POR MÁRIA POMBO
Se é verdade que, actualmente, o talento é considerado um dos mais importantes factores de crescimento económico e de competitividade, se o mesmo é essencial para que sejam criadas economias inclusivas e se este não escolhe género, classes sociais, cor de pele ou idade, continuamos a perguntar por que motivo é que a igualdade entre homens e mulheres continua a não existir, seja em economias em desenvolvimento como nas desenvolvidas. Por que é que as mulheres não têm, de facto, os mesmos direitos que os homens, quando não têm nada de inferior relativamente a eles?
Abordar a igualdade de género é tão importante quanto ingrato, já que as ideias começam, e infeliz e absurdamente, a ser repetidas, mas a verdade é que o progresso – esse conceito tão desejado – continua a ser uma miragem quando se fala de um assunto desta natureza. Contudo, é necessário continuar a falar e a promover o debate. É que de acordo com a mais recente edição do Relatório Global sobre a Igualdade de Género, apresentado pelo Fórum Económico Mundial (FEM), 2017 está a ser um ano de estagnação no que ao alcance da paridade de género diz respeito, numa década em que as melhorias foram notórias.
O progresso existiu em diversos países, e em áreas como a saúde e a educação, mas de acordo com as expectativas actuais, a igualdade entre homens e mulheres só será atingida daqui a um século, nos 106 países analisados desde 2006 (ano em que o índice do FEM começou a ser realizado), o que revela um retrocesso face ao ano anterior, em que se esperava que este fenómeno fosse alcançado num período de 83 anos. A desigualdade de género no local de trabalho é particularmente significativa e as expectativas indicam que, neste campo, só daqui a 217 anos é que não vão existir diferenças entre homens e mulheres. Contudo, a boa notícia é que a igualdade na educação poderá ser alcançada já nos próximos 13 anos.
De acordo com o documento, a igualdade de género encontra-se nos 68%, o que significa que existem ainda 32% de desigualdade que necessitam de ser mitigados. Em média, os 144 países analisados pelo FEM alcançaram 96% de igualdade entre homens e mulheres em termos de saúde (mantendo-se nos mesmos níveis do ano passado, mas com piores resultados face à primeira edição do estudo), sendo que a educação alcançou os 95% de paridade. A igualdade em termos de participação económica foi de apenas 58%, sendo que é na política que, com apenas 23% de igualdade, as mulheres estão menos representadas.
Apesar dos resultados aparentemente “positivos”, é em termos regionais que se notam as principais diferenças. Dos 142 países analisados em 2016 e 2017 (Fiji e Myanmar só entraram este ano), 82 melhoraram a sua performance em termos de igualdade de género, ao passo que 60 regrediram. Os dados deste ano revelam ainda que a igualdade pode ser alcançada dentro de 61 anos na Europa Ocidental, 62 anos no Sul da Ásia, 79 anos na América Latina e no Caribe, 102 anos na África Subsaariana, 128 anos na Europa Oriental e Ásia Central, 157 anos no Médio Oriente e Norte da África, 161 anos na Ásia Oriental e no Pacífico e, pasme-se, 168 anos na América do Norte.
Pela nona vez consecutiva, Islândia lidera a igualdade de género
Com uma média de 87,8% de igualdade, a Islândia lidera o ranking, seguindo-se a Noruega (com 83%) e a Finlândia (com 82,3%). Estes resultados revelam, sem surpresa, que os países da Europa Ocidental, principalmente os nórdicos, são os que mais promovem a igualdade de género. Pela nona vez consecutiva, a Islândia lidera esta tabela, sendo também a nação que apresenta a maior percentagem de mulheres na política (75%). Todavia, e face ao ano passado, a participação de mulheres na vida económica diminuiu ligeiramente. Ainda assim, e com uma melhoria de 10% face aos resultados apurados em 2006, este país é um dos poucos em que a igualdade de género tem aumentado mais rapidamente.
Entre os dois restantes países que ocupam este pódio, as diferenças são muito poucas, sendo que a participação política melhorou na Noruega e piorou ligeiramente na Finlândia, o que justificou esta ligeira diferença de percentagens. Importa ainda salientar que em todos os aspectos apurados, excepto na política, a Noruega apresenta resultados ligeiramente melhores do que os da Islândia e que, em termos de educação, a Finlândia apresenta 100% de paridade de género (percentagem que é, de resto, partilhada por mais 25 nações).
No pólo oposto encontra-se o Iémen (que, com apenas 51,6% é o país em que se sente a maior desigualdade entre homens e mulheres), seguindo-se o Paquistão (com 54,5%) e a Síria (com 56,8%). Pertencendo à região do Norte de África e Médio Oriente (no caso do Iémen e da Síria) e à zona sul da Ásia, estas nações apresentam baixas taxas de igualdade de género particularmente em termos de participação na vida económica, sendo praticamente nula (de 0,14% no caso do Iémen, de 1,3% no Paquistão e de 0,6% na Síria) a presença de mulheres na política. A boa notícia é que as três nações apresentam taxas superiores a 94% em termos de igualdade de género no acesso a cuidados de saúde.
