O projecto “Casas Primeiro”, que devolve a pessoas com doença mental em situação de sem-abrigo o direito a uma habitação condigna e estável, foi distinguido este ano com o Prémio Gulbenkian, em “reconhecimento do trabalho desenvolvido”. Este programa que, em perto de dois anos, retirou da rua cerca de 65 pessoas, alojando-as em apartamentos em Lisboa, é dinamizado pela AEIPS, uma organização que promove há 25 anos a integração social destas pessoas, através de valências tão importantes como a educação, o empowerment ou o acesso ao mercado de trabalho
POR GABRIELA COSTA

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© AEIPS
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A AEIPS – Associação para o Estudo e Integração Psicossocial implementou o projecto “Casas Primeiro” nos últimos dois anos, com o apoio do Instituto da Segurança Social. Este projecto “permitiu já que 65 pessoas com doença mental que se encontravam na situação de sem-abrigo passassem a viver de forma estável em apartamentos individualizados e integrados na cidade de Lisboa, colocando o acesso à habitação como ponto de partida de toda a intervenção”.

Segundo José Ornelas, coordenador do projecto Casas Primeiro e Professor Associado do ISPA-IU, com o qual a AEIPS tem um protocolo de colaboração, a iniciativa constitui uma solução “inovadora e cientificamente sustentada, pretendendo-se implementar e avaliar esta abordagem de intervenção (housing first) na cidade de Lisboa, bem como o seu potencial de generalização a outros pontos do país”.

No seu entender, as políticas e os sistemas de serviços existentes nesta área “têm-se focalizado nas problemáticas individuais, como o alcoolismo ou a doença mental e procurado responder, essencialmente e de forma compartimentada, ao nível do tratamento e da assistência básica (alimentação e locais de pernoita)”. Contudo, adianta, a investigação tem demonstrado que é possível resolver as situações de sem-abrigo de forma eficaz e sustentável “independentemente das causas específicas, do tempo passado na rua e das problemáticas individuais apresentadas, quando a intervenção responde à questão essencial – que é, neste caso, a falta de habitação”.

Este programa promove o acesso imediato a uma habitação estável (não transitória) e integrada em diferentes zonas da cidade de Lisboa, no sentido de não congregar no mesmo prédio, ou na mesma rua, vários participantes do programa. Os apartamentos são individualizados (tipologia T0 ou T1), com valores de renda entre os 350 Euros e os quatrocentos Euros mensais.

Como explica o coordenador do projecto Casas Primeiro, os participantes podem partilhar a sua casa com outra pessoa da sua rede pessoal ou familiar, se essa for a sua escolha. O programa financia a renda da casa e as despesas com os consumos domésticos de água e electricidade, contribuindo os participantes com trinta por cento do seu rendimento mensal.

Como explica José Ornelas, foi realizado um trabalho em parceria com outras organizações com intervenção junto da população sem-abrigo, em particular com as equipas de rua, para identificação e contactos com potenciais participantes no projecto. A selecção dos participantes foi realizada de acordo com seguintes critérios: pessoas sem-abrigo com doença mental que estivessem a viver na rua, dando prioridade às que estivessem há mais tempo nessa situação. Sempre que manifestaram interesse em integrar o projecto, os candidatos foram convidados a conhecer um dos apartamentos disponíveis, podendo ocupá-lo de imediato.

“Housing First”
A actividade da equipa do projecto “Casas Primeiro” compreende o apoio aos participantes no processo de instalação nas casas, regularização de documentação, gestão doméstica, utilização dos recursos comunitários, acesso a cuidados e serviços de saúde, apoio no desenvolvimento de projectos pessoais ao nível da escola, emprego ou outros. O acompanhamento tem sido realizado essencialmente no contexto residencial (mínimo de seis visitas domiciliárias por mês) e nos contextos da comunidade, garantindo um apoio continuado e de longo prazo, conclui o coordenador do projecto.

O “Casas Primeiro” é uma iniciativa “inovadora e cientificamente sustentada”, cuja abordagem de intervenção – Housing First – se pretende generalizada a vários pontos do país .
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Mensalmente têm sido realizadas reuniões de grupo, com todos os participantes e com todos os membros da equipa, para balanço e avaliação do programa, debate sobre necessidades de apoio e sugestões para o futuro. Este tem sido também “um momento de convívio e partilha, registando uma grande adesão dos participantes”.

Os resultados da avaliação demonstram que, com um apoio individualizado e ajustado às necessidades concretas, as pessoas conseguem alcançar uma situação habitacional estável. Um total de 90,5 por cento dos participantes mantiveram-se nas suas casas, “um valor muito positivo e significativo, consistente com os resultados evidenciados na literatura internacional sobre o modelo Housing First que aponta que, através deste modelo de intervenção, 85 por cento a noventa por cento das pessoas mantêm uma situação habitacional estável, embora algumas pessoas levem algum tempo a alcançar essa estabilidade habitacional (normalmente, entre um a cinco anos)”, adianta.

