Quando falamos de bem-estar no local de trabalho, as discussões centram-se frequentemente no equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, horários flexíveis ou benefícios para a saúde mental. No entanto, um estudo inovador da Sapien Labs revela que a qualidade das nossas relações de trabalho, a par de um sentido de orgulho e propósito, tem um impacto muito maior no bem-estar mental do que se pensava anteriormente. Adicionalmente, é crucial compreender que criar uma cultura de trabalho saudável que dê prioridade ao bem-estar mental requer uma abordagem multifacetada
POR HELENA OLIVEIRA

“Fomos condicionados a pensar que existe uma separação entre o nosso trabalho e a nossa vida, implícita na expressão equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. Tal sugere que o trabalho é a parte transacional da vida, com o lado pessoal em casa e com os amigos, separado do local de trabalho. Em vez disso, o que descobrimos aqui é que a nossa vida profissional é tão pessoal como a nossa vida doméstica ou familiar. Por outras palavras, as relações e o significado que encontramos, ou deixamos de encontrar, no trabalho. são tão importantes para o nosso bem-estar mental como as nossas relações em casa”.

O estudo “Work Culture and Mental Wellbeing”, conduzido pela Sapiens Labs, uma organização que investiga o impacto da vida moderna na saúde mental, sediada nos EUA, revela informações essenciais sobre o impacto da dinâmica do local de trabalho na qualidade de vida psicológica. Publicado em 2024, o estudo baseia-se num conjunto de dados abrangente de 54.831 inquiridos em 65 países para avaliar os factores que influenciam o empenho, o bem-estar e os estados de stress dos trabalhadores no local de trabalho.

Este estudo exaustivo desafia a crença predominante de que o trabalho à distância promove inerentemente um melhor equilíbrio entre a vida profissional e pessoal e reduz o stress, sugerindo, em vez disso, que trabalhar num ambiente de escritório oferece benefícios significativos para a saúde mental.

Os resultados sublinham a extrema importância das relações no local de trabalho e de uma cultura de trabalho de apoio para melhorar o bem-estar mental. A investigação salienta que as pessoas que cultivam boas relações com os colegas e sentem orgulho no seu trabalho têm mais probabilidades de obter melhores resultados em termos de saúde mental. Inversamente, as más relações no local de trabalho foram associadas a graves problemas de saúde mental, incluindo sentimentos de tristeza, pouca energia e diminuição da motivação.

Além disso, o estudo postula que os espaços pessoais e profissionais estão interligados, indicando que a dinâmica do local de trabalho pode influenciar significativamente a saúde mental geral de um indivíduo. Tara Thiagarajan, neurocientista, fundadora da Sapiens Labs e uma das duas investigadoras do estudo, salienta o profundo impacto das ligações humanas tanto no contexto pessoal como no profissional, afirmando que sentir-se valorizado e incluído é vital para a sanidade mental.

As investigadoras analisaram a relação entre aspectos da estrutura do trabalho e o bem-estar mental, incluindo se o trabalho de uma pessoa é totalmente presencial, totalmente remoto ou híbrido; se trabalha sozinha ou em equipa; e que tipo de trabalho realiza. Os três resultados principais foram os seguintes:

Em primeiro lugar, as pessoas que trabalham totalmente à distância têm, em média, um pior bem-estar mental do que as que trabalham presencialmente. No entanto, as pessoas com um regime híbrido (apesar de uma minoria relativamente pequena) apresentavam o bem-estar mental mais elevado, ligeiramente melhor, em média, do que as que trabalham presencialmente (com exceção do Sul da Ásia, onde o trabalho totalmente presencial se apresentou como melhor do que o híbrido).

Especificamente, o estudo demonstra que os trabalhadores totalmente remotos são mais susceptíveis de ter sentimentos de tristeza ou desespero, episódios de confusão ou lentidão de pensamento, pensamentos estranhos ou obsessivos indesejados e sentimentos de distanciamento da realidade, em comparação com os que trabalham presencialmente ou em regime híbrido.

