As conversas NEXT encerram este ciclo com um tema muito caro a quem nos lê: a ética. Os dois convidados, David Zamith e Luís Cunha, debatem o tema, admitindo a diferença de gerações e concordando genericamente com os traços desta sociedade pós-industrial que vivemos. A experiência e o trabalho na área da saúde entram em jogo para este conteúdo que vos apresentamos. A moderadora é, uma vez mais, Carmo Teixeira Diniz, encerrando o ano com chave de ouro. Regressamos em 2024, desejando a todos um Santo Natal e um Feliz Ano Novo
POR PEDRO COTRIM

Carmo Teixeira Diniz – Ética é o que fazemos quando mais ninguém está a ver?

Luís Cunha – Bem, falar em ética obrigou-me a ir ao dicionário. Fala-se de ética, mas o conceito é complicado. De acordo com as definições, a ética pertence à filosofia e fundamenta os valores da moral e do comportamento humano. A questão é provocadora: será a ética o que fazemos quando mais ninguém está a ver? Por oposição, será possível afirmar que só me preocupo com o que os outros vêem? Tenho de discordar. Vejo a ética como uma resposta às perguntas do «quem sou eu», «o que quero fazer com a minha vida», e, acima de tudo, quem é a pessoa em que me quero tornar quando a minha vida for mais madura. Em última análise, quem é a pessoa em que me quero tornar mais perto da morte? Será este o meu ponto de partida para a ética pessoal e para o dia-a-dia. Tem portanto de ser um processo planeado. Concordo com a frase nos termos em que é efectivamente quando ninguém nos está a ver que somos o que verdadeiramente somos, mas tudo o que eu faço tem de contribuir para aquilo que eu quero ser, estejam ou não a ver-me.

David Zamith – Na empresa, cultivámos esta cultura ao longo dos 73 anos de existência. Para nós, a nível empresarial, a ética entra na visão estratégica da empresa. Por exemplo, nós somos importadores de equipamentos e de matérias-primas para a indústria portuguesa, mas optámos por nunca trabalhar com o sector público. Facilitou-nos a implementação de uma ética comercial. Recebi essa cultura da primeira geração, a do meu sogro, e a terceira geração recebeu este legado e está a cumpri-lo.

Carmo Teixeira Diniz – David, pode falar-nos dos maiores desafios que já viveu? E de quais são os maiores desafios das empresas hoje em dia? Faço a mesma pergunta ao Luís.

David Zamith – Eu sou optimista e sempre achei que se fala demasiado da crise. A crise está presente desde o começo da empresa. Ao longo da carreira haverá altos e baixos, cabendo a cada um antecipar o que se vai passar. Claro que o momento presente é complicado, pois há inflação, guerra, juros, populismos e outros ingredientes. Do nosso lado, temos de impor regras de conduta dentro das empresas. Também devemos ser intervenientes na nossa prática do dia-a-dia. Por exemplo, em 1970 tínhamos uma economia paralela de 9.3%; em 2009 passou para 24,2%; no ano passado, e de acordo com a Faculdade de Economia do Porto, subiu para 35% – 82 mil milhões de euros, equivalente a seis orçamentos do SNS. É pouco mencionado e cabe a todos, à ACEGE, aos empresários, tomar posições públicas sobre este drama, inexistente noutros sítios. Os valores da Economia Não Registada apenas são possíveis devido ao excesso de carga fiscal, que não permite que o país cresça, e em não crescendo, não cria boas condições de trabalho, com bons ordenados e uma boa situação de equilíbrio família/trabalho.

