Em 2016, os conselhos de administração que integram as 500 maiores empresas do ranking da Fortune deram alguns passos em frente no que respeita à diversidade, nomeando um número recordista de hispânicos. Por seu turno, o número de mulheres eleitas para estes cargos declinou pela primeira vez em sete anos, de acordo com um relatório de monitorização elaborado pela Heidrick & Struggles. Apesar de serem muitos os estudos que comprovam uma correlação positiva entre a diversidade nos lugares de topo das empresas e a sua performance financeira, os obstáculos estruturais para a atingir continuam a ser maiores do que possíveis benefícios. Para mal das organizações e daqueles que as integram
POR
HELENA OLIVEIRA

E pronto. O “mal necessário” foi aceite e o Governo aprovou uma proposta de lei destinada a atingir uma representação equilibrada de género nos órgãos de gestão das empresas do sector público (já em 2010 e com um ‘limiar mínimo’ de 33%, já em 2018) e nas empresas cotadas em Bolsa (20% de representação mínima de cada um dos sexos a partir de Janeiro de 2018, e de 33% em 2020), levando Portugal a seguir as “tendências europeias” e assumindo “o compromisso de se associar a países como a Alemanha, a França ou a Itália que, nos últimos anos, adoptaram instrumentos legislativos desta natureza”, como afirmou, em conferência de imprensa, o Ministro-adjunto Eduardo Cabrita.

E agora? Jantares de mulheres recheados de exultações de alegria? Bem, de acordo como mais recente relatório realizado pela consultora Heidrick & Struggles, apesar de o mesmo ter analisado apenas as empresas pertencentes ao ranking Fortune 500, aquilo que consideraríamos como “desejável” – um passo em frente na participação mais igualitária entre homens e mulheres na gestão de topo está, pelo contrário, a assumir novos retrocessos. O relatório, que tem como enfoque a composição dos conselhos de administração destas gigantescas empresas, não fala apenas de (poucas) mulheres, tendo como temática geral a existência de diversidade – de género ou das denominadas “minorias” – e confere uma visão interessante sobre quão “formatada” está ainda a estrutura mental empresarial.

Depois de um aumento contínuo do número de mulheres nos boards das empresas americanas e que durou sete anos consecutivos, e de acordo com o Heidrick & Struggles’ latest Board Monitor study , a percentagem das mesmas voltou a declinar: de 29,8% (também ainda longe dos 33% propostos pela “nossa” futura lei de quotas) em 2015 para 27,8 em 2016, o primeiro ano desde 2009 em que tal declínio acontece. Há cerca de três anos, a empresa de executive search estimava a possibilidade de as mulheres virem a atingir a paridade nas salas dos conselhos de administração em 2024, adiando agora no tempo essa aparentemente longínqua probabilidade para 2032. Nada que nos espante depois de andarmos a seguir esta já velha questão há vários anos e nada parecer mudar, a não ser para pior. Mas e fenómenos inexplicáveis à parte, o que nos diz mais um relatório sobre esta persistente imparidade?

Apesar do relatório não ser especificamente sobre a participação feminina nos boards, dando conta das características “gerais” da composição dos conselhos de administração das 500 empresas mais influentes dos Estados Unidos (com muitas delas a serem também as que dominam o mundo empresarial global), a questão das mulheres e de outras minorias é particularmente analisada, demonstrando também boas notícias, pelo menos no que à etnicidade diz responde.

Assim, e em números gerais, a quota de posições ocupada pelas mulheres em 2016 desce dois pontos percentuais, como já anteriormente anunciado, quebrando um ciclo de ascensão de sete anos; por seu turno, e no últimos quatro anos, uma proporção agregada de afro-americanos, hispânicos, asiáticos e asiático-americanos ocupou, em média 20,1% dos assentos nos boards destas gigantescas empresas, mais de quatro pontos percentuais do que a média de 15,8% apurada para o período entre 2009-2012.