Obviamente que referir que existe igualdade de género é bastante positivo, mas isso não significa que estes países ofereçam aos seus cidadãos (mulheres e homens) bons serviços (nomeadamente em termos de saúde). Todos sabemos que estas nações têm sido bastante afectadas por conflitos sangrentos e que as suas preocupações, mais do que promover a igualdade de género, serão certamente garantir a sobrevivência dos seus habitantes.
Ocupando a 33ª posição entre os 144 apurados, Portugal apresenta uma taxa de igualdade de género na ordem dos 73,4%. Comparando com a primeira edição do ranking do FEM, em 2006, Portugal mantém-se na mesma posição, apesar de apresentar ligeiras melhorias em todos os aspectos apurados. Importa, contudo sublinhar que o País revela progressos no que respeita à participação na economia, pese embora exista uma ligeira diminuição da igualdade no campo da saúde.
Com 99,2%, a igualdade de género no acesso à educação é a prova de que o País tem feito esforços para mitigar as desigualdades, tanto neste campo como no da saúde, cuja taxa chegou, este ano, aos 97,7%. Piores resultados tiveram as duas restantes dimensões: em termos de participação económica, Portugal garante apenas 73% de paridade entre homens e mulheres, sendo que igualdade em termos de participação na vida política não ultrapassa os 24%.
Em termos económicos, a participação feminina no meio laboral é bastante elevada (91,1%), mas a igualdade salarial para trabalhos semelhantes continua a ser uma miragem no nosso país (69,4%), sendo igualmente reduzida (55,9%) a presença de mulheres em cargos superiores e de gestão. Do ponto de vista do poder político a situação é ainda mais desastrosa, com a presença feminina em cargos ministeriais a não ultrapassar os 28,6%.
A educação é uma das áreas de que nos podemos orgulhar, já que a taxa de igualdade em termos de literacia ultrapassa os 96% e, no que respeita ao ingresso no ensino (básico, secundário e superior), a percentagem é de 100%. Do ponto de vista da saúde, os resultados também são bastante satisfatórios, sendo que a esperança média de vida das mulheres continua a ser superior à dos homens.
Embora, no geral, a educação tenha obtido resultados positivos a nível global, a verdade é que este é um sector onde subsistem inúmeras desigualdades. Se é verdade que o acesso das mulheres aos diferentes níveis de ensino é uma realidade – e ainda bem – na maioria dos países, o preconceito que ainda existe em torno das áreas de especialização de homens e mulheres não deixa ninguém indiferente.
Deste modo, e de acordo com o mesmo documento, os homens tendem a estar sub-representados em cursos e profissões ligados à educação e saúde, e as mulheres, por sua vez, têm uma participação bastante reduzida nas engenharias, nas TIC e nas profissões ligadas à construção e à manufactura.
Um artigo, também ele produzido pelo FEM, revela que, só nos Estados Unidos, as mulheres representam menos de 25% da força de trabalho nas áreas STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics). Infelizmente, esta é a realidade da maioria dos países.
E se sabemos que as mulheres têm as mesmas capacidades que os homens, quais são então os motivos que originam esta discrepância? Para os autores do artigo, as razões passam pela falta de encorajamento e até pelo próprio desencorajamento que é feito, junto das mulheres, no momento de escolherem uma profissão, sendo que a existência de bullying e pressão negativa por parte de colegas de profissão é outro motivo apresentado.
Com tantos estudos – que não deveriam ser necessários – que comprovam que as mulheres não são inferiores aos homens, é incompreensível que, em 2017, esta seja a realidade mundial. E o que ainda está por compreender é por que motivo existe este estigma em torno de áreas como as STEM, que estão a crescer, que têm óptimos níveis de empregabilidade, onde existe falta de mão-de-obra, onde as profissões são normalmente bem pagas, e que têm inúmeros benefícios, já que é através delas que, supostamente, se poderão resolver muitos dos problemas a nível mundial (como as alterações climáticas).
O que ainda está por compreender é como é que, em pleno Século XXI e com tanta informação e com tantas estratégias que já foram, aparentemente, postas em prática, o facto de se ser mulher pode ser um factor impeditivo para que se ocupe um qualquer cargo de chefia, ou outro qualquer, numa empresa ou na política. O que ainda está por compreender é como é que, ao fim de uma década a analisar a igualdade de género em mais de cem países, ao invés de progressos, o que se verifica é uma estagnação e um retrocesso.
O que ainda está por compreender é como é que, depois de todas as estatísticas que indicam que a diversidade é benéfica para as empresas e que a economia de cada país só tem a ganhar com ela, ainda existem tantas portas fechadas a tantas mulheres, só pelo facto de serem mulheres.
E incompreensível é mesmo o facto de ser ainda necessário um século para que seja alcançada a igualdade entre mulheres e homens, verificando-se um verdadeiro retrocesso face aos (já por si inacreditáveis) 83 anos apurados na edição do ano passado.
Jornalista