POR HELENA OLIVEIRA
O tema pode ser considerado “enjoativo” para quem o escreve e para quem para o lê, já que continuam a abundar estudos, inquéritos, teorias e provas reais sobre a persistente desigualdade de oportunidades entre homens e mulheres no local de trabalho, sem que as boas notícias abundem. Mas a verdade é que por muito que se escreva, por muitos debates que se façam, por muitas evidências que comprovem que as organizações podem ser mais lucrativas se existirem mulheres nas suas posições de liderança, por muitos programas de “responsabilidade interna”que visam promover a paridade entre géneros ou até por novas leis que obrigam a não discriminar os salários no feminino, a esmagadora maioria das empresas não considera que a temática em causa constitua uma prioridade de negócio formal e muito menos uma estratégia de importância similar às demais que figuram na sua agenda.
Um novo estudo global denominado “Women, leadership and the priority paradox”, desenvolvido pelo IBM Institute for Business Value (IBV) em parceria com a Oxford Economics, que contou com a participação de 2300 executivos e profissionais em organizações de 10 indústrias e de nove regiões geográficas do mundo – e questionando o mesmo número de homens e mulheres – chegou à conclusão do costume, mas com algumas particularidades interessantes nos caminhos que percorreu para lá chegar. E vale toda a pena – pese embora o enjoo face a um tema que há muito já não deveria ser tema – reflectir sobre as suas principais conclusões.
Para salvar a velha história com o desfecho do costume, deste estudo “saiu” ainda um conjunto de empresas – apelidadas de “first movers” e representando 12% da amostra total – que, ao contrário das suas congéneres, está realmente a levar a sério a temática da igualdade no contexto laboral e, surpresa, a obter resultados muito positivos por terem transformado uma questão de inclusão e correcção política num tema imperativo e estratégico.
Mas e para já, e tendo em conta o universo alargado de organizações inquiridas, eis que surge o primeiro número incomodativo, apesar de não surpreendente: do universo total de inquiridos, apenas 18% das posições de topo são ocupadas por mulheres. À pergunta de sempre – porquê – o estudo responde a partir de três principais razões.
A primeira está relacionada com o facto de as organizações ainda não se terem rendido aos benefícios da igualdade de género na liderança, mesmo que exista material mais do que suficiente que comprova a sua correlação com o sucesso financeiro e com a vantagem competitiva.
A segunda é a que faz lembrar o bom e velho ditado de que “de boas intenções está o inferno cheio”, o que significa que as empresas continuam a aplicar uma abordagem “laissez-faire” no que respeita à diversidade, em vez de a tratar com um enfoque disciplinado. A maioria prevê, ao mesmo tempo que respira de alívio, que serão necessárias algumas gerações até que a paridade seja alcançada – logo, não é “problema nosso” -, com mais de três quartos dos respondentes a confessar (sem remorsos aparentes, diríamos) de que contribuir para o avanço das mulheres em funções de liderança não é tratado coo uma prioridade de negócio formal.
E a terceira e porque, pasme-se, os homens representam a maioria esmagadora de líderes seniores em todo o mundo, deve-se ao facto de as empresas subestimarem a dimensão do preconceito de género nos seus locais de trabalho. Ou seja, em vez de se aliarem às suas pares femininas nesta luta desigual, os homens “até” acreditam que o “problema” está a ser tratado com “razoabilidade” nas organizações em que trabalham.
Se somarmos 67% com 12%, concluí-se que 79% das organizações não considera a progressão de carreira das mulheres como uma prioridade
Escrevem os responsáveis pelo estudo que, ao embarcarem nesta cruzada, decidiram assumir (corajosa ou ingenuamente) que as empresas estavam a fazer do avanço das mulheres nas suas fileiras de topo uma prioridade estratégica. Essa hipótese não assentou na “bondade” organizacional, mas antes no aumento da narrativa das empresas sobre a sua vontade e compromisso face à igualdade no trabalho, na proliferação de programas “focados nas mulheres” que parecem abundar um pouco por todo o lado e na onda gigantesca de atenção conferida aos mesmos pelos media em conjunto com a “pressão” social que o tema acarreta.
Ora, e como se pode ler no estudo, “os resultados foram surpreendentes”, na medida em que a maioria das empresas não está a tratar da progressão de carreira das mulheres como uma prioridade formal. Se para 67% das organizações inquiridas até pode ser “encorajador” promover mais mulheres para posições de liderança – apesar de tal não constituir a tal prioridade formal – para outras 12%, este “pequeno detalhe” não está sequer no seu radar. Assim, basta fazer as contas. Claro está que e, mais uma vez, as empresas inquiridas afirmam ter “esse objectivo”, com muitas a terem implementado programas “bem-intencionados”.