Também em 2016, a percentagem de hispânicos nomeada para lugares nos conselhos de administração, e apesar de ainda baixa comparativamente à (sua) população que reside nos Estados Unidos, atingiu níveis recordistas (pelo menos desde que a H&S faz esta monitorizarão anual – 2009), em particular no sector dos bens de consumo, com cerca de 60% dos nomeados hispânicos a ganharem assento nos boards. Já as empresas de tecnologia viram os seus conselhos de administração a serem compostos por 41% de asiáticos e asiático-americanos sendo que 33% dos afro-americanos nomeados foram-no para o sector industrial.


Paridade a retroceder ajuda a perpetuar desigualdade

Tendo em conta que o número de todos os novos assentos nos conselhos de administração ter ascendido aos 421, versus 399 no ano anterior, o número de cargos de topo ocupado pelas mulheres nas 500 maiores do ranking da Fortune desceu para 117, face a 119 em 2015. Apesar de o número não ser significativo, este resultado é importante na medida em que é a primeira vez que a nomeação “de mulheres directoras” apresenta um declínio desde que a Heidrick & Struggles (H&S) divulga este estudo de monitorização. Mas interessante também é verificar quais os sectores mais propensos a aceitar “mulheres líderes”, análise igualmente feita neste estudo, e que aponta para 30% de mulheres nos conselhos de administração das empresas de bens de consumo, e para 24% no sector industrial. Quanto aos conselhos de administração da indústria dos serviços financeiros, a percentagem não ultrapassa os 15%, com 14% a ocuparem estes mesmos cargos no sector tecnológico, 11% no dos serviços e 7% nos sectores relacionados com as ciências da vida.

Todavia, a fotografia muda de cor quando se considera o número total de nomeações de mulheres para os conselhos de administração sector a sector. Se o sector do consumo nomeou o maior número de mulheres no geral, apenas 26% dos novos assentos foram para as mesmas. Se compararmos este último com o dos serviços, metade das nomeações foram para o sexo feminino, com 40% a serem ocupados também por elas na indústria tecnológica, 30% na das ciências para a vida, 28% nos serviços financeiros, 26% no do consumo e 21% no sector da indústria.

Ou seja, e como principais novidades a reter, é a percentagem relativamente significativa de assentos ocupados recentemente pelas mulheres na tecnologia, uma indústria que tem vindo a estar sob fogo no que respeita exactamente às questões da paridade entre sexos, não só ao nível de posições sénior no geral, como também nos boards em particular. De acordo com a análise da H&S, a resposta – inteligente –da indústria das tecnologias foi a de duplicar os seus esforços no recrutamento de mulheres para ocuparem posições nos seus conselhos de administração.

Uma outra questão comummente analisada nos relatórios que olham para a desigualdade no local de trabalho, prende-se com a diversidade, no seu contexto mais geral. Como é referido num artigo recente publicado pela strategy + business, o qual versa também sobre esta tendência de inversão no número de mulheres que ocupam posições de destaque no mundo empresarial, são citados dados, provenientes de um extenso relatório, publicado pela PricewaterhouseCoopers (sobre o qual o VER escreveu) e também sobre a composição e características dos conselhos de administração da actualidade, que indicam que as mulheres que ocupam cargos de topo são muito mais propensas a valorizar as questões da diversidade face aos seus pares masculinos. Por exemplo, dos 884 membros de conselhos de administração que integram o universo de pesquisa deste PwC’s 2016 Annual Corporate Directors Survey, apenas 24% dos inquiridos homens consideram que ter mulheres (ou outras “minorias”) nos CA melhora a performance corporativa, ao mesmo tempo que 89% das suas pares femininas acreditam veementemente no seu oposto. Adicionalmente, não é difícil de adivinhar que aquelas que têm assento nos boards têm, ao mesmo tempo, uma propensão muito maior para colocar ênfase na diversidade quando contratam, por exemplo, CEOs.

Esta diferença está igualmente patente num outro relatório publicado por esta mesma consultora, nomeadamente sobre várias questões éticas que a gestão de topo encerra, e analisado também pelo VER, e que afirma que as empresas por si auscultadas nomearam apenas 12 mulheres para a posição de CEO em 2016, ou 3,6% do total de nomeações (mesmo, assim, e neste caso, uma percentagem superior face à do ano passado que não excedeu os 2,8%). O mesmo estudo sublinha que cinco indústrias – cuidados de saúde, tecnologias de informação, indústria, bens de consumo diário e serviços de telecomunicações – não contratou nem uma mulher para o cargo de CEO em 2016.

