O pessimismo é uma atitude mental negativa em que se antecipa um resultado indesejável de uma determinada situação. Os pessimistas tendem a concentrar-se nos aspectos negativos da vida em geral, tendo por isso uma maior propensão para a depressão e para um menor bem-estar ao longo da vida. Mas esse sofrimento poderá ter solução, na medida em que a forma como lidamos com as adversidades só depende de nós. A boa notícia é que através de um conjunto de ferramentas e técnicas é possível “aprender” a ser mais optimista. E a saúde, física e mental, agradece
POR HELENA OLIVEIRA
“O pessimista vê dificuldade em cada oportunidade; o otimista vê oportunidade em cada dificuldade”
[A citação é erroneamente atribuída a Winston Churchill, mas não há fontes que confirmem essa autoria]
Num estudo publicado na revista científica Nature, pesquisadores da Universidade de Nova Iorque dizem ter constatado que os seres humanos são “optimistas por natureza”, e partindo deste princípio, decidiram investigar quais as regiões cerebrais que estariam por detrás desta característica.
Num teste realizado com voluntários, a equipa de pesquisadores descobriu que a amígdala e o córtex cingulado anterior do cérebro (ACC, na sigla em inglês), situado atrás dos olhos, foram as áreas mais activadas quando os participantes pensaram em eventos felizes do passado e expectativas positivas para o futuro. Em contrapartida, quando tiveram de pensar em situações tristes, os exames de ressonância magnética acusaram baixa actividade nessas duas regiões cerebrais, as quais demonstram também irregularidades em pessoas com depressão, doença que é relacionada com um comportamento pessimista em relação à vida.”
Por seu turno, outras pesquisas têm vindo a demonstrar que o optimismo, tradicionalmente considerado uma característica imutável, é uma forma de pensar que pode ser aprendida e aprimorada. Pessoas com um ponto de vista positivo têm menos stress, melhores capacidades criativas de resolução de problemas e melhores resultados de saúde do que pessoas menos optimistas. Além disso, vários estudos realizados demonstram também que os optimistas são mais propensos a persistir no trabalho de aprendizagem, por vezes árduo, motivados pela crença de que podem atingir melhor os seus objectivos. No seguimento de alguns estudos especificamente dedicados a estudantes, muitos professores perceberam que à medida que os alunos se tornam mais optimistas, ficam motivados a progredir através das dificuldades de aprendizagem e a atingir níveis mais elevados de desempenho. Alunos mais optimistas também apresentam maior resistência à depressão e aos efeitos negativos do stress.
De qualquer das formas, o pessimismo não é uma doença mental, mas um traço de personalidade que se traduz numa visão mais negativa – ou, como algumas pessoas declaram, realista – da vida. Um pessimista geralmente espera resultados desfavoráveis no que respeita à sua vida no geral e fica receoso – ou com medo de “acreditar” – quando as coisas parecem estar a correr bem.
Assim, o pessimista sofre verdadeiramente com a sua forma de sentir a vida. Aqueles com perspectivas mais pessimistas tendem a ter menos apoio social, menor resiliência, menor capacidade de lidar com o stress e maior propensão para a depressão e perturbações de ansiedade. Se um optimista amplia os eventos positivos e minimiza os aspectos negativos de uma ocorrência, o pessimista tem inclinação para minimizar os aspectos positivos de uma situação, ao mesmo tempo que aumenta o seu foco em tudo o que é negativo.
Mas será possível inverter esta condição?
Sue Varma é uma psiquiatra certificada e professora de psiquiatria na Langone Health da Universidade de Nova Iorque, tendo sido a primeira na sua especialidade a tratar socorristas e civis com Transtorno de Stress Pós-traumático, depressão e ansiedade no Programa de Saúde Mental do World Trade Center, depois dos trágicos incidentes do 11 de Setembro.
Neste mesmo programa, Sue Varma tanto conheceu pacientes completamente devastados, como outros com uma incrível resiliência, o que a levou a questionar por que motivo algumas pessoas sobrevivem melhor, e até prosperam, apesar de desafios aparentemente intransponíveis e como é possível tomarmos as rédeas da nossa vida, ao mesmo tempo que nos protegemos do stress, do medo e da depressão.