Em segundo lugar, as pessoas que trabalham em equipas apresentam um melhor bem-estar mental do que as que trabalham sozinhas, enquanto as que trabalham em equipas maiores, de 15 ou mais pessoas, se saem melhor do que as que trabalham em equipas mais pequenas. As melhorias com a dimensão da equipa foram particularmente proeminentes na América Latina e no Sul da Ásia, enquanto a América do Norte e a Europa apresentam aumentos menos significativos no bem-estar mental com o aumento da dimensão da equipa.

Em terceiro lugar, as pessoas que trabalham na área dos cuidados humanos (por exemplo, professores, médicos), na gestão de empresas ou em profissões do conhecimento têm o melhor desempenho, ao passo que as pessoas que trabalham em serviços de apoio ao cliente ou em trabalho físico têm o bem-estar mental mais baixo, seguidas das pessoas que trabalham em profissões técnicas/profissionais ou nas artes visuais ou performativas. A América Latina tem um padrão diferente em relação a outras regiões, com os que trabalham em profissões técnicas/profissionais a terem os melhores resultados e os que trabalham nas artes visuais ou do espetáculo os piores. A maior variabilidade entre regiões verificou-se nas artes visuais e do espetáculo.

Estrutura e cultura de trabalho

As diferenças no bem-estar mental em relação à estrutura do trabalho são significativas, mas são insignificantes quando comparadas com as diferenças em relação à cultura do trabalho. Neste caso, foi analisada a relação entre o bem-estar mental e os aspectos da cultura de trabalho ou a forma como as pessoas vivem o seu emprego. O Sapiens Lab identificou nove factores essenciais que influenciam o bem-estar mental no local de trabalho, classificados pelos participantes numa escala de 1 a 9, em que 9 era o mais positivo e 1 o mais negativo: controlo e flexibilidade em relação ao tempo; controlo e flexibilidade em relação ao trabalho; carga de trabalho; oportunidades de aprendizagem e crescimento; relação com o gestor/supervisor; relações com os colegas; sentir-se informado sobre o que se passa; ser valorizado e reconhecido e sentir orgulho e propósito no trabalho. O estudo defende que a abordagem adequada de todos estes elementos pode conduzir a um aumento do bem-estar mental e da produtividade, promovendo, em última análise, ambientes de trabalho mais saudáveis.

Todos os nove factores da cultura de trabalho foram significativamente correlacionados com o bem-estar mental.  Como já referido anteriormente, o estudo concluiu que a existência de relações fortes com os colegas e de um sentimento de orgulho e de propósito no trabalho são fundamentais para o bem-estar mental. Estes factores relacionais foram identificados como tendo um impacto mais substancial na saúde mental do que as considerações tradicionais inerentes ao “equilíbrio entre a vida profissional e a vida privada”, como o volume de trabalho e a flexibilidade. Os trabalhadores que relataram interações positivas com os seus pares e que sentiem uma ligação significativa com o seu trabalho apresentaram melhores indicadores de saúde mental.

Em contrapartida, no que respeita aos factores “equilíbrio entre a vida profissional e a vida privada”, carga de trabalho e flexibilidade, estes foram menos pontuados pelos inquiridos. Esta tendência agregada, no que diz respeito aos aspectos superiores e inferiores da cultura de trabalho, foi essencialmente a mesma, independentemente do tipo específico de emprego, do facto de a pessoa trabalhar à distância, presencialmente ou de forma híbrida, sozinha ou numa grande equipa, ou de ser mais jovem ou mais velha.

Embora os aspectos relacionais tenham assumido papeis principais, o estudo também observou, sem surpresa, que uma carga de trabalho excessiva afecta negativamente a saúde mental. As cargas de trabalho elevadas foram associadas a problemas como sono deficiente, diminuição da autoestima, apetite irregular, sentimentos de tristeza e desespero, problemas de saúde física e problemas cognitivos como confusão ou lentidão de pensamento.

