Erga a mão quem nunca foi obrigado a lidar com imbecis no local de trabalho. E a melhor táctica para nos vermos livres deles é ignorá-los. Mas como existem inúmeras situações nas quais não o podemos fazer, há que ter consciência que eles existem e que, se deixarmos, seremos apanhados pela sua toxicidade, com repercussões no nosso trabalho, na empresa em que trabalhamos e, mais grave que tudo, em toda a nossa vida
POR HELENA OLIVEIRA

Eles estão por todo o lado. Basta ler as notícias, acompanhar as redes sociais ou simplesmente pensar numa espécie particular de colegas e chefes, e eis que o número de imbecis parece multiplicar-se a todo o momento. Sim, estamos a falar de imbecis – ou, e na famosa palavra inglesa “assholes”, das pessoas que nos conseguem fazer a vida negra – e de como é tão difícil lidar com eles no dia-a-dia. E se pensa que o assunto é, ele mesmo, uma imbecilidade, saiba que basta ir ao Google Scholar pesquisar pelo tema para encontrar mais de 200 mil estudos, realizados apenas nos últimos anos, sobre a existência crescente deste tipo de pessoas nas organizações, as quais sentem prazer em humilhar os outros, em particular quando existem diferenças de poder, mas não só.

Robert Sutton é professor de psicologia organizacional na Universidade de Stanford e considerado como uma autoridade em “imbecis”. Em 2010, escreveria um pequeno livro que se tornaria um best-seller, intitulado “The No Asshole Rule: Building a Civilized Workplace and Surviving One That Isn’t”, fruto das suas investigações em mudança organizacional, inovação, liderança e cultura empresarial e nas quais as emoções no local de trabalho sempre tiveram papel principal. Sete anos mais tarde, e depois de ver a sua caixa de correio electrónico inundada com milhares de emails de pessoas que lhe pediam conselhos para os ajudar a lidar com os idiotas desta vida, contando as suas próprias experiências, resolveu ir mais longe na sua investigação e publicaria, em 2017, o livro “The Asshole Survival Guide: How to Deal With People Who Treat You Like Dirt”, o qual e como o título indica, consiste num manual que sugere formas de evitar estas personagens ou de, pelo menos, tentar geri-las a um nível interpessoal. O livro foi mais um sucesso de vendas – o que comprova a pertinência do tema –, tendo sido seleccionado como “livro do mês” pelo Financial Times e suscitado o interesse da esmagadora maioria das publicações na área da gestão.

E, com uns poucos anos de diferença, a primeira grande descoberta de Sutton foi exactamente o facto de, e apesar de não existirem censos para o efeito, o número de imbecis ter-se multiplicado, bem como as suas respectivas vítimas. Para explicar este pico de imbecilidade que, em 2020, continua em alta, Sutton oferece três explicações por excelência: a crescente desigualdade de rendimentos, a qual encoraja os chefes – uma subespécie poderosa no mundo dos imbecis – a serem mais agressivos e a convencerem-se de que são intocáveis; o ritmo absurdamente acelerado da vida moderna, onde o civismo e a consideração pelos outros passou a estar relegada para um plano mais do que secundário e os media sociais, é claro, onde os trolls utilizam muitas vezes o anonimato para ofender e humilhar, em conjunto com os que fazem a mesma coisa não se importando de dar a cara. Sutton afirma também que o facto de, nas redes sociais, não estarmos cara-a-cara com os nossos interlocutores aumenta as probabilidades de as pessoas se comportarem como imbecis. São várias as pesquisas que comprovam que a tecnologia contribuiu para o aumento do “problema dos imbecis”, não só porque as pessoas são mais propensas a serem más quando não estabelecem contacto visual, mas também porque esta cria a expectativa de as coisas acontecerem mais depressa, sendo que a todas horas do dia a pressa, o imediatismo e a privação do sono se tornaram também factores de peso. Para o investigador, a privação do sono, que afecta cada vez mais pessoas, é uma das formas mais fáceis para colocar alguém de mau humor e aumentar a sua probabilidade de ser um imbecil para os que o rodeiam.

Mas e qual a sua definição de imbecilidade? Apesar de serem várias as definições académicas para esta condição, para Sutton “um imbecil é alguém que nos faz sentir humilhados, ‘desenergizados’, desrespeitados ou oprimidos” ou, por outras palavras, alguém que “nos faz sentir como lixo”.

Assegurando que lidar com este tipo de pessoas não é uma ciência, mas sim uma arte, o que significa que ou somos bons a fazê-lo ou não, o professor de Stanford partilha no seu mais recente livro algumas estratégias que poderão suavizar a presença dos imbecis na nossa vida, quando a melhor táctica para nos vermos livres deles é, sem dúvida, ignorá-los. Mas como existem inúmeras situações nas quais não o podemos fazer, há que ter consciência que eles existem e que, se deixarmos, seremos apanhados pela sua toxicidade, com repercussões no nosso trabalho, na empresa em que trabalhamos e, mais grave que tudo, em toda a nossa vida.