Estereótipos estafados continuam a imperar
São 18 milhões os resultados decorrentes de uma pesquisa no Google sobre “liderança com equilíbrio nos géneros é boa para o negócio”. Um inquérito a 21,980 empresas cotadas na bolsa, em 91 países e conduzido pelo Peterson Institute for International Economics determinou que “a presença de mais líderes femininas em posições de topo na gestão corporativa correlaciona-se com um aumento da rentabilidade destas mesmas empresas”. Estes são dois exemplos oferecidos pelo IBV que comprovam que não é a falta de informação sobre os benefícios que as mulheres em posições de liderança podem trazer às empresas que impede as organizações de não se mostrarem convencidas dos mesmos. Aliás, quando as questionaram sobre esta correlação positiva entre mulheres e sucesso financeiro, 42% dos inquiridos foi incapaz de responder com um “sim” ou um “não” bem definido.
E porquê? Porque o peso dos estereótipos face à competência das mulheres em posições de liderança continua a ser muito mais pesado do que qualquer outro tipo de informação fidedigna que diga o contrário. Por exemplo, dois terços dos inquiridos continuam a assumir que a principal razão para não existirem mais mulheres em lugares de topo prende-se com o facto de estas terem uma probabilidade maior do que os homens para colocarem a família à frente da carreira. Ou, e melhor ainda, serem 58% aqueles que acreditam que são menos as mulheres do que os homens a querer assumir obrigações inerentes à liderança. E nem a cenoura de uma maior rentabilidade é suficiente para que haja uma mudança de mentalidades, enquanto se mantiverem os preconceitos tornados como verdades absolutas de que são as mulheres as responsáveis pela sua própria falta de progresso na escada empresarial.
Se não se admite o problema, então não existe problema (nem solução)
Apenas 27% dos respondentes do estudo afirmam que atingir a igualdade de género representa um desafio para as suas organizações. O que significa que a vasta maioria considera que assegurá-la não é uma preocupação em particular nas suas empresas, seja porque assumem que já estão a fazer um trabalho suficiente ou porque se ocorrer algum “caso em particular” podem resolvê-lo no momento. Tendo em conta que nenhuma destas respostas apresenta uma verdadeira plataforma para a mudança, mesmo quando as organizações admitem que nem perto estão de atingir a igualdade, os responsáveis pelo estudo concluem que, na verdade, existe pouca vontade por parte das empresas para uma defesa agressiva da igualdade de género na liderança neste momento.
E, sublinham, a mentalidade conta. E muito. Quando questionaram os participantes sobre o tempo que levará a que as suas indústrias exibam um nível igualitário de equilíbrio entre homens e mulheres em posições de topo, a resposta apontou para 54 anos, o equivalente a duas gerações no futuro. Ou, e por outras palavras, “essa é uma questão que não seremos nós a resolver”. Como alerta o estudo, os líderes seniores precisam de reconhecer, se a ideia for provocar a mudança nas empresas, de que forma é que estas percepções e esta abordagem não comprometida contribuem para uma cultura corporativa onde a desigualdade continua – e continuará – a persistir.
Homens consideram que, se fossem mulheres, a sua carreira não teria sido diferente
Os respondentes do estudo realizado pelo IBV estimam que apenas 18% dos seus cargos de topo sejam ocupados por mulheres, o que significa que os restantes 82% estão mas mãos dos homens. Assim, e dada esta enorme disparidade, não é abusivo afirmar que “quando falamos sobre o que é que as organizações estão dispostas a fazer pelo progresso das mulheres, estamos a falar do que os homens estão dispostos a fazer”, lê-se no estudo. E, mais grave ainda, apesar de os homens reconhecerem a existência da desigualdade, muitos não têm sequer a noção da forma como os seus próprios comportamentos contribuem para o “estado normal” das coisas.
O estudo incluiu também esta interessante e não muito habitual pergunta: “imagine que tivesse nascido mulher. Teria a sua carreira sido diferente?”. “Não”, responderam dois terços do entrevistados, “teria sido igual”. Ou e traduzindo, os homens entrevistados ignoram (ou fingem ignorar?) as dificuldades que teriam de enfrentar caso tivessem nascido mulheres. E se 65% dos executivos consideram igualmente que teriam sido promovidos para cargos de topo mesmo que tivessem nascido com o sexo oposto, existem ainda uns 15% adicionais que afirmam que até teria sido melhor [a carreira] caso nascessem mulheres. Por seu turno, a maioria das executivas entrevistadas afirma, sem dúvidas, que o género é de extrema importância. E apesar de estas (poucas) terem conseguido chegar a um nível de topo nas organizações em que trabalham, 60% afirmam que a sua progressão na carreira teria sido mais fácil se tivessem nascido homens.
