No seguimento da conferência “A Voz dos Portugueses: Ethics at Work 2021” que teve lugar na Católica Porto Busines School e depois de apresentados os dados para Portugal, seguiu-se uma mesa redonda composta por representantes das quatro empresas patrocinadoras do Fórum, o qual foi moderado por Alberto de Castro, director do CEGEA. Se a convergência de opiniões relativamente ao que de “mais importante” foi revelado no estudo Ethics at Work 2021 não foi total entre os oradores do painel, existiu algo que definitivamente os uniu: a ideia de que as políticas de ética implementadas nas organizações têm de ser mais eficazes e que, para se alcançar uma cultura verdadeiramente ética, é necessário um envolvimento mais sério por parte da gestão de topo
POR HELENA OLIVEIRA

Em torno desta mesa-redonda intitulada “A voz de gestores: discussão e implicações do Estudo”, estiveram Steven Braekeveldt, CEO da AGEAS Portugal, Miguel Portela, General Manager da BIAL. Fernando Leite, Administrador-Delegado da LIPOR e Pedro Ribeiro, HR Director do SuperBock Group, os quais não só comentaram os resultados do estudo, como também transpuseram alguns dos dados principais recolhidos para as suas próprias empresas. O Ver destaca o essencial desta discussão, a qual pode ser igualmente ouvida na íntegra.

O (não) reporte de más práticas, pouco envolvimento da gestão de topo, a fraca liderança pelo exemplo e a corrupção

O moderador Alberto de Castro começou por perguntar aos oradores presentes qual o resultado que mais os tinha surpreendido, tanto positiva como negativamente e as respostas não foram, e ainda bem, completamente coincidentes. Se para Steven Braekeveldt o facto de 46% dos inquiridos não reportarem más práticas [Portugal posiciona-se em penúltimo lugar na lista global] constitui uma má notícia, para Fernando Leite a maior preocupação reside no pouco envolvimento da gestão de topo na conceptualização de tudo o que são as políticas de ética implementadas nas organizações, a par da fraca liderança pelo exemplo. Como afirma, “se nós, líderes de topo, não dermos a devida atenção e não aprofundarmos toda uma discussão sobre a ética e a sua implicação no próprio desenvolvimento do negócio, não é de surpreender que vejamos depois os resultados de todas estas más práticas”. Todavia, o administrador-delegado da Lipor sublinha também, tal como o CEO da AGEAS Portugal, que uma outra questão preocupante é o facto de tanto gestores como colaboradores terem conhecimento de situações não éticas e não as denunciarem.

Já Miguel Portela afirma a sua surpresa por apenas 4% dos inquiridos terem mencionado a corrupção e a fraude nas más condutas observadas, questionando se este resultado terá a ver com o facto de as pessoas já assumirem estas práticas como normais, ou seja, banalizando-as, ou se não têm mesmo conhecimento destes casos porque, e simplesmente, os mesmos não passam por elas. O General Manager da BIAL afirma ainda que a fraca posição de Portugal no estudo está relacionada com o facto de a ética acompanhar significativamente o desenvolvimento das empresas e que, ao nível empresarial e comparativamente aos demais países que integram o estudo (apesar de não ter conhecimento sobre o que se passa na África do Sul), Portugal está menos desenvolvido. Por seu turno, Fernando Leite considera igualmente a corrupção como “um problema que nos entristece enquanto país e que complica muito o trabalho que fazemos”, em particular porque “a Lipor é uma empresa pública (…) que trabalha com políticos e que tem de ter instituídos modelos de defesa contra a problemática da corrupção, sendo por isso uma área que é colocada na primeira linha das suas preocupações. Como afirma igualmente, “estamos há dois anos a trabalhar num programa que foi levado ao Conselho de Administração, e tentamos através da formação por entidades independentes, prepará-los para aquilo que pode ser a certificação segundo a norma de anticorrupção”.