Por último, em todo o mundo, apenas cerca de 50% dos inquiridos classificaram as relações entre colegas como muito boas (7-9), enquanto 55% classificaram o orgulho e o propósito como elevados. Por outro lado, 13% classificaram cada um destes factores como muito baixos (1-3).

A investigação também aponta para a importância da melhoria contínua dos programas de bem-estar no local de trabalho. O feedback regular dos colaboradores é essencial para identificar os pontos fortes e fracos do programa, garantindo que as iniciativas de bem-estar permanecem relevantes e eficazes ao longo do tempo.

Criar uma cultura de trabalho saudável que dê prioridade ao bem-estar mental requer uma abordagem multifacetada

A interação entre a cultura do trabalho e o bem-estar mental é cada vez mais reconhecida como um factor crucial na promoção de um ambiente de trabalho produtivo. Um aspeto significativo desta relação envolve a compreensão de como abordar as preocupações de saúde mental entre os funcionários, mantendo uma atmosfera de respeito e sem estigmas. O estudo sublinha a importância de associar as perguntas sobre a saúde mental a comportamentos observáveis relacionados com o trabalho, evitando suposições pessoais ou perguntas intrusivas que possam exacerbar o estigma, como perguntar diretamente se um funcionário está deprimido ou zangado.

A positividade tóxica, uma tendência em que os trabalhadores se sentem pressionados a manter uma fachada constante de felicidade, pode dificultar a comunicação aberta sobre questões de saúde mental. Este fenómeno pode levar a uma falta de autenticidade nas interações no local de trabalho, tornando mais difícil para os profissionais e gestores de RH identificarem as pessoas que lutam com problemas de saúde mental.

Consequentemente, o reconhecimento e a atenção a mudanças no comportamento dos funcionários – como alterações na aparência ou na participação em reuniões -, torna-se essencial para promover um ambiente de trabalho favorável.

Além disso, as práticas de comunicação eficazes desempenham um papel vital na manutenção do bem-estar mental no trabalho. O estabelecimento de conversas transparentes pode reduzir significativamente o stress e aumentar a moral dos trabalhadores. Os inquéritos indicam que uma má comunicação contribui para aumentar os níveis de stress, com mais de metade dos inquiridos a reconhecer que uma má comunicação afecta negativamente a sua experiência profissional.

Incentivar uma política de porta aberta permite aos empregados exprimirem os seus pensamentos sem medo, promovendo uma cultura em que o feedback é valorizado e ouvido. As reuniões e os controlos regulares são também componentes essenciais desta discussão. Servem como plataformas para enfrentar desafios, partilhar ideias e garantir que os empregados se sintam ligados ao seu trabalho e à sua equipa. Estas práticas não só aumentam a satisfação no trabalho, como também contribuem para uma cultura positiva no local de trabalho, o que, segundo a investigação, tem um impacto directo no desempenho e na retenção dos trabalhadores.

Além disso, o reconhecimento dos esforços e das realizações dos trabalhadores contribui para o bem-estar mental geral e para a satisfação no trabalho. Uma cultura que dá prioridade à apreciação e ao reconhecimento ajuda a afirmar o valor dos trabalhadores na organização, promovendo um sentimento de pertença e lealdade.

As empresas que implementam programas sólidos de reconhecimento dos trabalhadores tendem a registar melhorias na satisfação profissional e na moral geral do local de trabalho, reforçando a ligação entre o reconhecimento e o bem-estar mental

Em última análise, criar uma cultura de trabalho saudável que dê prioridade ao bem-estar mental requer uma abordagem multifacetada. Ao concentrar-se numa comunicação aberta, reconhecendo as contribuições dos funcionários e abordando a saúde mental de forma proactiva, as organizações podem cultivar um ambiente que não só aumenta a produtividade, mas também apoia o bem-estar holístico da sua força de trabalho.

Imagem: Marvin Meyer/Unsplash.com

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