Podemos dizer que vivemos na era dourada dos drones. Hoje em dia, há espectáculos aéreos com milhares de aparelhos a desenharem toda a sorte de motivos e movimentos no céu. Quando se vê um pela primeira vez, fica-se de boca aberta. Há grande beleza e tecnologia de ponta nestas coreografias e ficamos pasmados com a precisão dos aparelhos. Permanecem alinhados, fazem curvas, sobem e descem todos ao mesmo tempo – não há um que falhe o passo. É preciso não esquecer que a atmosfera é uma matriz multifactorial e que dois drones a poucos metros um do outro podem estar sujeitos a condições muito diferentes. Mesmo assim, o espectáculo continua sem falhas
POR PEDRO COTRIM

Vemos as acrobacias e pensamos nos conflitos. É inevitável. Percebemos que um engenho tão preciso pode ter utilizações militares inimagináveis. As notícias da guerra na Ucrânia têm sido infelizmente quase quotidianas, a que se junta agora nova escalada no Médio Oriente, e os drones campeiam. São uma arma estratégica perfeita, mesmo que não estejam armados. Se estiverem, são uma tremenda máquina de morte.

A engenharia de ponta tem-nos mostrado o seu potencial na indústria aerospacial. As aterragens verticais dos Falcon 9 encantam os fãs da tecnologia e da ficção científica – muitos terão suposto que nada assim seria alguma vez possível. Os satélites «em comboio» do Starlink são uma visão fascinante, mas têm posto muitos cientistas em alvoroço devido à quantidade de lixo espacial que se acumula e causam desgosto aos astrónomos amadores, que vêem o imaculado céu nocturno das zonas escuras cada vez mais contaminado.

Especialmente os drones e as aterragens verticais beneficiam largamente da precisão do giroscópio. É um dispositivo antigo, com mais de duzentos anos, que, inevitavelmente, conheceu modificações tremendas, sobretudo por Laplace e Foucault – não o filósofo do século XX, mas o físico Jean Bernard Léon Foucault, que viveu no século XIX e cuja obra conhecemos sobretudo devido às inúmeras apresentações do célebre Pêndulo de Foucault.

Os giroscópios funcionam com base nos princípios do momento angular e da sua conservação, uma propriedade dos objectos em rotação. Simplificando, representa a tendência de um objeto em rotação para continuar a rodar no mesmo sentido, a menos que seja sujeito a uma força externa. O efeito giroscópico é um fenómeno que permite resistir a alterações na orientação ou na velocidade angular de um objecto. Quando uma força é aplicada ao giroscópio, este responde, alterando a sua orientação ou velocidade angular, mas fá-lo de uma forma que se opõe à força aplicada; é por isto que os giroscópios são utilizados em sistemas de estabilização.

Uma das propriedades mais espantosas dos giroscópios é a precessão. Quando é aplicada uma força ao eixo de um giroscópio, este não muda imediatamente a sua orientação, como seria de esperar. Em vez disso, reage rodando perpendicularmente à força aplicada. Este fenómeno é uma caraterística fundamental no seu funcionamento. É também o que permite a sincronia de vários aparelhos. E obviamente, como sucede em muitas outras invenções ou aperfeiçoamentos, os drones devem muitos aos conflitos. Uma breve revisão histórica mostra-nos porquê.

O Kettering Bug é tido como um dos primeiros drones da história. Voou pela primeira vez no dia 2 de Outubro de 1918. Fora desenvolvido durante a Primeira Guerra Mundial por Charles Kettering numa equipa que incluiu um dos irmãos Wright. Era uma aeronave autónoma concebida para reconhecimento militar e lançamento de projécteis. Essencialmente, era uma bomba voadora com uma trajetória de voo pré-definida e um sistema de orientação simples com instruções por radar.

Em 1939, o Radioplane OQ-2 (1939) foi um dos primeiros drones produzidos em série. Era controlado remotamente e foi usado principalmente como arma anti-aérea pelo exército dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial. Foram construídos cerca de 15 000.

A célebre V-1, de 1944, bomba voadora da Alemanha nazi, era um míssil de cruzeiro primitivo e um dos primeiros exemplos de um drone semi-autónomo. Era lançada por um motor a jacto por impulsos e transportava uma ogiva: foi um precursor dos mísseis teleguiados.

O Ryan Firebee, de 1951, foi um dos primeiros drones direccionados ao alvo construídos propositadamente para essa finalidade. Foi utilizado para treino e como alvo para testes de mísseis ar-ar.

Bem se vê a imediata aplicação militar destes engenhos, que abriram caminho para o desenvolvimento dos drones modernos, mas que acabaram evidentemente por ter muitas aplicações para além da utilização bélica, incluindo fotografia aérea, agricultura, busca e salvamento, entre outras. Os avanços tecnológicos, particularmente em áreas como a miniaturização, sistemas de comunicação e automação, tornaram os drones mais acessíveis e versáteis.

A década de 2000 assistiu ao aparecimento dos pequenos drones «chave-na-mão», popularizando a sua utilização recreativa. Os avanços na miniaturização, na tecnologia das baterias e nas capacidades dos sensores tornaram os drones mais pequenos, mais capazes e acessíveis. O GPS e os sistemas de navegação inercial permitiram um controlo de voo preciso e autónomo.

Os governos começaram a implementar regulação para dar resposta às preocupações de segurança e privacidade associadas à utilização de drones. Uma das primeiras medidas foi a proibição da utilização perto dos aeroportos. É óbvio que a legislação tem sofrido alterações decorrentes da tecnologia. Há várias classificações com diferentes obrigações/imposições que têm em conta as características dos aparelhos.

Hoje em dia, é difícil saber qual é o pináculo dos drones, devido precisamente às suas possibilidades militares. Estará no segredo dos deuses o que um aparelho de última geração será capaz de fazer. Sabe-se que as autonomias são superiores a 600 quilómetros sem perda de sinal, sendo os aparelhos capazes de voar durante mais de 24 horas. Naturalmente que os algoritmos de IA podem ser utilizados para detetar e evitar obstáculos, para a navegação autónoma e para a análise de dados.

Em termos de financiamento, também sabemos o que esperar. Os conflitos, os embargos e as tensões diplomáticas sempre alimentaram os ramos industriais mais convenientes. Não nos esqueçamos também que a própria internet começou por ser uma ferramenta militar americana e que se não tivesse havido Guerra Fria não teria havido space race e provavelmente ainda nem teríamos ido à Lua. Space race que também nos deu o velcro, tecnologia para as máquinas fotográficas dos smartphones e um progresso ilimitado nos alimentos processados.

Os drones servem para muito e investigação e os desenvolvimentos continuam a alargar os limites da sua tecnologia, com destaque para tempos de voo mais prolongados, maior capacidade de carga útil e características de segurança melhoradas. O que está para vir será difícil de antever, mesmo para os especialistas desta tecnologia.

Já sabemos há muito que a tecnologia deve servir-nos, e não servir-se de nós. Se esta mentalidade for mantida enquanto os drones ficam cada vez mais sofisticados, permaneceremos junto dos outros humanos.

Foto: © Aaron Burden/Unsplash.com