Sutton chama, contudo, a atenção, para uma distinção necessária entre imbecis temporários e imbecis certificados. Isto porque todos nós, mediante as condições erradas, podemos também vestir a pele de um imbecil. Mas o que realmente interessa são aqueles que são certificados ou que tratam consistentemente mal os outros. E não confundir um imbecil com alguém que não se importa com os outros. Na verdade, os verdadeiros imbecis importam-se, sim, com o outros, na medida em que desejam que a pessoa se sinta magoada e/ou perturbada, retirando prazer desse facto.

O efeito da imbecilidade no local de trabalho

De acordo com um índice de infelicidade que integra o livro recém-lançado “Can We Be Happier? Evidence and Ethics”, são os chefes os principais responsáveis pela infelicidade no trabalho (em particular para os homens), logo seguidos pelos colegas (em particular para as mulheres). O que significa que o local de trabalho, talvez porque é ali que passamos uma grande parte das nossas vidas, é o ambiente por excelência para nos cruzarmos e convivermos com imbecis.

E, como afirma Sutton, existem dois pontos que têm de ser enfatizados nesta questão: o primeiro é o de que existem muitas evidências que comprovam que os imbecis são negativos para a nossa saúde e performance e o segundo implica que não existe nenhuma estratégia passível de ser seguida por toda a gente que se confronta com este tipo de problemas. Ou seja, sobreviver à imbecilidade é uma arte, cada pessoa tem de desenvolver a sua própria estratégia e apesar de existirem livros como o seu que ajudam a gerir as imbecilidades nas organizações, nenhuma é comprovadamente bem-sucedida.

Numa pesquisa que utiliza no seu livro mais recente sobre a relação de empregados com supervisores abusivos (ou imbecis), Sutton reporta que os primeiros “deixam os seus empregos logo que possam e que os que continuam a viver nessa armadilha e que não podem fugir dela, sofrem de maior insatisfação com o trabalho e com a vida no geral, reduzem o seu compromisso e lealdade para com os empregadores e demonstram sinais agravados de depressão, ansiedade e burnout.

Adicionalmente, lidar com imbecis não só é mau para quem sofre por causa deles, mas para a própria empresa. Outro estudo comprova que quando “as pessoas trabalham para imbecis insensíveis, são muito menos esforçadas, fazem mais erros propositadamente, escondem-se dos imbecis que os supervisionam, não fazem qualquer sugestão de melhoria para a organização e não ajudam os colegas”. Ou seja, acabam, elas próprias, por se tornarem pelo menos ligeiramente imbecis. “A imbecilidade é contagiosa”, declara Sutton, acrescentando que “os comportamentos maldosos e desagradáveis disseminam-se com muito maior facilidade do que os que são bons e positivos”.

Como nota no seu livro, as pesquisas demonstram igualmente que uma “única exposição” a um comportamento negativo, como por exemplo receber um email insultuoso, pode transformar uma pessoa num “hospedeiro” que transporta esse vírus – o da imbecilidade – e o transmite aos que lhe estão mais próximos: “literalmente como uma gripe”, acrescenta. O professor de Stanford tem, por isso, o cuidado de alertar que, enquanto seres humanos que erram, cada um de nós tem potencial para ser também um imbecil. “Enquanto seres humanos, temos uma auto-consciência limitada e a tendência para subestimarmos as nossas fraquezas e erros”, escreve. “Vários inquéritos e outros tipos de pesquisa comprovam que existem muitas pessoas que se dizem vítimas dos imbecis ou que testemunharam comportamentos similares (cerca de 50%), mas poucas são (menos de 1%) as que admitem praticar bullying no local de trabalho”, acrescenta. O que, na verdade, não é de todo surpreendente. Sutton vai ainda mais longe e declara que a pior pessoa para falar sobre imbecilidade é o imbecil.

Adicionalmente, os danos diários sofridos por quem está na presença de um imbecil são difíceis de ultrapassar. Ainda de acordo com as suas pesquisas, Sutton declara que “as interacções negativas têm um efeito cinco vezes superior no comportamento comparativamente às interacções positivas, o que significa que será necessário acontecerem muitas coisas boas num só dia para fazer-nos esquecer do sofrimento causado por um imbecil”.

É possível neutralizar os imbecis?

Visto que parece não existir nenhuma fórmula mágica ou estratégia vencedora para acabar com os imbecis que se vão cruzando connosco na vida, há que praticar tácticas que ajudam a minimizar a sua desagradável presença. E é sobre as mesmas que Sutton escreve, sublinhando contudo que muito depende do poder que se tem. E assumindo que não temos o poder de um CEO para despedir alguém de que não gostemos, o professor sugere que, em primeiro lugar, há que conhecer, e bem, os imbecis que nos infernizam a vida.

