Estas são as principais emoções negativas identificadas pelo mais recente estudo anual da Gallup no que respeita à forma como se sentem as pessoas relativamente ao trabalho e à vida em geral. Na Europa, que regista o pior resultado face às demais regiões, 72% dos inquiridos afirmam não estar envolvidos e/ou motivados com o seu trabalho. E entre os 38 países europeus analisados, Portugal ocupa a 16ª posição com apenas 19% dos trabalhadores a sentirem-se satisfeitos com a sua vida profissional
POR HELENA OLIVEIRA

De acordo com o Infarmed, todos os dias são vendidas, em média, 33 mil embalagens de antidepressivos, com cerca de 12 milhões de caixas – um número recordista – a serem prescritas ao longo do ano passado. Entre 2013 e 2023, o valor das prescrições para este tipo de medicação aumentou 80%. Ou seja, a ansiedade e a depressão constituem as perturbações mentais mais comuns entre os portugueses, ambas embrulhadas em altos níveis de stress.

Mas Portugal não está sozinho no que respeita a este tipo de perturbações mentais, com o stress, particularmente relacionado com o trabalho, a afectar milhões de pessoas em todo o mundo. A Gallup, empresa global de análise e consultoria, publicou o seu habitual relatório anual (o maior estudo em curso do mundo) sobre a experiência dos trabalhadores em todas as regiões do planeta, analisando a forma como estes se sentem em relação ao seu trabalho e à vida, o que, a seu ver, constitui um importante factor de previsão da resiliência e do desempenho organizacional. E a primeira constatação é a de que a deterioração global da saúde mental é preocupante e que a situação está a ficar descontrolada. Complementarmente, são já vários os observadores a afirmar que estamos perante um enorme paradoxo, visto que a saúde mental da humanidade está a diminuir rapidamente durante uma era de progresso e prosperidade.

A título de exemplo, a professora Christine Porath, de Georgetown, conclui que o stress crescente está a causar um rápido aumento da incivilidade no trabalho. Isto é particularmente preocupante, tendo em conta que passamos a maior parte da nossa vida a trabalhar, logo a seguir ao número de horas em que passamos a dormir.

No relatório The State of Global Workplace: The Voice of the World’s Employees de este ano, 41% dos trabalhadores de todo o mundo (v. Caixa com dados para a Europa e Portugal) afirmam “passar por muito stress”, percentagem que varia significativamente de acordo com a forma como as organizações são geridas. Quem trabalha em empresas com más práticas de gestão (os que se dizem “activamente desligados”), são quase 60% mais propensos a sofrerem de stress do que os que trabalham em ambientes com boas práticas de gestão. Outro número preocupante assenta no facto de os trabalhadores que relatam ter “muito stress” ser 30% mais frequente por quem trabalha sob má gestão comparativamente a quem está desempregado.

E os líderes sabem que o stress no trabalho é um problema significativo. Não só o observam nas suas organizações, como são eles próprios a vivenciá-lo, com um quarto dos líderes auscultados a afirmar sentir-se esgotado “frequentemente” ou “sempre” e dois terços a sentirem-no pelo menos algumas vezes.

De acordo com um estudo recente realizado pela Universidade de Oxford, não são os programas de bem-estar ou de mindfulness que resolvem ou minimizam o problema, mas sim melhorias na mudança de horários, maior flexibilidade, novas e boas práticas de gestão, mais recursos para o pessoal e design de trabalho personalizado.

De acordo com a Gallup, o local de trabalho global pode desempenhar um papel significativo no enfrentar da crise mundial de saúde mental. Conforme detalhado no relatório de este ano, mudar a forma como se gerem as pessoas é fundamental para reduzir o stress no trabalho e na vida.

A falta de envolvimento no e com o trabalho representa uma das realidades mais perturbadoras neste estudo, apesar de ser uma constante há já vários anos. De acordo com estimativas da Gallup, os baixos níveis de empenho dos trabalhadores custam à economia mundial 8,9 biliões de dólares americanos, ou seja, 9% do PIB mundial. E, em termos gerais, 20% dos trabalhadores de todo o mundo experimentam a solidão diariamente, sendo esta mais elevada para os que trabalham remotamente. Um outro dado resultante do estudo está relacionado com a queda dos níveis de bem-estar entre os trabalhadores mais jovens comparativamente a 2023, fenómeno que não é novo, mas que tem vindo a piorar ano após ano.

Vejamos outras conclusões.

