vezes mais prevalecentes do que a solidão. Tanto o apoio social como a solidão afectam a felicidade, tendo o apoio social geralmente um efeito mais significativo. As interações sociais de todos os tipos também contribuem para a felicidade, para além dos seus efeitos fluírem através do aumento do apoio social e da redução da solidão.

Envelhecimento e demência

Até 2050, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a população global de pessoas com 65 anos ou mais duplicará. À medida que a população global de idosos continua a aumentar, espera-se também que o número de pessoas que vivem com demência cresça, atingindo aproximadamente 139 milhões de casos até o ano 2050.

Como sabemos, a demência é uma síndrome clínica relacionada com o envelhecimento que resulta numa perda progressiva ou persistente de memória e capacidade de raciocínio, o que por sua vez pode ter impactos negativos na saúde física, afectando muito negativamente o bem-estar e qualidade de vida dos doentes.

De acordo com o relatório e dado que actualmente não existe cura para a demência e que os tratamentos biomédicos permanecem limitados, é vital avaliar e implementar estratégias não farmacológicas de prevenção da demência. Um conjunto crescente de evidências sugere que o bem-estar pode ser um alvo promissor para os esforços de prevenção da demência, dadas as suas associações com uma melhor saúde cognitiva e menor risco de demência. No entanto, a ciência da prevenção da demência ainda está muito longe de saber acautelar os ainda muitos mistérios destas doenças do cérebro. Assim, é também crucial avaliar e implementar estratégias para apoiar o bem-estar das pessoas que vivem com demência, bem como o dos seus cuidadores.

De acordo com o relatório, e para os indivíduos com cognição saudável, a investigação sugere que um maior bem-estar pode “apoiar” a memória e as capacidades de pensamento e reduzir o risco de demência posterior. Mesmo que a neuropatologia relacionada à demência se venha a manifestar, enquanto os indivíduos permanecem pré-sintomáticos as evidências sugerem que o bem-estar protege a memória e as habilidades de pensamento da neuropatologia acumulada.

Nas fases iniciais do comprometimento cognitivo (por exemplo, no denominado comprometimento cognitivo leve – CCL), as intervenções de bem-estar aparentam ser uma estratégia promissora para retardar o declínio na memória e nas capacidades de pensamento. Finalmente, actividades e ambientes que melhoram o bem-estar são cruciais para apoiar a qualidade de vida das pessoas que vivem com demência, bem como as dos seus cuidadores.

De acordo com o Relatório Mundial da Felicidade, mais de uma década de pesquisas demonstram que pessoas com maior bem-estar têm menos probabilidade de desenvolver demência. Estes estudos definiram o bem-estar de várias maneiras diferentes, incluindo experiências emocionais positivas, avaliações cognitivas da satisfação com a vida e a sensação de que a vida tem propósito ou significado.

No entanto, uma meta-análise recente sugere que a associação entre bem-estar e demência pode ser mais consistente para alguns tipos de bem-estar, como o sentido de propósito, do que para outros, como o afecto positivo. Pesquisas anteriores sugerem que o bem-estar pode proteger a saúde através de vias sociais, comportamentais e biológicas, e mecanismos semelhantes podem vincular o bem-estar à redução do risco de demência. Por exemplo, a investigação sugere que o bem-estar promove o envolvimento social, o que é fundamental para apoiar o funcionamento cognitivo e prevenir a demência. Um maior bem-estar também apoia comportamentos de saúde positivos que são benéficos para a saúde cognitiva e cerebral, como maior atividade física e abstinência de fumar, por exemplo. Finalmente, pesquisas sugerem que um maior bem-estar está associado a um melhor funcionamento cardiovascular, o que, por sua vez, reduz o risco de demência.

Contudo, as demências têm inúmeras causas ainda desconhecidas e não existem dados científicos suficientes para explicar o seu significativo aumento, o qual e como já mencionado, é estimado que se torne “explosivo” até 2050.

Imagem: ©Luca Upper/Unsplash.com

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