Assim, e ao longo das duas últimas décadas, a psiquiatra descobriu, através do seu trabalho com inúmeros pacientes, que a resposta para esta questão reside no cultivar de uma mentalidade mais optimista que nos ajude a enfrentar os muitos reveses da vida e a vivê-la de acordo com decisões sensatas e sentimentos mais apaziguadores.
Numa combinação da sua própria experiência com a de uma revisão exaustiva de pesquisas recentes nas áreas da psicologia, psiquiatria, medicina, neurociência e filosofia, e na sua primeira incursão na escrita, com o livro Practical Optimism: The Art, Science, and Practice of Exceptional Well-Being, a reconhecida psiquiatra demonstra que o pessimismo não tem de ser uma condição persistente e que existem formas de transformar um pessimista inveterado num optimista realista capaz de mudar a visão que tem da sua vida e enveredar por um caminho de maior resiliência e bem-estar.
Através do que denomina como Optimismo Prático, a autora identificou oito pilares que, quando implementados contínua e sequencialmente, podem inverter o pessimismo e mudar a vida de quem com ele sofre, para além de oferecer estratégias viáveis para melhorar o bem-estar: encontrar um propósito; processar emoções; solucionar problemas; desenvolver um sentimento saudável de orgulho, através da autopromoção da confiança e proficiência; “sendo” presente; aumentar a sua rede social e praticar hábitos saudáveis. De acordo com o livro, estes oito pilares ajudam-nos a traduzir perspectivas positivas em resultados positivos por meio de um conjunto de ações e de um conjunto de capacidades adequadas, que podem ser treinadas, mas que não acontecem da noite para o dia, exigindo muita persistência e resiliência.
Numa apresentação do livro, a autora partilha uma síntese de alguns dos temas mais importantes do seu livro.
Apesar de ter uma componente genética, é possível mudar a perspectiva daqueles que preferem sempre ver o copo meio vazio
Para Sue Varma, o optimismo é o segredo mais bem guardado da natureza. Os optimistas são mais saudáveis, mais prósperos, vivem mais e têm mais sucesso na vida, no trabalho e nos relacionamentos. Mas a melhor parte de tudo isto – e provavelmente o maior segredo de todos – é que qualquer pessoa pode aprender a pensar e agir como um optimista.
Além do mais, o optimismo não é apenas um conceito de bem-estar, sendo apoiado por pesquisas sólidas. Numerosos estudos que envolveram mais de 200 mil indivíduos descobriram que o optimismo está ligado a muitos resultados positivos. As pessoas que o adoptam tendem a desfrutar de uma melhor função imunológica, melhor saúde cardíaca e resultados de saúde ainda mais positivos, desde o cancro até aos relacionados com cirurgias e gravidez, apresentando igualmente menos sintomas físicos e menos dor em geral.
“Mas e o que acontece para os que não são optimistas natos?”, questiona. “Sem problema”, responde, acrescentando que passou os últimos 20 anos a estudar como todos nós podemos beneficiar da fonte do optimismo e colher os seus benefícios, mesmo que sejamos daqueles que “optam pelo copo meio vazio”. E em termos genéticos?
De acordo com a psiquiatra, os cientistas identificaram que o optimismo está, na verdade, associado ao gene do receptor de oxitocina, a hormona de “carinho” e de ligação que facilita a compreensão, a empatia e a conexão entre as pessoas – mãe e filho, parceiros românticos, amigos, etc..” Todavia, diz, pesquisas recentes estão a concluir que os genes desempenham um papel muito menor do que se pensava nesta condição e que apenas cerca de 25% do optimismo é genético, dependendo o resto de nós.
Afirmando que “o optimismo é realmente a base de um bem-estar mental excepcional”, a autora afirma ter tido consciência desta realidade quando trabalhou com sobreviventes do 11 de setembro. “No início, procurei compreender como as pessoas recuperavam das adversidades e interessei-me pela literatura sobre resiliência. Mas comecei a ver um subconjunto de pessoas que não apenas sobreviveram adequadamente e recuperaram, mas também prosperaram diante da adversidade”, conta. E todos os caminhos a levaram ao optimismo (incluindo o retribuir aos outros).