Luís Cunha – Concordo com as afirmações do David. Em relação à saúde, há a perspectiva macro, que o que está a suceder é resultado de uma sociedade envelhecida, em que a doença crónica é muito prevalente e em que os custos são grandes, tanto pela carga de doença como pelos custos da tecnologia. Um dos desafios para as empresas na área da saúde será acompanhar esta situação. Há riscos nesta tecnologia e nestas características demográficas. Há também a eutanásia, em que já existe a capacidade de acabar com a vida de uma forma muito mais pacífica e perceber em que ponto é que a sociedade que eu quero deixar se coaduna com esta possibilidade. Nós, membros da ACEGE, empresários, responsáveis da área da saúde, podemos fazer muito a favor da vida. Há ainda a questão do transumanismo, em que se enfatiza a tecnologia para aumentar as capacidades humanas para lá daquilo que é humano. No fundo, o Homem a querer ser Deus. Aumentar a inteligência ou vir a ser imortal são exemplos recorrentes desta corrente. Importa deixar claro quais são os limites da vida humana e a saúde tem agora estes desafios. Há ainda a gestão de uma instituição de saúde, sejam os pacientes ou os profissionais. De que forma se conseguem aplicar os valores e as virtudes cristãs numa empresa e em todas estas pessoas?

Carmo Teixeira Diniz – Acreditas que corremos o risco de viver com pouca verdade a ética pessoal e a ética profissional?

Luís Cunha – Esse risco existe sempre. Se há liberdade, podemos usar mal essa liberdade. Esse risco é agora alavancado por esta ausência clara do que é o bem e do que é o mal. O risco existe quando o ponto de mira está desfocado. Vivemos agora numa sociedade relativista em que cada um defende o que quer, parecendo não haver reflexão, nem em termos pessoais nem em termos de sociedade, do caminho que estamos a tomar. Há o risco de separar o trabalho da parte pessoas, mas nós, enquanto cristãos, teremos de ser pessoas de uma peça só, tomando decisões ordenadas e coerentes.

David Zamith – Assino por baixo o que diz o Luís. Por estar ligado à indústria há mais de 50 anos, tenho vindo a assistir a tudo, agora com a indústria 4.0, ligada à inteligência artificial. O Luís mencionou o envelhecimento demográfico. Contudo, não existe apenas em Portugal, existe em toda a Europa e nos Estados Unidos. Não é por acaso que acontece esta revolução digital. A IA é uma solução que cresce, na indústria da saúde e na hospitalar, para solucionar o problema da falta de mão-de-obra. Para solucionarmos o nosso problema demográfico, ou abrimos as portas à imigração ou aplicamos a automação nos sectores em que for possível. A mão-de-obra será sempre necessária para tratar as máquinas. Os trabalhadores não serão os da Revolução Industrial anterior, mas serão sem dúvida trabalhadores no sentido rigoroso do termo.

Carmo Teixeira Diniz – E, David, em aproveitando a sua experiência de trabalho, quer partilhar connosco alguma situação particular destes anos?

David Zamith – Entrei realmente na empresa em Janeiro de 1973, e logo com a primeira crise do petróleo. Quando falamos em ética, não podemos dissociar a ética pessoal da profissional. Também não a podemos dissociar da política. Não se pode dizer, como ouvimos tantas vezes agora, «à política o que é da política, à justiça o que é da justiça». Não se pode fazer esta salada de frutas. Gostava de referir os benefícios que a ACEGE trouxe à nossa empresa. Vejo aqui nos participantes o António Sarsfield, que é que é da geração UCIDT. Foi em Fátima numa numa assembleia- geral extraordinária assembleia presidida pelo fundador da minha empresa, o senhor Ruy de Lacerda. Foi na altura alterado o nome para ACEGE, com a presidência do Dr. João Alberto Pinto Basto, que creio também presente por zoom. Recebi o legado de um homem que defendia os valores cristãos e portanto foi uma passagem fácil para mim; já na minha geração, refiro a ajuda que a ACEGE deu à nossa empresa, no sentido de implementarmos o compromisso pagamento pontual. Com a crise do Lehmann Brothers não foi fácil obter crédito internacional. Como importadores, recebemos mercadorias e temos crédito dos nossos fornecedores. Ao comunicar-lhes de que tínhamos assinado um comisso pagamento pontual, nunca tive qualquer problema de acesso ao crédito. A política de conciliação trabalho e família que fomos implementando dentro da empresa, participando em vários colóquios e seminários da fundação Mais Família, concedeu-nos a certificação de empresa familiarmente responsável (EFR), e terminámos o ano passado com a elaboração do código de governo interno ESG. Como dizem os anglo-saxónicos, somos a favor dos três «P»: o People em primeiro, lugar o Profit em segundo lugar e o Planet em terceiro.