O que se traduz num ciclo vicioso difícil de quebrar. Também a Heidrick & Struggles demonstrou que 50% das novas nomeações para os conselhos de administração foram de actuais ou antigos CEOs. Ora, menos mulheres CEOs traduz-se em menos mulheres com a experiência que muitos boards procuram, o que significa também menos mulheres nos conselhos de administração que poderiam escolher as suas pares para ocuparem posições de CEOs.

E o que parece reservar o futuro à diversidade?

Ao longo dos últimos anos, são várias as pesquisas que têm demonstrado uma correlação positiva entre a diversidade de género nos conselhos de administração e um valor para o accionista mais elevado.

Assim, os responsáveis pelo estudo da Heidrick & Struggles acreditam que quando os representantes dos boards afro-americanos, hispânicos e com ascendência asiática ganharem massa crítica, essa realidade terá uma correlação estatisticamente igualmente positiva no que respeita ao valor para os accionistas. E as próprias empresas têm estado atentas a todo o corpo de pesquisa que tem sido publicado ao longo dos últimos anos relacionados com a performance quando existem mulheres e diferentes etnias que compõem os seus cargos de topo. Com uma comparação mais dilatada no tempo, a verdade é que em 2009 apenas 18% dos membros dos conselhos de administração das empresas pertencentes ao ranking da Fortune 500 eram mulheres face a 29,8% em 2015. O que poderá indicar que, pelo menos, algumas mudanças positivas se estão a verificar. Mas e como questiona a própria H&S, o que significa a desaceleração em 2016? Será apenas uma “estabilização”, um verdadeiro retrocesso ou, ainda, uma pausa no caminho de uma potencial ascensão?

De acordo com a Heidrick, qualquer uma das três possibilidades pode estar correcta. Estas empresas e indústrias que falham em contratar e promover executivas seniores continuam a enfrentar pressões; os esforços para abordar a questão deveriam, em princípio, expandir as fileiras de mulheres a ocupar cargos de topo. Como se pode ler no próprio estudo, a própria Heidrick & Struggles (e enquanto firma de executive search) assegura continuar a receber um número crescente de pedidos de candidatos “diversos” para ocupar posições nos conselhos de administração das empresas. Todavia, alertam também, os accionistas estão a pressionar, de forma crescente, o número de boards nos quais um executivo pode servir. Ora, e na medida em que as mulheres ocupam muito menos cargos seniores face aos seus pares masculinos, estes mesmos limites poderão contribuir para reduzir o conjunto de candidatas consideradas para os assentos nos boards.

De forma similar, estes últimos continuam a dar prioridade à experiência dos CEOs no que respeita a potenciais novos membros – o que, e como já sabemos, consiste num antecedente, por todas as razões já elencadas, ainda pouco comum entre mulheres e outros candidatos das “minorias”. Adicionalmente, a relativa escassez de mulheres executivas a servir nos conselhos de administração de hoje significará, ao longo do tempo, menor número de mulheres com essa experiência no futuro e que terão essa disponibilidade/possibilidade mais tarde nas suas carreiras – mais uma vez limitando as suas oportunidades em cargos de topo. Ou, e em suma, é um ciclo vicioso que se perpetua.

Estas pressões competitivas – a iniciativa para uma maior diversidade versus os obstáculos estruturais para a atingir – levarão tempo e aos mesmos deverá ser devotada muita atenção por parte dos conselhos de administração e da gestão de topo até que sejam resolvidos. Mas, e entretanto, empresas mais visionárias continuarão a insistir em recrutar pessoas mais “diversificadas” para os seus boards, e a desafiar as noções preconcebidas de um administrador “ideal”, considerando, por exemplo, executivos(as) que poderão entrar para o board sem a experiência prévia de terem sido CEOs. E farão todos os esforços para que o enfoque da gestão de topo se concentre no recrutamento e desenvolvimento de executivos que obedeçam a critérios de diversidade. Assim, serão esses esforços que funcionarão como pontos de partida para a compreensão – e avaliação – do poder da diversidade nos conselhos de administração do futuro.

Que, esperemos, seja de curto e não de longo prazo.

Editora Executiva