“O que foi tão interessante e único para mim foi que esses genes de optimismo com os quais algumas pessoas nascem não apenas conferem uma disposição para o céu ensolarado, mas, e o que é mais importante, oferecem igualmente importantes capacidades para enfrentar a vida, uma melhor regulação emocional e bons relacionamentos interpessoais”. Mas, volta a sublinhar, o que de mais importante existe nestas capacidades é que elas podem ser aprendidas, praticadas e aprimoradas mesmo que não se tenha nascido com elas.
Se para a autora o optimismo é realmente a base de um bem-estar mental excepcional, o pessimismo, por outro lado, quando não controlado, aumenta o risco de depressão. “Mas é possível retirar boas lições daqueles que conseguem navegar com sucesso em águas turbulentas nas condições mais extremas e perturbadoras”, garante. Desta forma, Sue Varma decidiu codificar estas mesmas capacidades essenciais para a vida, criando os denominados oito pilares do Optimismo Prático, que nos ajudam a traduzir perspectivas positivas em resultados positivos através de um mindset adequado e de um conjunto de acções e competências que podem ser treinadas. Como afirma, “os optimistas nascem com estas capacidades, mas os optimistas práticos são ‘feitos’. E tudo começa por um propósito.
A felicidade é sobrestimada. É a um propósito que devemos almejar
Como refere, ter um propósito não significa apenas conferir uma maior satisfação à nossa existência, estando igualmente relacionado com vidas mais longas e saudáveis para todas as faixas etárias. A autora cita um estudo publicado na revista The Lancet, o qual demonstrou que as pessoas que vivem com um sentimento de significado e propósito têm menos de 30% de probabilidades de morrer, independentemente da causa, num período de oito anos e meio. Por outro lado, a autora considera a felicidade como algo que é passivo e relacionado com coisas que não são possíveis controlar. “Pelo contrário, ter um propósito coloca-nos no comando da nossa vida e obriga-nos a colocar uma questão fundamental: que tipos de coisas ou actividades me trazem mais alegria e quando foi a última vez que as pratiquei?”, questiona.
Como afirma, “o propósito é a nossa impressão digital única no mundo. É a forma da alma se envolver consciente e deliberadamente com a realidade que nos rodeia alinhada com a paixão, capacidades, talentos e interesses únicos de cada um, sendo que para os que não conseguem encontrá-lo, há que o criar, mergulhando na acção e na motivação que se lhe seguirá”.
A autora denomina esta acção de activação comportamental, ou seja, deixar que sejamos guiados por uma ação proposital, preenchendo os nossos dias com actividades que possam despertar a motivação e o significado. “A chave é tornar-se intencional relativamente ao que lhe dá alegria – que é algo passível de ser cultivado – em vez de esperar que um bom momento caia no colo”. Mas afirma também que “se nos mantivermos firmes no nosso propósito, sejamos flexíveis no nosso caminho. Há mais de um caminho para a alegria duradoura, sendo o bem-estar emocional o nosso destino final”.
O corpo expressa o que a mente não consegue
Um outro pilar do Optimismo Prático é chamado de processamento [de emoções]. E significa falar sobre o que nos incomoda em vez de se desenvolver um mecanismo de defesa que só é prejudicial. Como esclarece, “é preciso muito mais energia para suprimir emoções do que para libertá-las, e libertá-las é tão simples quanto manter um diário 15 minutos por dia, por exemplo, com benefícios que integram desde o aumento da imunidade até à redução de doenças cardíacas ou cancerígenas”. A psiquiatra afirma ainda que uma boa forma de manter um contacto saudável com as nossas emoções tem como base quatro verbos de acção: nomear o que mais nos preocupa ou atemoriza, identificar esse sentimento de acordo com “sintomas físicos”, por exemplo, fechar os punhos com força ou cerrar os dentes, domá-lo falando sobre o mesmo com alguém, ou seja, reconhecê-lo e fazendo algo para o “diluir”, como dar um passeio ou encontrar uma distracção saudável e, por último e menos fácil, reenquadrá-lo de forma a que perca o seu significado e peso.