Depois de mencionada a distinção entre imbecis temporários e imbecis certificados, é importante fazer uma outra: a de que existem pessoas que são imbecis “inconscientes”, ou seja, que não fazem a mínima ideia de que o são e cujos comportamentos, muito provavelmente, não são maliciosos. Nestas situações, é possível ter uma “conversa de bastidores” e informar gentilmente a outra pessoa de que ela está, simplesmente, a cruzar uma linha que não deve. Todavia, alerta, se está a lidar com um verdadeiro e maquiavélico imbecil que o trata como lixo porque acredita que essa é a única forma de se manter “superior”, nesse caso e apesar de não parecer um comportamento muito honroso, o melhor é fugir.

Em situações de assimetria de poder ou quando estamos a falar de um superior hierárquico abusivo, despedir-se ou tentar mudar de departamento constitui o conselho favorito de Sutton. Mas todos sabemos que tal não é de todo fácil e que a maioria das vezes somos obrigados a conviver, dia após dia, com pessoas que nos fazem mal, que são tóxicas e que transformam a nossa vida num inferno. E se a única possibilidade é manter-se no mesmo local de trabalho, Sutton questiona: “vai à luta ou vai aguentar?”. Se ir à luta é a resposta, é necessário existir um plano, recolher as evidências e correr os riscos associados. Em qualquer dos casos, Sutton sugere que se tenha o mínimo contacto possível com o imbecil abusador, oferecendo algumas estratégias no livro para que isso aconteça. E, acrescenta, uma das coisas mais simples – e sem dúvida, a mais difícil – a fazer é, simplesmente, aprender a ignorar, a não se importar. “Não dar qualquer importância ao imbecil retira-lhe o vento das asas”, profere, sendo esta a melhor estratégia para lidar com colegas imbecis, por exemplo. Praticar a indiferença e o desprendimento emocional é, assim, mais uma possibilidade no convívio obrigatório com um imbecil.

Sutton sugere também que se faça um exercício de “imaginação”: pensar que quando chegar a casa o imbecil não vai estar lá ou imaginar que no espaço de um ano este já não estará na sua vida, apesar de continuar a ser um idiota. É uma espécie de reenquadramento da situação, vendo-a como temporária e nunca se culpando pelo que está a acontecer.

E, no que respeita aos colegas, é mais fácil vermo-nos livres deles, pois pelo menos o poder é comparável e não assimétrico como o que acontece com um chefe. Nestes casos, a forma mais simples para lidar é “bloqueando-os”. Não os convidar para eventos ou celebrações, nem para uma simples pausa para o café, evitando-os educadamente e sorrindo-lhes quando for necessário, “é assim que se lida com imbecis”, assegura. E também porque existem situações em que as próprias vítimas têm de se comportar como imbecis para poderem sobreviver. Se existe um comportamento persistente e duradouro de “maus tratos”, e se o perpetrador for mesmo do estilo maquiavélico, o “uso da força”, figurativamente, é claro, poder ser a única hipótese. Num tom muito pouco pedagógico, o professor de Stanford afirma mesmo que “existem pessoas que merecem ser mal tratadas e, mais importante, devem ser mal tratadas”. “Por vezes”, acrescenta, “temos de falar com o imbecil na única linguagem que este percebe, o que significa que temos de sujar as nossas mãos”.

No fundo, a tese de Robert Sutton é a de que os imbecis têm um efeito verdadeiramente corrosivo nas pessoas que o rodeiam, com diversos estudos a comprovarem que quem com eles trabalha durante períodos alargados acaba por sofrer de depressão, de ansiedade e de menos saúde. Assim, e pela saúde de todos, que se tenha cuidado logo na fase da contratação ou que se tenha sorte e resiliência para ultrapassar as imbecilidades que fazem parte da nossa vida no trabalho. Porque, de uma forma ou de outra, já todos fomos obrigados a lidar com imbecis.

Editora Executiva

3 COMENTÁRIOS

  1. Totalmente infeliz e preconceituoso o título da matéria, que inclusive não tem nada a ver com o título do livro.
    Uma vida negra tem a ver com as populações negras, e não faz nenhum sentido essa expressão aqui.
    Para uma comunicadora, seu português está muito decadente.

    • Caro leitor,
      a expressão “fazer a vida negra” faz parte da gíria portuguesa e significa tão e somente “maltratar”. Nada tem, obviamente, a ver com preconceito. Cumprimentos

      • Muito bem respondido …..

        Deixo a dica ao leitor Wilmar …. veja la se conhece …. “a formiga tem catarro” para associar ao National Geografic e ao IPO da conchichina e desta forma acusar de decadente quem o mete num bolso ….

        Haja paciência …. para a ignorância

        “Last but not the least” … artigo de leitura agradavel …. é como ler uma receita de 1910 actualizada.

        Atentamente

        PS- os meus pais sempre me alertaram …. os imbecis ja existiam antes de vires ao mundo e existirao depois de partires …. vai com calma e nunca discutas porque eles ganharao, pois arrastar-te-ao para a mediocridade e ai eles sao manifestamente mais fortes.
        (para os menos atentos, o teclado é AZERT Fr)

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