Já Pedro Ribeiro assinala igualmente o nível de reporte de más condutas, sublinhando que este foi um dos poucos aspectos em que houve um decréscimo face ao inquérito de 2018. Na sua opinião, e para além de considerar que existe uma inércia visível que impede as pessoas de reportarem as situações duvidosas que encontram, “a verdade é que o sentimento dominante é o de uma descrença face às consequências daquilo que é averiguado no reporte e, por outro lado, existe também o sentimento de que pode haver alguma retaliação”, acrescentando ainda que mesmo que Portugal se posicione mais ou menos na média no que a esta temática diz respeito, a verdade é que, a seu ver, a percentagem dos inquiridos que revelaram sentir algum tipo de receio de retaliação (42%) é muito elevada.

Assim, e como resume o moderador, há que salientar pelo menos dois aspectos: por um lado, o que está relacionado com o baixo envolvimento das pessoas na eventual denúncia de situações com as quais não concordam eticamente, referido por Pedro Ribeiro e por Steven Braekeveldt e, por outro, o que o Fernando Leite e o Miguel Portela sublinharam no que respeita ao papel e à importância da gestão, não apenas pelo exemplo que deve dar, mas pela qualidade dos processos em geral. Assim, e avançando nos dados revelados pelo inquérito com alguns resultados insatisfatórios que incluem o facto de as pessoas reportarem pouco, de não serem muito empenhadas, a par de, e eventualmente, os líderes não conseguirem alcançar o propósito no sentido de serem um exemplo”, o moderador questionou os gestores presentes sobre o que acontece nas suas próprias empresas.

As estruturas hierárquicas, a proximidade e o diálogo e a mudança necessária do mindset das pessoas

O CEO da AGEAS Portugal, que começa por recordar que no último Índice de Corrupção Portugal desceu, e novamente, três posições, considera também que “num país em que as estruturas organizacionais são ainda muito hierárquicas, nas quais ainda usamos títulos medievais como “doutor” ou “engenheiro” (…) e não se estimula as pessoas a reportar convencidas de que se o fizerem haverá lugar a sanções (…), há que colocar a ênfase na abertura e na transparência”. Ou seja, e como acrescenta, quanto maior hierarquia existir, menos abertas e transparentes serão as organizações. Quanto à sua empresa, refere que tem o maior índice de satisfação de colaboradores de todo o Grupo AGEAS, com um conjunto de benefícios e canais abertos de comunicação, enfatizando contudo que o que mais importa é a relação muito estreita que existe entre todos os que fazem parte da sua organização, algo que deseja continuar a estimular.

Por seu turno, Fernando Leite, da LIPOR, destaca que, e no que respeita à gestão profissional da sua organização, a responsabilidade social foi sempre incluída na sua definição estratégica e considerada como um dos pilares mais importantes a desenvolver. Adicionalmente, “e porque a experiência nos ensinou bastante, temos um leque variado de canais de denúncia e canais de expressão. Foram ensaiadas as mais variadas vias para as pessoas se poderem exprimir, incluindo reuniões que eu próprio fiz durante um ano com todos os departamentos, num diálogo aberto, e onde notei que, de facto, a participação das pessoas não era muito intensa, porque obviamente estavam a expor-se”. O que Fernando Leite considera também de crucial importância para sanar conflitos que possam ocorrer e fazer as pessoas acreditar que vale a pena falar, reside no dar respostas. “Não podemos ter o problema nas nossas mãos durante muito tempo e as pessoas têm de saber que o assunto chega ao topo da hierarquia, e tem de ser o topo da hierarquia a responder da maneira mais apropriada, na medida em que existem situações em que as questões são mais privadas e outras que são mais gerais”, afirma ainda.

Miguel Portela, da Bial, que concorda com Steven Braekeveldt no que respeita ao facto de a proximidade ajudar sobremaneira a haver abertura para o diálogo e que, apesar de difícil, é possível mudar a cultura da organização, afirma ainda que, ao longo dos último anos, o Grupo tem feito um esforço de implementação de várias medidas – de que o SpeakUp Channel é apenas um exemplo – em conjunto com inquéritos de satisfação com uma aposta clara no feedback das suas pessoas, e ainda a implementação recente de almoços mensais com a comissão executiva.