A auto compaixão permite que não fiquemos paralisado pela vergonha e pela culpa quando fracassamos”
O orgulho entra também na lista dos oito pilares do Optimismo Prático, mesmo apesar da sua má reputação, visto que as pessoas vistas como orgulhosas são muitas vezes consideradas como vaidosas e egocêntricas, afirma a autora, explicando que, neste caso em particular, é sobre a autoestima que se deve começar a falar. A seu ver, “a autoestima é um conceito falhado porque depende de sermos ‘ações humanas’ em vez de ‘seres humanos’ e estando geralmente vinculada a conquistas externas”. E aqui entra a auto compaixão que, por outro lado, é um sentimento intrínseco de valor próprio, estável e fundamentado, ou uma nova forma de compreender o orgulho, baseado na realidade e na capacidade de aceitar os nossos fracassos, sem que tal nos traga tristeza ou ansiedade, simplesmente porque somos humanos.
Várias pesquisas demonstram que que a auto compaixão tem benefícios comprovados. Por exemplo, quando se “ensina” os alunos a terem auto compaixão, eles esforçam-se mais para melhorar as suas notas nos testes depois de serem reprovados. Se a autoestima pode declinar numa situação desta natureza, a auto compaixão permite um resultado melhor porque não há lugar à paralisação por sentimentos de vergonha e de culpa. E, mais uma vez, são vários os estudos que demonstram que praticar regularmente a auto compaixão leva a um melhor sistema imunológico, a menos stress e a menores probabilidades de problemas cardíacos.
Acreditar em nós mesmos leva a comportamentos saudáveis
A proficiência e “ser” presente fazem igualmente parte dos oito pilares do Optimismo Positivo. E se a proficiência pode ser uma daquelas palavras que conseguimos compreender quando a ouvimos, mas que não conseguimos realmente definir, na visão da autora consiste basicamente em acreditar na nossa capacidade de atingir objectivos e superar obstáculos.
Dito isto, não se trata de excesso de confiança – característica comummente atribuída aos optimistas -, mas sim de ter uma noção realista nossas capacidades. São igualmente várias as pesquisas que demonstram que acreditar em nós mesmos leva a comportamentos saudáveis, incluindo um melhor desempenho académico e laboral e a melhores resultados na saúde e no bem-estar. Termos presente esta ideia ajuda a uma maior resiliência e a lidar melhor com as tempestades da vida.
Os benefícios de cultivar bons hábitos e boas relações
Por fim, Sue Varma regressa à ligação estreita entre optimismo e vidas mais longas e saudáveis. Para a autora, os optimistas são melhores a cuidarem de si mesmos: são proactivos, acreditam que suas acções são importantes, não desistem e vão a consultas médicas anuais, o que é mais difícil de ser feito pelos pessimistas, que geralmente “adiam” a sua saúde por terem receio do que os exames lhes poderão trazer. “O segredo para um estilo de vida saudável está em cultivar bons hábitos. Embora alguns possam pensar que tudo se resume à genética, a realidade é que temos muito mais controlo sobre a nossa vida e saúde do que imaginamos”, declara. Na verdade e de acordo com a psiquiatra, cerca de 80% da nossa saúde é determinada pelos nossos hábitos. “As nossas emoções, atitudes e comportamentos predizem os nossos hábitos, e esses hábitos, por sua vez, predizem a nossa saúde. O Optimismo Prático ajuda-nos a trabalhar os nossos pensamentos, emoções e comportamentos – começando pelo propósito – para que possamos criar um plano de ação e um roteiro a executar através destes mesmos hábitos”, afirma.
Por outro lado, e em particular nos últimos anos, muito se tem escrito sobre o aumento da solidão e do isolamento social, em particular sobre os seus impactos significativamente nefastos no que respeita à saúde mental. É, pois, imprescindível, que se cultivem as relações com os outros, transformando a socialização também num hábito.
Citando o escritor William Durant: “Somos o que fazemos repetidamente. A excelência, portanto, não é uma escolha; é um hábito. Então, se quer garantir que fará algo com significado todos os dias, não deixe isso ao acaso. Automatize-o. Faça disso parte de sua rotina diária até que se torne uma segunda natureza – um hábito que não requer esforço consciente”.
Editora Executiva