O peso da solidão

A nível mundial, um em cada cinco trabalhadores afirma sentir uma solidão diária, sendo esta percentagem mais elevada para os que têm menos de 35 anos. Adicionalmente, as pessoas que trabalham em regime totalmente remoto referem níveis mais significativamente elevados de solidão (25%) face às que trabalham em regime presencial total (16%).

Como se sabe, o isolamento social e a solidão crónica tem efeitos devastadores na saúde física e mental. A título de exemplo, Lisa Berkman, professora em Harvard e cientista sénior na Gallup estudou, em conjunto com os seus colegas, a relação existente entre laços sociais e comunitários e taxas de mortalidade ao longo de um período de nove anos. O risco de mortalidade entre as pessoas sem laços sociais e comunitários foi duas vezes mais maior comparativamente aos que têm uma vida social saudável, independentemente da saúde física, do estatuto socioeconómico e das práticas de saúde.

De sublinhar igualmente que o próprio trabalho diminui a solidão. Em geral, os adultos que trabalham sentem-se menos sós (20%) face aos que estão no desemprego (32%), tendência que se mantém em todos os grupos etários. E as interacções no trabalho não têm necessariamente de ser presenciais para trazerem benefícios. Um estudo da Gallup concluiu que todas as formas de “tempo social” (telefone, vídeo, mensagens de texto, etc.) estão associadas a um melhor estado de espírito, mas também é verdade, tal como acima enunciado, que o trabalho remoto é mais propício à solidão.

O menor bem-estar dos mais jovens

A nível mundial, o bem-estar dos trabalhadores teve apenas uma ligeira descida – de 35% em 2023 para 34% este ano. O item de bem-estar da Gallup mede a avaliação global da vida, combinando uma auto-reflexão sobre o presente e o futuro. E, como já também enunciado, o declínio do bem-estar foi sentido pelos trabalhadores com menos de 35 anos.

A diferença de níveis de felicidade entre os jovens e os mais velhos estende-se à vida fora do trabalho. Este ano, o “Relatório sobre a Felicidade Mundial”, também produzido pela Gallup, concluiu que as pessoas nascidas antes de 1965 (baby boomers e os seus antecessores) tinham avaliações de vida cerca de um quarto de ponto mais elevadas do que aquelas nascidas depois de 1980 (Millennials e Geração Z).

Embora as clivagens geracionais sejam muitas vezes exageradas, esta divergência deve estar no radar dos líderes, alerta a Gallup. Dado que muitos líderes têm idades mais avançadas, é possível que não vejam o presente e o futuro da mesma forma que os seus empregados mais jovens. Há uma década, os trabalhadores mais jovens tinham uma avaliação da vida consistentemente mais elevada do que os trabalhadores mais velhos, o que faz pensar, por conseguinte, que esta diferença de perspectiva não é provavelmente um produto apenas de uma determinada fase de vida, com outros factores a ela associados.

Outra verdade é que funcionários prósperos alimentam um local de trabalho próspero e quando os funcionários estão com dificuldades, sentindo emoções negativas ou sentindo-se esgotados, a empresa também sofre e de forma significativa.

As métricas de bem-estar geral da Gallup medem a avaliação da vida monitorizando as “taxas” de prosperidade, de luta por uma existência melhor e de sofrimento entre os funcionários. Também são avaliadas as emoções negativas, o esgotamento e o quanto os funcionários acreditam que a sua organização se preocupa com o seu bem-estar. De acordo com os dados e a nível global, 34% dos trabalhadores sentem que estão a prosperar, 58% afirmam viver com dificuldades de ordem variada e 8% confessam estar em sofrimento.

No que respeita às emoções negativas, 21% dos trabalhadores auscultados sentem raiva, 22% consideram-se tristes, 38% mostram-se preocupados e 41% afirmam sofrer de stress.

O envolvimento com o trabalho

Naturalmente que nem todos os problemas de saúde mental estão relacionados com o trabalho, mas também é verdade que este constitui um factor significativo no que respeita às avaliações da vida e do quotidiano. E os resultados deste inquérito mostram que trabalhadores que não gostam do seu trabalho tendem a ter níveis mais elevados de stress e de preocupação diários, a par de sentirem mais fortemente as emoções negativas que, além do stress e da preocupação, incluem igualmente sentimentos de tristeza, raiva e solidão. Mais uma vez, o estudo revelou também que quem sofre de falta de motivação no trabalho sofre tanto ou mais do que aqueles que se encontram desempregados.

