Líderes que não desenvolverem uma mentalidade digital não serão capazes de gerir as suas organizações eficazmente. Se não encararmos a Inteligência Artificial como um colega de trabalho, um professor, um especialista e até mesmo como uma companhia, não saberemos movimentarmo-nos no mundo do amanhã. Se não dominarmos os cinco “superpoderes psicológicos” necessários para navegarmos nas águas turbulentas do mundo do trabalho, o mais provável é perdermos o pé. Três grandes temas desenvolvidos em três interessantes livros. Para líderes e liderados
POR HELENA OLIVEIRA
Por muito que nos queiramos esconder, não há como fugir. A automação, as novas formas de IA e a “mão” digital que está a tocar nos diferentes domínios da nossa vida, em particular no mundo trabalho, são realidades que não podemos ignorar se queremos acompanhar a mudança atrás da mudança a que nos estamos a habituar. Escolhemos três livros que reflectem sobre estas realidades e que poderão ajudar a fazer a travessia para o espaço virtual que, cada vez mais, se confunde com aquele que é real
The Digital Mindset (what It Really Takes To Thrive In The Age Of Data, Algorithms, And Ai)
Paul Leonardi e Tsedal Neeley
O crescimento exponencial da economia digital significa que os líderes que não desenvolverem uma mentalidade digital em breve deixarão de ser capazes de liderar as suas organizações de forma eficaz. Os líderes e aqueles que desejam prosperar nas organizações precisam de actualizar as suas competências e tornar-se alfabetizados digitalmente ou ficarão para trás.
Esta é a opinião de Tsedal Neeley, professora de administração de empresas na Harvard Business School, especialista em trabalho virtual e co-autora de “The Digital Mindset”. Neeley afirma também que a preocupação com a substituição dos humanos pelas máquinas não é relevante, alertando contudo para o facto de que “os humanos com conhecimento digital substituirão os humanos sem conhecimento digital”, afirmou em entrevista ao The Irish Times.
Como afirma também o outro autor do livor, Paul Leonardi, Professor de Gestão de Tecnologia na Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, “os executivos de topo não precisam de saber escrever código ou de se tornarem especialistas em tecnologia, mas precisam entender o suficiente para cumprir a “regra dos 30 por cento”. E o que é esta regra? Como explica, “descobrimos que se pode ser um cidadão competente no mundo digital se se tiver apenas cerca de 30% de fluência em certas áreas de computação, colaboração e mudança. Gosto da analogia de aprender uma língua estrangeira. A pesquisa mostra que é preciso conhecer cerca de 12.000 palavras para se dominar um idioma e se comunicar com fluência. Mas se você quiser apenas ser competente o suficiente para trabalhar com pessoas que falam um idioma diferente, precisará apenas de cerca de 4.000 palavras – cerca de 30% do total”, o que se aplica igualmente à alfabetização digital.
Adicionalmente, e como vivemos neste constante processo de transição, é extremamente importante que as empresas desenvolvam um espírito de experimentação e que obtenham feedback sobre o que funciona e o que não funciona. Para Paul Leonardi, “os líderes organizacionais devem ajudar os funcionários a desenvolver as habilidades necessárias para abraçar a mudança e criar uma cultura que seja receptiva à mesma”.
A professora de Harvard, por seu turno, alerta para o facto de já não ser possível sobreviver com baixos níveis de alfabetização em tecnologia digital. Os líderes precisam de compreender a linguagem digital no que respeita ao impacto que esta tem na estratégia, nos modelos operacionais, nos funcionários, na retenção e no recrutamento, nas partes interessadas, nos produtos e serviços – e se isso não acontecer, não será possível participar da transformação digital que está a ocorrer agora”.
Ou seja, as pessoas nos níveis mais elevados da gestão não podem construir estratégias para a mudança digital se não compreenderem as possibilidades e limitações que as ferramentas digitais trazem para a empresa. E as pessoas em todos os níveis hierárquicos usarão essas tecnologias digitais. Se não compreenderem como utilizar as ferramentas digitais e os dados que produzem para melhorar os processos de trabalho, as interações com os clientes, etc., a transformação digital nunca ocorrerá.
