No seguimento do inquérito trienal desenvolvido em 13 países pelo IBE – Institute of Business Ethics – sobre o estado da ética no trabalho, e em parceria com o Fórum de Ética da Católica Porto Business School – que já em 2018 foi responsável pela inclusão de Portugal no mesmo, os resultados para 2021 no que respeita ao nosso país conseguem misturar boas com más notícias e dar ainda origem a alguns paradoxos. Por exemplo e se, por um lado, 84% dos portugueses consideram as organizações em que trabalham como honestas, por outro, são também dos que mais presenciam más condutas, com a agravante de, e entre todos os países auscultados, serem igualmente os que menos as reportam. O VER dá a conhecer, de seguida, os resultados do estudo “A Voz dos Portugueses”
POR HELENA OLIVEIRA

Dividido em quatro áreas– Cultura Organizacional, Programas de ética, Apoiar a incorporação da ética no dia-a-dia e Preocupações actuais e futuras–  o estudo do IBE Ethics at Work “A Voz dos Portugueses” desenvolvido com o apoio do Fórum de ética da Católica Porto Business School e cujos resultados foram recentemente divulgados, aponta alguns desafios e questões a serem  reflectidas no interior das organizações portuguesas.

Primeiro, as boas notícias: a honestidade praticada no dia-a-dia das empresas portuguesas surge como um excelente resultado (84%) e apesar de um ponto percentual abaixo comparativamente a 2018 e dois no que respeita à média dos 13 países auscultados; e o mesmo acontece com a aquiescência relativa às pequenas más práticas na empresa (seja utilizar a fotocopiadora para questões pessoais ou fingir que se está doente para faltar ao trabalho, entre outras), com os trabalhadores portugueses a considerarem estes comportamentos menos aceitáveis do que a média global.

O caso muda de figura quando a questão está relacionada com a observação de más condutas na empresa, seja por parte de colegas ou dos empregadores que tenham violado a lei ou as normas éticas. Neste campo, e ligeiramente acima da média (20%) dos demais países (18%), a verdade é que face a 2018 houve uma descida de 15%, factor que, e segundo a análise das coordenadoras, poderá ter sido influenciado pela Covid-19 (porque a generalidade dos trabalhadores se encontrava em casa), sendo igualmente visível nos outros países.

O problema adensa-se quando se avalia o reporte destas más práticas, seja junto da direcção ou através de algum mecanismo de denúncia, na medida em que o resultado continua a ficar muito aquém do desejável. Tendo como exemplo o ano de 2018 em que 51% dos trabalhadores portugueses que tinham observado más práticas éticas no local de trabalho foram capazes de as reportar, a percentagem desce para os 45% este ano, posicionando-se como uma das mais baixas dos países estudados (a média global é de 57%). Adicionalmente – e mais grave ainda – é o facto de os portugueses serem os que mais insatisfeitos se sentem quando essa má acção é reportada e nada acontece. O que, e de acordo com as coordenadoras do estudo, não está directamente ligado com receio de retaliações, mas sim com um enorme descrédito face à resposta – ou não-resposta – que a empresa poderá dar à denúncia em causa. Aliás, e depois de em 2011 os resultados face a esta questão estarem nos 54%, a percentagem desce, em 2021, para 45%, sendo que a média global dos países auscultados ascende aos 62%.

Não acontecer nada” é, assim, a principal razão para as pessoas não se darem sequer ao trabalho de reportar uma má prática ética, à qual se acrescenta também o facto de os portugueses serem aqueles que mais referem que a sua organização não tem nem linhas de SpeakUp ou mecanismos apropriados para o fazer.

Um outro ponto de reflexão está igualmente relacionado com mais um paradoxo existente nos dados referentes a Portugal. Se, por um lado os portugueses são os que mais consideram determinadas atitudes como inaceitáveis, quer do ponto de vista pessoal, quer do ponto de vista do negócio, também são, em simultâneo, os que mais assistem, pelo menos na Europa, a mais más práticas nas empresas em que trabalham. O problema – e é aqui está um paradoxo – é que estamos na cauda dos países que menos reportam essas más condutas. Ou seja, achamos inaceitável mas não reportamos.

O abuso de autoridade é o indicador número 1 reportado pelos portugueses no que respeita às más condutas observadas, o que também nos posiciona no primeiro lugar face aos demais países, seguido da declaração incorrecta do número de horas trabalhadas e de situações de bullying / assédio bem como de discriminação, com as mulheres a serem quem mais as refere. De sublinhar ainda nesta lista, e tal como chamam a atenção as coordenadoras do estudo, a fraca percentagem na observação da corrupção e da fraude (4%) que, apesar de poder ser explicada pela própria dificuldade na constatação da mesma, não significa que não exista. O que consiste noutro convite à reflexão.

No que respeita à pressão para comprometer a ética, não só ocupamos o topo, como obtivemos quase o dobro da percentagem global média (21% vs 11%), com as respostas justificadas ou com “a pressão do tempo” ou com “estava a cumprir ordens do meu patrão”. Quanto às pequenas irregularidades 34% dos inquiridos em Portugal, “pequenas violações das regras são inevitáveis num empresa moderna”,

Apesar de uma ligeira melhoria de dois pontos percentuais face aos resultados obtidos em 2011 (60%), Portugal continua na parte inferior da tabela no que respeita aos diversos programas de ética existentes no interior das empresas. No que a esta temática diz respeito e na qual se avaliam as normas escritas de conduta ética (por exemplo, um código de ética), os meios de reporte de incumprimentos de forma confidencial, a oferta de aconselhamento sobre a “boa” conduta no trabalho e ainda a formação sobre os princípios de actuação ética no local de trabalho, Portugal cresce em todos os indicadores – nomeadamente nos mecanismos de SpeakUp, no aconselhamento e na formação – mas continua a posicionar-se abaixo da média dos 13 países inquiridos.