Assim e para os empregadores, abordar a saúde mental dos seus trabalhadores exige não só medidas de apoio para que estes prosperem na vida, mas, essencialmente, que se sintam mais envolvidos e comprometidos com o trabalho.

Os trabalhadores que se sentem activamente desligados – ou aqueles que se opõem aos objectivos do seu empregador – constituem 15% da força laboral. E, comparativamente com os demais, são muito mais propensos a não sentirem bem-estar, a terem menos probabilidades de se sentirem respeitados ou de sentirem algum tipo de prazer diário.

Por outro lado, mercados de trabalho mais pobres estão profundamente correlacionados com a falta de envolvimento dos trabalhadores. A análise da Gallup demonstra igualmente que melhores mercados de trabalho estão associados a menores níveis de não envolvimento.

Por seu turno, à medida que os líderes procuram reter e atrair talentos, torna-se fundamental que compreendam o sentimento dos trabalhadores relativamente ao clima que se vive na empresa e ter a percepção dos motivos que levam alguém a sair ou ingressar numa organização.

Os empregadores podem avaliar de que forma estes detalhes se relacionam com a sua própria cultura e criar estratégias para reduzir a rotatividade, atrair os melhores talentos e evitar que os seus melhores trabalhadores se afastem.

De sublinhar igualmente que, a nível global, 52% dos trabalhadores estão a pensar em sair das empresas que os acolhem e procurarem activamente um novo trabalho.

A Gallup analisou também os principais motivos que levaram os trabalhadores a mudar de emprego em 2023, sendo que o “Envolvimento e Cultura” é de longe o mais proeminente (41%), seguido do tema “Bem-estar e Equilíbrio entre vida pessoal e profissional” (28%). Em conjunto, estas duas áreas representam 69% do total de motivos pelos quais os trabalhadores deixaram o seu empregador no ano passado, quatro vezes mais em comparação com o número de pessoas que saíram para procurar melhores remunerações e benefícios.

Por fim e a nível global, o estudo da Gallup demonstrou uma dupla realidade vivida pelos gestores versus os trabalhadores que não têm responsabilidades de gestão.

Se por um lado, os gestores são mais propensos a estarem envolvidos com o seu trabalho e a prosperarem na vida, com salários mais elevados, maior status social, gozando do sentimento de que as suas opiniões contam, por outro, é mais provável que, comparativamente aos não-gestores, se sintam mais stressados, irritados, tristes e solitários. Ou seja, embora ser gestor tenha as suas vantagens, não significa que seja uma tarefa fácil, o que é comprovado pelos níveis mais elevados de emoções negativas que sentem, sendo os mesmos também mais propícios a desejarem deixar o seu emprego actual.

Assim, qualquer iniciativa para abordar problemas de saúde mental e bem-estar nas empresas deve reconhecer que os gestores não são imunes ao sofrimento e que, em muitos casos, são os que mais precisam de ajuda.


Europa e Portugal

Das várias regiões do mundo analisadas, a Europa (onde estão incluídos 38 países) tem a mais baixa percentagem de trabalhadores motivados e comprometidos com o seu trabalho, ao mesmo tempo que tem também a mais baixa percentagem de empregados que estão activamente à procura de emprego. É igualmente a segunda região do mundo com mais trabalhadores que sentem tristeza diariamente. Assim, 72% dos inquiridos afirmam não estar envolvidos com o seu trabalho (versus 62% a nível global), 16% assumem-se como activamente desligados (versus 15%) e apenas 13% sentem-se satisfeitos com aquilo que fazem a nível profissional (contra 23% a nível global).

Em termos de satisfação com a vida, 47% dos inquiridos dizem que estão a prosperar, 49% admitem estar a lutar por uma vida melhor e 4% confessam estar em sofrimento.

Quanto às emoções negativas, 37% afirmam sofrer de stress, 15% sentem raiva, 17% sentem tristeza e 14% sentem-se sós.

Já Portugal é o 16º país da Europa (em 38) que se sente motivado com o seu trabalho (19%) e o 28º onde os trabalhadores dizem estar a prosperar (38%).

No que respeita às emoções negativas, 44% dos inquiridos afirmam sentir stress diariamente (8º lugar no ranking dos países europeus), com apenas 8% a afirmar terem sentimentos de raiva (34ª lugar), 22% a sentirem tristeza diariamente (5ª posição entre os 38 países analisados) e 37% a afirmar que estão a pensar procurar outro emprego ou estão já a procurá-lo activamente (8ª posição). Números preocupantes, sem dúvida.

 Fonte: The State of Global Workplace: The Voice of the World’s Employees


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