Para os autores do livro, existem três coisas realmente importantes que os líderes podem fazer para criar as culturas certas para a mudança digital. Primeiro, precisam de garantir que os funcionários compreendem como e porquê utilizar as novas tecnologias digitais. Em segundo lugar, precisam de trazer consigo os cépticos e deixá-los confortáveis com a ideia de que o sucesso na economia digital exige que os funcionários de todos os níveis tenham mentalidades digitais. Terceiro, precisam de proporcionar oportunidades de aprendizagem contínua para que os funcionários atualizem as suas competências e se sintam confortáveis em aplicá-las no contexto do trabalho em mudança.
Estes temas são notavelmente tratados no livro em causa e visam ajudar os leitores a preparar não só a sua carreira, mas também as próprias organizações que dirigem para um futuro que já começou e ao qual não se pode chegar “atrasado”.
Co-Intelligence: Living and Working with AI
Ethan Mollick
Ethan Mollick destaca-se como uma figura venerada na academia e no empreendedorismo, muito graças ao trabalho de inovação e reforma educacional a que se tem dedicado enquanto professor na prestigiada Wharton School of Business.
E é assim que tem início a introdução do seu livro, intitulada “Três noites sem dormir”: “Depois de algumas horas a usar sistemas generativos de IA, chegará um momento em que você perceberá que os Large Language Models (LLMs), a nova forma de IA que alimenta serviços como o ChatGPT, não agem como se espera que um computador aja. Em vez disso, eles agem mais como uma pessoa. Você percebe que está a interagir com algo novo, algo estranho, e que as coisas estão prestes a mudar. Você fica acordado, simultaneamente animado e nervoso, questionando-se: como será o meu trabalho? Que trabalho é que os meus filhos poderão fazer? Essa coisa está a pensar? Você volta ao seu computador a meio da noite e faz solicitações aparentemente impossíveis, apenas para ver a IA atendê-las. Você percebe que o mundo mudou de maneira fundamental e que ninguém pode realmente lhe dizer como será o futuro”.
Esta narrativa de abertura parece ser um pouco perturbadora, mas o livro de Ethan Mollick surge como um guia fundamental no agitado mundo do crescimento profissional e da integração da IA. Repleto de interessantes discernimentos, o livro prepara de forma ambiciosa o cenário para um futuro onde a IA não será apenas uma opção, mas um colaborador essencial para qualquer pessoa no local de trabalho.
De acordo com a visão de alguns especialistas que fizeram a recensão do livro, o trabalho de Mollick é ao mesmo tempo um manifesto e um guia prático para os líderes de hoje e de amanhã. Embora navegue suavemente com base no otimismo, não foge às águas turbulentas dos dilemas éticos e dos desafios práticos. Eis alguns dos mais importantes princípios defendidos no livro, a par de algumas “falhas” apontadas pelos críticos:
- “Convide sempre a IA para a mesa” parece uma solicitação e uma proclamação ousada. Os críticos aplaudem Mollick por defender uma postura proativa em relação à IA, apelando a uma parceria construída não por necessidade, mas por curiosidade e ambição. No entanto, alguns alertam contra a sua aceitação, excessivamente ampla, apontando o diabo nos detalhes, como as questões da privacidade, da ética e da segurança.
- “Seja o ‘Human-in-the-Loop’” serve para recordar de forma cabal o papel suplementar da IA relativamente ao engenho humano. Os críticos elogiam o princípio por enfatizar a supervisão ética e a criatividade humana. No entanto, sublinham o desafio iminente: como manter a mão no volante enquanto a IA corre em direção à autonomia?
- Em “Trate a IA como uma Pessoa”, a abordagem antropomórfica de Mollick é aclamada devido à sua estratégia de envolvimento inovadora, mas criticada por confundir potencialmente os limites entre ferramenta e “colega”, lembrando aos leitores a essência baseada em ferramentas da IA por trás das suas interações semelhantes às humanas.