Carmo Teixeira Diniz – Gostaria de pegar no que no que o David acabou de partilhar connosco, aproveitando para abordar o que se passa no país. Com tudo o que vivemos, com escândalos constantes nas mais altas esferas da sociedade – classe empresarial, na política e na justiça –quais são as mudanças que Portugal tem de implementar para que haja esta conformidade de ética?

Luís Cunha – Parece-me que o ponto de partida é sempre o homem, sempre cada um de nós, e portanto não haverá mudanças «de interruptor»: não é é uma lei que vai de repente tornar o país hiper ético e sem corrupção. Tem de se fazer crescer o homem para que o homem seja mais justo, mais prudente, mais correcto, menos corrupto e mais honesto. A mudança é a partir de dentro. A mudança cultural é talvez o mais importante, é aquela que que vem de dentro, e a cultura é aquilo que também constrói um bocadinho o desejo do homem. Será sempre um ponto de partida para esta para esta transformação. Não me parece que o caminho legal seja um caminho. Obviamente que a lei tem de ser tem de ser clara e que tem de ser dirigida aos problemas do país, mas a lei existe depois da ética. A lei existe para corrigir para corrigir os costumes e para e para punir quem não quem não os cumpre. O desafio para nós, cristãos, é ainda maior porque temos este mandado de Cristo, de ir a todos os caminhos e evangelizar todas as pessoas. Não é uma evangelização de ir de caravelas para os outros países. É uma evangelização de para um a um, na família, na empresa equipa, de ir criando pequenos faróis no nosso mundo empresarial, como é o caso da empresa do David. As que vão criando pilares, seja pela responsabilidade social, seja pelos pelas pelos códigos de Conduta seja pela por todo tema da conciliação vida de trabalho que vão criando aqui há linhas e sinais para onde os colaboradores podem ir e que podem influenciar efectivamente a sociedade.

David Zamith – Acho que já foi quase tudo dito e pelo Luís: onde o homem entra, é complicado. Acho que a grande aposta terá de ser feita nas escolas. Já vimos o trabalho ambiental, pois passámos de um país sujo com beatas no chão e papéis por todo lado para um país quase limpo. A aposta foi no ambiente e as crianças é que levaram para casa a mensagem. O tema da ética, o tema dos valores e o tema da corrupção terão de passar também para a escola.

Carmo Teixeira Diniz – agradeço aos dois a e a todos os nossos participantes. Ficamos com estas reflexões e a todos desejamos um Santo Natal e um Próspero Ano Novo.

David Zamith

Natural do Porto onde estudou, iniciou em 1971 a sua actividade profissional na área comercial de vendas de equipamentos para a indústria gráfica.  Em 1973 ingressou nos órgãos sociais da Ruy de Lacerda & Cª, Lda. na área de vendas, onde permaneceu e assumiu diversas funções como SócioGerente, responsável pela Direção Comercial, Marketing & Vendas, CEO e Presidente, sendo actualmente Chairman da mesma empresa.

A Ruy de Lacerda  & Cª, Lda. é uma empresa familiar com sede em Matosinhos, com 73 anos de atividade e que prossegue na 3ª geração familiar-profissional.  David Zamith promove na sua empresa iniciativas promovidas pela ACEGE: é uma EFR-Empresa Familiarmente Responsável, assinou o Compromisso de Pagamento Pontual e elaborou o seu Código de Governo (ESG).

Luis Cunha

Cresceu numa família de raízes cristãs, mas foi na idade adulta que se encontrou com Deus. Cresceu no Colégio Militar onde entendeu o conceito de bem comum e de amizade.

É gestor, trabalha na saúde há mais de 14 anos. Estudou em Lisboa, é licenciado em Enfermagem, onde exerceu durante 6 anos enfermagem em serviços de urgência. Concluiu um MBA e a Especialização em Administração Hospitalar e em 2015 começou uma carreira de gestão na Saúde.

Vive no Porto desde 2018, é casado e tem 3 filhos.

O Luís acredita que a vida tem de ser única, sem concessões a dualidades nem ambiguidades. Diariamente procura responder à questão «Que queres de mim, hoje e agora?»