O projecto “Casas Primeiro”, que devolve a pessoas com doença mental em situação de sem-abrigo o direito a uma habitação condigna e estável, foi distinguido este ano com o Prémio Gulbenkian, em “reconhecimento do trabalho desenvolvido”. Este programa que, em perto de dois anos, retirou da rua cerca de 65 pessoas, alojando-as em apartamentos em Lisboa, é dinamizado pela AEIPS, uma organização que promove há 25 anos a integração social destas pessoas, através de valências tão importantes como a educação, o empowerment ou o acesso ao mercado de trabalho
A AEIPS – Associação para o Estudo e Integração Psicossocial implementou o projecto “Casas Primeiro” nos últimos dois anos, com o apoio do Instituto da Segurança Social. Este projecto “permitiu já que 65 pessoas com doença mental que se encontravam na situação de sem-abrigo passassem a viver de forma estável em apartamentos individualizados e integrados na cidade de Lisboa, colocando o acesso à habitação como ponto de partida de toda a intervenção”. Segundo José Ornelas, coordenador do projecto Casas Primeiro e Professor Associado do ISPA-IU, com o qual a AEIPS tem um protocolo de colaboração, a iniciativa constitui uma solução “inovadora e cientificamente sustentada, pretendendo-se implementar e avaliar esta abordagem de intervenção (housing first) na cidade de Lisboa, bem como o seu potencial de generalização a outros pontos do país”. No seu entender, as políticas e os sistemas de serviços existentes nesta área “têm-se focalizado nas problemáticas individuais, como o alcoolismo ou a doença mental e procurado responder, essencialmente e de forma compartimentada, ao nível do tratamento e da assistência básica (alimentação e locais de pernoita)”. Contudo, adianta, a investigação tem demonstrado que é possível resolver as situações de sem-abrigo de forma eficaz e sustentável “independentemente das causas específicas, do tempo passado na rua e das problemáticas individuais apresentadas, quando a intervenção responde à questão essencial – que é, neste caso, a falta de habitação”. Este programa promove o acesso imediato a uma habitação estável (não transitória) e integrada em diferentes zonas da cidade de Lisboa, no sentido de não congregar no mesmo prédio, ou na mesma rua, vários participantes do programa. Os apartamentos são individualizados (tipologia T0 ou T1), com valores de renda entre os 350 Euros e os quatrocentos Euros mensais. Como explica o coordenador do projecto Casas Primeiro, os participantes podem partilhar a sua casa com outra pessoa da sua rede pessoal ou familiar, se essa for a sua escolha. O programa financia a renda da casa e as despesas com os consumos domésticos de água e electricidade, contribuindo os participantes com trinta por cento do seu rendimento mensal. Como explica José Ornelas, foi realizado um trabalho em parceria com outras organizações com intervenção junto da população sem-abrigo, em particular com as equipas de rua, para identificação e contactos com potenciais participantes no projecto. A selecção dos participantes foi realizada de acordo com seguintes critérios: pessoas sem-abrigo com doença mental que estivessem a viver na rua, dando prioridade às que estivessem há mais tempo nessa situação. Sempre que manifestaram interesse em integrar o projecto, os candidatos foram convidados a conhecer um dos apartamentos disponíveis, podendo ocupá-lo de imediato. “Housing First”
Mensalmente têm sido realizadas reuniões de grupo, com todos os participantes e com todos os membros da equipa, para balanço e avaliação do programa, debate sobre necessidades de apoio e sugestões para o futuro. Este tem sido também “um momento de convívio e partilha, registando uma grande adesão dos participantes”. Os resultados da avaliação demonstram que, com um apoio individualizado e ajustado às necessidades concretas, as pessoas conseguem alcançar uma situação habitacional estável. Um total de 90,5 por cento dos participantes mantiveram-se nas suas casas, “um valor muito positivo e significativo, consistente com os resultados evidenciados na literatura internacional sobre o modelo Housing First que aponta que, através deste modelo de intervenção, 85 por cento a noventa por cento das pessoas mantêm uma situação habitacional estável, embora algumas pessoas levem algum tempo a alcançar essa estabilidade habitacional (normalmente, entre um a cinco anos)”, adianta. Os participantes referem “estar muito satisfeitos com a sua casa e com os serviços de apoio recebidos”, percepcionando melhorias significativas na sua segurança pessoal, hábitos alimentares, descanso, níveis de stress, saúde mental e física. Os resultados do projecto “confirmam a eficácia desta abordagem inovadora na resolução das situações de sem-abrigo e também a sua eficiência em termos do custo-benefício, comparativamente com outras respostas sociais, de carácter temporário ou parcelar, que existem nesta área ou com os valores de alojamento em pensões”. O Prémio Gulbenkian, com que o projecto “Casas Primeiro” foi distinguido este ano, constitui “um reconhecimento do trabalho desenvolvido e um contributo relevante para a consolidação do programa”. A AEIPS tem um percurso de 25 anos na promoção da participação e integração social de pessoas com doença mental. Neste contexto, trata-se de uma IPSS que tem vindo a desenvolver diversos serviços e programas de suporte para este grupo populacional, em particular nos domínios da habitação, do apoio escolar, da formação profissional e emprego no mercado aberto de trabalho, da ajuda inter-pares ou da defesa cívica.
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Jornalista