Como sublinha o estudo, existe ainda uma evidência que consegue superar as demais em termos de surpresa no que respeita ao subestimar da profundidade do preconceito de género ilustrada por uma área facilmente mensurável como é a da compensação monetária. Globalmente, 68% dos homens entrevistados afirmam que a sua compensação seria a mesma, mesmo que pertencessem ao sexo oposto.
Daria vontade de rir, se o caso não fosse para chorar.
As nobres e raras excepções à regra
Como enunciado no início deste texto, da amostra total de organizações inquiridas, 12% designaram o progresso das mulheres como uma prioridade formal de negócio. De acordo com as suas declarações e na sua maioria, foi reportado que este subgrupo superou a concorrência em cada uma das seguintes quatro categorias: rentabilidade, crescimento de receitas, inovação e satisfação dos empregados. Assim, o que fazem de diferente estas denominadas “first movers” e que características principais partilham entre si?
Em primeiro lugar, levam a inclusão de géneros muito a sério, com 100% das mesmas a considerar o avançar das mulheres para posições de liderança como uma prioridade formal do negócio, sendo que apenas 9% das suas congéneres apresenta o mesmo foco. Em segundo, também 100% destas organizações “diferentes” são motivadas e acreditam genuinamente que as organizações com um equilíbrio entre homens e mulheres são mais bem-sucedidas financeiramente, o que acontece apenas em 38% das demais organizações inquiridas. Por último, mas não menos importante, é o facto de todas (100%) acreditarem também que é necessário continuarem a semear a mudança para atingirem o seu objectivo e a aceitarem responsabilidade pelas acções que tomarem.
Adicionalmente, o estudo dá a conhecer quatro hábitos partilhados entre as “first movers”, sublinhando que aquilo que mais as diferencia das demais organizações é a capacidade de reconhecerem os desafios únicos que, de forma desproporcional, impedem o progresso das mulheres e abordar o tema de forma a criar oportunidades iguais para todos.
- Planear o progresso de carreira de acordo com as necessidades das mulheres
As “first movers” reconhecem que as mulheres, e tradicionalmente, têm sido negligenciadas para assumirem posições de topo em parte devido aos seus compromissos familiares. Mas em vez de usarem esta realidade como uma desculpa para lhes negar as oportunidades devidas, providenciam, ao invés, planos de desenvolvimento de carreira que apoiam as exigências particulares e aspirações profissionais de cada uma delas. Ou seja, as “first movers” não embarcam no “jogo da culpa”, rejeitam os estereótipos negativos sobre a adequação das mulheres a cargos de topo ou a ideia de que é a falta de ambição a responsável por as manter no esquadrão da retaguarda.
- Utilizar as mesmas métricas de avaliação de performance para homens e mulheres e aplicá-las equitativamente
Será extremamente difícil assegurar as mesmas possibilidades de progressão face aos homens se as mulheres não forem avaliadas a partir dos mesmos critérios de performance que vigoram nas funções em que ocupam. Ou seja, as empresas precisam de ser transparentes sobre o que constitui uma boa performance com resultados que podem ser avaliados, em vez de esta assentar em crenças subjectivas sobre o contributo de cada trabalhador, as quais podem ser influenciadas por preconceitos conscientes ou não por parte de quem avalia. O estudo testou igualmente a ideia de que as mulheres são promovidas com base na sua performance, ao passo que os homens o são com base no seu potencial. Mais de 70% das “first movers” afirmam não ser este o caso nas suas empresas, com apenas 30% das demais organizações a admitirem este facto.
- As “first movers” oferecem a homens e mulheres as mesmas oportunidades de carreira
As empresas têm igualmente de fazer um esforço concertado para identificar as mulheres de elevado potencial exactamente da mesma forma como o fazem em relação aos homens. Estas organizações “diferentes” são praticamente unânimes a declarar que valorizam o contributo individual de homens e mulheres de forma equitativa. Não é uma questão de as promoverem simplesmente para preencherem uma quota, mas para ajudar a assegurar que todos os trabalhadores qualificados são reconhecidos igualmente pelo seu potencial e concretizações.
- As organizações “first movers” trabalham arduamente para criar uma cultura organizacional que “abraça” os estilos de liderança no feminino
Encorajar uma cultura organizacional de igualdade de género a todos os níveis consiste numa jornada multifacetada. Tal exige não só visão, mas também verdadeira acção e responsabilização. E tudo isto tem início no topo da organização, com os líderes seniores a mostarem vontade de incluir a diversidade de género na sua agenda estratégica, tal como fazem 81% das “first movers”. E significa também que os executivos devem, em toda a organização, desafiar regular e abertamente os comportamentos e linguagem preconceituosa, tal como fazem 86% das “first movers”, sendo que estas também se disponibilizam (78%) a conferir uma adequada responsabilização por parte da gestão sénior no que respeita ao desafio da igualdade utilizando métricas claras comparativamente às demais organizações (56%).
Editora Executiva