E qual o estado de apoio aos colaboradores por parte das chefias? Nesta questão em concreto, Portugal não sai mal na fotografia, com os respondentes a afirmar que as suas chefias directas constituem um bom exemplo quando avaliadas relativamente ao seu comportamento profissional ético (63% vs 71% da média global), ao mesmo tempo que 61% dos inquiridos consideram que a alta direcção leva a ética “muito a sério”. Todavia ainda 30% aqueles que afirmam que as suas chefias directas recompensam funcionários que apresentam bons resultados, mesmo se estes adoptam práticas eticamente questionáveis.

O relatório integrou igualmente algumas questões que avaliam a relação fundamental entre a gestão e a ética propondo, ao mesmo tempo, algumas reflexões sobre esta temática, com as coordenadoras do estudo a sublinharem que quanto mais se sobe no nível hierárquico dos colaboradores menos se tem formação “formal” em ética, como se tal fosse um dado adquirido. E a verdade é que não é. A relação entre a ética e a gestão tem de ser continuamente analisada e debatida no interior das organizações.

Por outro lado, e no que respeita à exemplaridade das chefias, esta é mais destacada no sector privado e no 3º sector, ficando o sector público no que diz respeito à percepção das chefias enquanto promotoras da ética bem aquém do que seria desejável.

Mas e tendo em conta o 3º sector, que aparece bastante destacado em ambas as perguntas deste indicador e bem acima da média global – “A chefia directa explica a importância da honestidade” e “Questões de certo ou errado são discutidas nas reuniões de equipa “ , por outro lado é também aquele em que quase o dobro das pessoas acha aceitável usar o combustível da organização para uso próprio ou dizer que está doente para não ir trabalhar. Adicionalmente, é também no 3º sector que os empregados dizem ter sentido mais os diferentes tipos de más práticas, “com diferenças que chegam a rondar aos 20 pontos percentuais em aspectos como a quebra de confidencialidade na informação, falhas na segurança e mau uso da tecnologia”, comparativamente aos sectores privado e público. Mais um ponto de reflexão sugerido pelas coordenadoras, tendo em conta o peso dos maus salários na ética e o facto de as pessoas se sentirem bem ou mal tratadas no seu local de trabalho.

Também o custo das más condições de trabalho em termos de comportamento ético foi analisado no que respeita aos stakeholders externos, ficando Portugal abaixo da média global dos 13 países auscultados (69% vs 76%)

Por último, o estudo Ethics at Work quis igualmente saber a opinião dos inquiridos sobre o comportamento ético das suas organizações na resposta que estas últimas deram à pandemia, com Portugal a afirmar que este se manteve igual (53% vs 54% da média global), a par de uma melhoria registada por 35% dos respondentes e próxima da média global dos 13 países (37%).

Quanto a preocupações para o futuro, Portugal distingue-se, pela negativa, sendo “o país mais preocupado” relativamente a todas as questões elencadas, em particular sobre a discriminação e a utilização indevida da Inteligência artificial. Por outro lado, e de forma surpreendente, é o facto de que nem Portugal, nem a generalidade dos demais países, demonstrarem preocupação com por exemplo a vigilância no trabalho ou, o que é grave, com as novas competências necessárias para lidar com a digitalização e a implementação das novas tecnologias.


Portugal é o pior classificado no Índice Ethics at Work

Paralelamente ao estudo realizado pelo Institute of Business Ethics e pela primeira vez, foi igualmente criado um índice que avalia a percepção dos trabalhadores no que respeita à cultura vigente nos seus locais de trabalho e de que forma esta varia de país para país. Este índice foca-se apenas em quatro aspectos da cultura organizacional:

  • Capacidade dos gestores de linha em darem um bom exemplo de comportamento ético nos negócios;
  • Capacidade dos gestores seniores no que respeita a levar a ética a sério;
  • Capacidade das organizações para responsabilizar as pessoas quando estas violam regras éticas e,
  • Capacidade das organizações para agir responsavelmente em todas as suas práticas de negócio (com clientes, fornecedores, parceiros, etc.)

Apesar de o referido índice se concentrar apenas nestas quatro questões, a verdade é que todas elas são fundamentais para que exista uma cultura ética saudável nas organizações. E Portugal posiciona-se, nos 13 países analisados, em último lugar.

Assim e em suma, as empresas portuguesas têm obrigatoriamente que analisar, debater e actuar nas seguintes áreas: a alta direcção deverá levar a ética mais a sério; as chefias directas têm de ser “o bom exemplo” a seguir; tem de existir uma maior consistência no que respeita à actuação responsável em todas as práticas de negócio e, por fim, quando se quebram princípios e normas de actuação ética, tem de haver uma maior responsabilização.

Ou seja, as empresas portuguesas têm ainda um longo caminho a percorrer no que respeita à melhoria da sua cultura ética.

NOTA: Os resultados de Portugal foram divulgados na Católica Porto Business School, no âmbito da Conferência “A Voz dos Portugueses: Ethics at Work 2021” cuja gravação pode consultar aqui.

Editora Executiva