Quem o afirma são as coordenadoras do Fórum de Ética da Católica Porto Business School, Helena Gonçalves e Ana Roque que, numa entrevista conjunta ao VER, comentam os resultados de Portugal no estudo Ethics at Work. E, apesar de afirmarem que existem melhorias consideráveis no que respeita à cultura ética nas empresas nacionais, alertam para os muitos avanços que são ainda necessários para que a ética seja realmente “levada a sério” no panorama organizacional português
POR HELENA OLIVEIRA

Como surgiu a ideia de o Fórum de Ética da Católica Porto Business School se tornar National Partner do estudo Ethics at Work?

Helena Gonçalves (HG)

Há já alguns anos que seguíamos com interesse os resultados deste estudo por considerarmos que incluía aspectos fundamentais para a ética organizacional, tais como as más práticas mais frequentes, a razão para as cometer, a maior ou menor facilidade em reportar uma má prática, a existência dos diferentes instrumentos de gestão da ética, entre outros. E a determinada altura começámos a pensar que seria muito interessante Portugal poder comparar-se com os outros países que fazem parte do estudo.

Ana Roque (AR)

No fundo é exactamente o mesmo que defendemos para uma organização que pretenda desenvolver um programa de gestão da ética: é muito importante fazer um diagnóstico, perceber onde estamos para poder definir metas e desenhar uma estratégia para lá chegar. E isso é algo que este estudo permite fazer. E, uma vez que o Fórum de Ética tem como missão apoiar a gestão da ética nas organizações, fazia muito sentido que fosse o Fórum o National Partner do IBE (Institute of Business Ethics)

Este foi o segundo ano em que Portugal participou neste estudo internacional. Quais são as principais alterações que verificaram de 2018 para agora. Melhorámos?

HG – Melhorámos claramente no sistema formal que foi já fruto da directiva europeia sobre whistleblowers que acabou de ser transposta na Lei n.º 93/2021 sobre a protecção dos denunciantes e acreditamos que ainda vamos melhorar mais, nomeadamente no que diz respeito à implementação de canais de denúncia.

Basicamente podemos dizer que melhorámos em tudo o que tem a ver o desenvolvimento dos instrumentos que fazem parte de um programa de ética empresarial, seja ao nível da existência de códigos, linhas de apoio e denúncia e ainda na existência de formação. Melhorámos também em todos os aspectos relativos à exemplaridade das chefias apesar de, e em todos eles, nos mantermos sempre abaixo da média.

Todavia e apesar das melhorias que mencionam e do que foi possível observar dos resultados, Portugal aparece abaixo da média em vários indicadores, como por exemplo no que respeita à liderança ética. E, no Índice Ethics at work, Portugal tem mesmo o resultado mais baixo…

AR – O índice é uma novidade da edição de 2021 do estudo e é feito a partir de quatro perguntas relativamente às quais nós temos resultados abaixo da média.

Duas delas têm a ver com a liderança ética que, como já referimos, é um aspecto em que, estando Portugal a melhorar, não melhorou ainda suficientemente; outra tem a ver com a percepção de que quem tem más condutas não é responsabilizado pelos seus actos. Uma outra pergunta está relacionada com a coerência de todo o programa de gestão da ética, a percepção de que a organização actua de forma ética com todas as suas partes interessadas, ou seja, clientes, fornecedores, comunidade envolvente…

É o “fazer bem sem olhar a quem” que é algo muito importante para se aferir da robustez de um programa, do grau em que a ética está incorporada no dia-a-dia da empresa. Tornar claro, por exemplo, que a organização trata com respeito alguém que está numa posição de maior fragilidade (como um fornecedor) é uma mensagem muito poderosa.

Que estratégia recomendariam para melhorar estes resultados?

HG – Há aspectos que são mais fáceis de alterar e outros que são significativamente mais complicados. Como em tudo o que diz respeito à ética, o mais fácil é o que está menos relacionado com comportamentos. Por exemplo, dos quatro aspectos do índice anteriormente mencionado, o mais fácil de alterar é a percepção de que há consequências quando alguém não tem um comportamento ético.

Em Portugal são raras as empresas que publicam, ou que divulgam interna e externamente, relatórios de desempenho ético com o número de denúncias que foram feitas, sobre que assuntos, com que resultados. A existência de relatórios deste tipo é um factor fundamental para mudar esta percepção e para provar que as denúncias ou as sinalizações de más práticas têm consequências.

AR – Aliás, é importante referir que a falta de confiança no processo de gestão de denúncias é uma das principais razões para as pessoas não reportarem uma má prática. Há uma percepção, que aumenta com a idade, de que não acontece nada depois de uma denuncia e essa percepção poderia mudar com a implementação de um instrumento, neste caso um relatório.

Um aspecto que me despertou particular atenção no estudo foram as perguntas relativas a atropelos à ética considerados aceitáveis, quer em termos de conduta pessoal, quer em termos de conduta no negócio. Quais são as consequências da aceitação desses comportamentos?

AR – A consequência é que deixamos de ver essas práticas como más práticas, pois acabam por entrar na categoria “todos fazem”, num enquadramento de banalidade que lhes retira, de alguma forma, a conotação negativa. Há um racional que as justifica. É muito importante identificar quais as más práticas aceites em cada organização e que têm de ser mudadas. E isso tem acontecido de forma crescente. Por exemplo, há práticas relativamente ao ambiente que eram culturalmente aceites e que têm vindo a ser alteradas.

HG – Acho que é importante referir que muitas vezes continuamos a considerar a prática como não ética, mas o racional vai no sentido de nos desculparmos a nós próprios por a termos levado a cabo. E, neste caso, a desculpa pode estar no facto de se estar a cumprir ordens da chefia ou na questão da falta de tempo ou da pressão. É muito importante alertar para a responsabilidade individual e promover a saída destas práticas do ponto cego, da cegueira moral.

Uma última pergunta: caso uma empresa pretenda comparar o seu desempenho concreto relativamente a Portugal e aos países envolvidos no estudo de uma forma geral, como o pode fazer?

HG – Qualquer empresa pode aplicar internamente as perguntas do estudo. Nós (Católica Porto Business School) podemos dar apoio na aplicação e tratamento dos dados, mas cada empresa pode fazê-lo de forma autónoma. O nosso curso “Ética Empresarial: da Estratégia à Avaliação”, construído a partir da reflexão de muitos destes resultados, prevê a possibilidade de aplicação deste estudo à empresa de cada um dos inscritos.

O questionário pode ser aplicado tal e qual, mas o que fazemos habitualmente, e recomendamos, é uma abordagem mista, ou seja, a existência de algumas questões-chave exactamente iguais para permitir a comparação e outras questões adaptadas ao sector a que a organização pertence e até à própria organização.

AR – Esta adaptação é muito importante para que o questionário possa verdadeiramente ser útil na definição da estratégia. No fundo, uma vez adaptado, o questionário permite identificar os incentivos e pressões que levam internamente à existência de más práticas e o racional usado para as justificar, constituindo aspectos fundamentais para se poder trabalhar no desenvolvimento de uma cultura e um clima éticos.

Nota: Para saber mais visite o Fórum de Ética da Católica Porto Business School

Editora Executiva