- O princípio final, “Suponha que esta seja a pior IA que você já usou”, é aclamado pelo seu otimismo com visão de futuro. É visto como um catalisador para a melhoria e a aprendizagem contínuas, embora os críticos apelem a uma apreciação equilibrada das conquistas actuais da IA, no meio da procura dos avanços do amanhã.
Resumidamente, o livro pretende responder à questão primordial: o que é a IA?
E como escreve o autor no final da sua introdução, “Então vamos começar por aí, discutindo a tecnologia dos Large Language Models. Isso dar-nos-á uma base para pensar sobre como nós, enquanto seres humanos, podemos trabalhar melhor com estes sistemas. Depois disso, podemos mergulhar nas formas mediante as quais a IA pode mudar as nossas vidas, agindo como colega de trabalho, professor, especialista e até mesmo como companhia. Finalmente, reflectiremos sobre o que isso pode significar para nós e o que significa pensar em conjunto com uma mente alienígena”.
O convite parece, sem dúvida, ousado mas apetecível.
Gabriella Rosen Kellerman e Martin Seligman
Nos últimos anos, a toxicidade no local de trabalho, a volatilidade e a rotatividade impulsionada pela tecnologia têm vindo a ameaçar o bem-estar psicológico dos funcionários. Quando não conseguimos prosperar no trabalho, tanto o sucesso pessoal como a produtividade corporativa são prejudicados. À medida que nos encontramos à beira de algumas das mudanças económicas mais turbulentas da história, muitos de nós questionamo-nos como poderemos não só sobreviver, mas também prosperar nas nossas carreiras.
Gabriella Rosen Kellerman é médica, empreendedora e investigadora de bem-estar no local de trabalho enquanto Diretora de Inovação da BetterUp e Martin Seligman é professor da Universidade da Pensilvânia e fundador da Positive Psychology Network, sendo igualmente o ex-presidente da American Psychological Association.
Ou seja, os autores são cientistas experientes dedicados à ciência do bem-estar psicológico e pretendem preparar-nos para o mundo “cada vez mais controlado por máquinas”. Para além de analisarem o chamado futuro do trabalho e o que mudará no ambiente organizacional, escrevem igualmente sobre de que forma o futuro nos mudará a nós mesmos. Hellerman e Seligman “dissecam” o atual ambiente social e de trabalho e os desafios que todos enfrentamos, como a ameaça do desemprego, o stress, o isolamento social, os modelos de negócios que sofrem transformações ou chegam mesmo a desaparecer da noite para o dia, entre outros temas de crucial importância.
Todavia, os leitores devem estar cientes de que as competências mencionadas no livro para nos movermos “naturalmente” neste novo ambiente são difíceis de desenvolver de um dia para o outro, requerendo prática constante. Para os autores, os cinco “superpoderes psicológicos” que serão fundamentais para o local de trabalho do século XXI incluem a resiliência e capacidade cognitiva, o significado e a importância, o relacionamento rápido para construir apoio social, a criatividade e a inovação.
Talvez o mais importante seja mesmo a resiliência, que aqui salientamos, e cujos principais motores, de acordo com os autores, são constituídos pela regulação emocional, a agilidade cognitiva, o optimismo, a autoeficácia e auto-compaixão. Como escrevem no NextBigIdeaClub, resiliência é a capacidade de se recuperar das mudanças sem danos ou uma espécie de antifragilidade – a capacidade de nos fortalecermos a cada desafio que enfrentamos. Os autores fazem uma analogia da resiliência com o nosso sistema imunológico, projetado para se tornar mais robusto com cada vírus que detecta.
O que sublinham também é que prosperar no trabalho hoje não significa superar um único desafio mas, e ao invés, há que desenvolver proactivamente as nossas capacidades para superar todos aqueles que vão surgindo, mudança após mudança, após mudança.
Quanto aos motores mais importantes da resiliência, explicitam que a regulação emocional é a capacidade de gerir eficazmente as nossas emoções sem sermos controlados por elas, que devemos imaginar resultados positivos, que a autoeficácia significa o quão crentes somos na nossa capacidade de atingir os nossos objetivos e que para além de devermos ser cognitivamente ágeis, devemos sentir compaixão por nós mesmos. Todas estas características podem ser desenvolvidas, mas os autores sugerem que a maneira mais eficiente e eficaz de abordar o projeto de construção da resiliência é perceber em quais destes cinco motores já somos bons e em quais podemos investir.