Já Pedro Ribeiro, do Grupo Superbock que, como diz, sempre se regeu por padrões éticos bastante elevados, confirma igualmente o esforço que tem vindo a ser feito no sentido de uma evolução neste domínio. Como enuncia e na sua organização “existe uma comissão de ética, canais para as pessoas reportarem temas de não-conformidade ética, a par da possibilidade de esclarecimento e de aconselhamento e ainda um sistema de registo e reporting dos casos que vão acontecendo”. Contudo e como também confessa abertamente, e apesar de estas medidas parecerem muitas, não é possível afirmar “que estejamos na crista da onda em matéria de ética e que as pessoas livremente e de forma espontânea reportam as situações e acreditam na consequência daquilo que é analisado”. E, como acrescenta, se nos interrogarmos porquê, a conclusão é que estamos perante um tema cultural. “As pessoas, culturalmente, no seu mindset, ainda não atribuem aos temas da ética a gravidade relativa que conferem, por exemplo, aos temas de segurança, do compliance, etc.;”, declara. E, para mudar a cultura ética ou a percepção da cultura, o mindset das pessoas, numa organização, é preciso seleccionar e enviar às pessoas um conjunto de sinais que sejam alinhados, consistentes e intensos durante um período de tempo relativamente longo, e só assim é que conseguiremos a prazo mudar a forma de pensar e, consequentemente, a forma de as pessoas encararem estes temas”.

A fechar a mesa redonda, e depois de outros temas terem sido igualmente abordados, Alberto de Castro pediu aos gestores presentes no painel que partilhassem com a plateia um último comentário, não só sobre o estudo apresentado mas também sobre a reacção das organizações que representam à emergência do surto de Covid.

Há que continuar a evoluir no domínio da ética

Fernando Leite elegeu a questão da transparência no interior das organizações como uma das questões mais importantes para a criação de todo um perfil de actuação ética, acrescentando ainda que e desde 2019, a Lipor faz um relatório integrado onde a ética e a transparência têm já lugar. E como exemplo do elevado sentido ético que a sua empresa já tem, referiu “o tempo de pandemia” e o seu impacto nas três fábricas, que trabalham 24 horas sobre 24 horas, com 220 colaboradores directos e cerca de 300 indirectos e que nunca pararam. Como afirma, “a organização passou muitíssimo bem em 2020 e 2021, e vai também passar muito bem em 2022, porque o diálogo que foi feito com as áreas fabris e as áreas de suporte para desenvolver todos os esforços para que a organização nunca tivesse de parar foi fruto da transparência, do comungar dos problemas com os colaboradores e de lhes fazer sentir o que é importante e que, repito, faz parte da cultura da organização”.

O mesmo afirma Miguel Portela no que respeita à pandemia, sublinhando que é nos momentos mais difíceis que melhor se ausculta o ambiente das organizações, com a entreajuda entre todos a constituir um enorme orgulho para si. Adicionalmente, o General Manager da Bial tornou a enfatizar a necessidade de os portugueses terem de melhorar a sua forma de gestão.

Por fim, Pedro Ribeiro quis voltar a frisar a existência de uma percepção de gravidade relativa diferente entre a ética e outros temas, acreditando que o mesmo possa acontecer na sociedade. Como refere “as organizações acabam por ser o espelho das sociedades e vice-versa”. E como mensagem final, o HR Director do SuperBock Group diz acreditar que, “na sociedade, os temas da ética vão evoluir tal como têm evoluído algumas outras temáticas e que é provável que daqui por uns anos a própria sociedade penalize as empresas eticamente menos correctas e recompense aquelas que fizerem um melhor trabalho”. Todavia e para tal, sublinha que a principal quota-parte deste trabalho cabe às organizações, não se descurando, contudo o efeito que a sociedade pode ter e dando o exemplo que, hoje em dia, quando esta última pretende penalizar uma empresa por incumprimento de práticas ambientais, fá-lo. “Acho que a tendência poderá ser essa e compete às empresas, como se costuma dizer, arrepiar caminho e tratar de continuar a evoluir neste domínio da ética”, remata.

Editora Executiva