Um outro tema do livro é dedicado à Conexão, um outro pilar do bem-estar, que está a sofrer revezes significativos. Como escrevem, “a conexão é o óleo que faz o motor da colaboração funcionar suavemente”, mas o problema é que o mundo do trabalho actual está a impor-lhe três barreiras fundamentais:
A primeira é o tempo: não temos o suficiente, ou pelo menos é assim que parece. As nossas equipas estão constantemente a desmembrar-se e a reformar-se e, no entanto, precisamos de trabalhar em conjunto da forma mais produtiva possível. A segunda barreira: são cada vez mais as pessoas a trabalhar remotamente, o que dificulta a conexão na medida em que estamos fisicamente desconectados. A terceira barreira é o que o neuro endocrinologista Robert Sapolsky chama de Nós/Eles. Os nossos cérebros registam todos os que encontramos como “nós” ou “eles”, o que dificulta a inclusão e a saudável cooperação.
Também a criatividade é tema sério no livro em causa. Como escrevem, “a automação significa que são cada vez mais as partes mecânicas de nossas funções que estão a ser assumidas por máquinas e o que resta aos humanos fazer é, portanto, serem inerentemente mais criativos”.
Segundo Hellerman e Seligman, as organizações bem-sucedidas aproveitarão cada funcionário, em todos os níveis, como um potencial inovador. A questão é como. Muitos de nós não nos identificamos como criativos ou não sabemos como inspirar a criatividade nas nossas equipas. E uma das formas para desenvolver a criatividade é através do que os autores denominam de “higiene da criatividade”, que consideram semelhante à higiene do sono. “O sono, assim como a criatividade, envolve processos não conscientes, o que significa que não é possível ordenarmo-nos a adormecer, assim como não podemos nos ordenar a ser criativos. Podemos, no entanto, organizar os nossos comportamentos conscientes para facilitar esses eventos não conscientes”.
As sugestões para melhorar a criatividade incluem “a busca pela novidade, o quebrar de rotinas, como por exemplo escolher um caminho diferente para se chegar a casa, optar por uma secção diferente da que estamos habituados a consultar numa livraria, sentarmo-nos ao lado de alguém novo na hora do almoço: é da rede de devaneios do nosso cérebro que são provenientes muitas das nossas melhores ideias. Quando procuramos novas experiências, fertilizamos o solo dessa rede para que ela possa gerar resultados mais ricos”, declaram. Adicionalmente, os autores sugerem também abraçar a ambiguidade em prol de uma maior criatividade. Como escrevem, “a incerteza obscura das fases iniciais do processo criativo pode parecer desconfortável para alguns de nós e o que queremos é encerrá-las o mais rápido possível. Mas quando ‘enganamos’ as partes divergentes da criatividade, estabelecemos um limite para o quão imaginativas as nossas soluções podem ser”. Assim, saiba que é normal sentir-se um pouco desconfortável com a ambiguidade, mas a verdade é que acabamos por nos acostumar e até gostar de a sentir.
Quanto aos líderes, os autores sublinham que estes têm de aumentar a confiança criativa das suas equipas, acreditando nas suas próprias capacidades para o fazer. “Acreditar nas nossas próprias habilidades criativas é chamado de autoeficácia criativa e, quanto esta maior for, maior será a qualidade dos nossos produtos criativos”, afirmam, acrescentando que enquanto líderes, deverão assinalar até mesmo pequenas inovações e reconhecer os membros da equipa que as criaram. “Quando fazemos isso, ajudamo-los a desenvolver a autoconfiança enquanto criativos, o que irá melhorar a qualidade da sua produção criativa”, acrescentam, rematando que a criatividade, tal como a resiliência e a conexão social podem ser cultivadas para melhor navegar nas águas turbulentas do trabalho na actualidade.
Imagem: Zack Walker/Unsplash.com
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