Os participantes referem “estar muito satisfeitos com a sua casa e com os serviços de apoio recebidos”, percepcionando melhorias significativas na sua segurança pessoal, hábitos alimentares, descanso, níveis de stress, saúde mental e física.

Os resultados do projecto “confirmam a eficácia desta abordagem inovadora na resolução das situações de sem-abrigo e também a sua eficiência em termos do custo-benefício, comparativamente com outras respostas sociais, de carácter temporário ou parcelar, que existem nesta área ou com os valores de alojamento em pensões”.

O Prémio Gulbenkian, com que o projecto “Casas Primeiro” foi distinguido este ano, constitui “um reconhecimento do trabalho desenvolvido e um contributo relevante para a consolidação do programa”.

A AEIPS tem um percurso de 25 anos na promoção da participação e integração social de pessoas com doença mental. Neste contexto, trata-se de uma IPSS que tem vindo a desenvolver diversos serviços e programas de suporte para este grupo populacional, em particular nos domínios da habitação, do apoio escolar, da formação profissional e emprego no mercado aberto de trabalho, da ajuda inter-pares ou da defesa cívica.

Educação, empowerment e emprego para doentes mentais
A AEIPS desenvolve uma série de iniciativas e actividades que visam a promoção da participação e integração social das pessoas com doença mental, actuando nas seguintes valências:CENTRO COMUNITÁRIO
O Centro Comunitário presta um conjunto de serviços de reabilitação e suporte a pessoas com doença mental, estruturados no sentido de atingir os seguintes objectivos:
• Promover o empowerment e a capacidade de decisão, autonomia e responsabilização individual;
• Contribuir para o crescimento, fortalecimento e redescoberta pessoal (recovery);
• Promover a participação social;
• Aumentar o acesso e a utilização dos recursos da comunidade;
• Valorizar e desenvolver as potencialidades individuais;
• Desenvolver e diversificar contactos e relações sociais.Todas as pessoas que utilizam os serviços do Centro Comunitário dispõem de apoio individualizado, no sentido de se estruturar o desenvolvimento de programas individuais de acordo com os seus interesses e objectivos. Estes programas abrangem diferentes áreas como a educacional, escolar, a habitacional, a gestão de problemas ou dificuldades do quotidiano (planeamento da rotina diária, imagem pessoal, gestão de dinheiro) ou áreas intrapessoais e interpessoais (tomada de decisões, resolução de conflitos).O Centro Comunitário desenvolve ainda um programa de Emprego Apoiado que visa promover o acesso de pessoas com doença mental ao mercado competitivo de trabalho. Estas acções têm vindo a ser desenvolvidas com o apoio do Programa Constelação financiado pelo Fundo Social Europeu e pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional. No âmbito deste programa a associação promove estágios profissionais e a manutenção de postos do trabalho.

Por último, a estrutura integra o Programa de Educação Apoiada, dirigido a pessoas com doença mental que pretendem voltar a estudar, e que tem como missão prestar os apoios necessários e adequados no sentido de contribuir para o sucesso dos projectos individuais, nos mais variados graus de ensino, desde os níveis secundário regular e recorrente ao superior, passando por cursos de educação e formação de adultos e, ainda, cursos de alfabetização.

DESPORTO, CULTURA E LAZER
As actividades desportivas realizam-se semanalmente abrangendo, alternadamente, modalidades como a natação, o futebol, o voleibol, o basquetebol, a ginástica de manutenção e um circuito de manutenção.

Na área cultural são organizadas visitas a exposições e a espaços de interesse, em áreas como a pintura, escultura, fotografia, design e a outras de interesse histórico e científico.

No que concerne iniciativas de lazer, no Verão são organizadas actividades como campos de férias, idas à praia, visitas culturais e passeios a locais de interesse histórico, cultural e turístico, fora da cidade de Lisboa, permitindo a vivência de grupo e o contacto com novos contextos.

HABITAÇÃO
Para além do projecto Casas Primeiro, a AEIPS disponibiliza, na área da habitação, as residências comunitárias. Estas residências constituem uma resposta habitacional estável, de médio e longo prazo, para pessoas com doença mental, com necessidades de autonomia e independência.

Centro de Empowerment e Ajuda Mútua
Com a missão de aumentar a participação, influência e liderança das pessoas com doença mental no Centro Comunitário, na comunidade e a nível individual, foi criado um Centro de Empowerment e Ajuda Mútua, que é coordenado e dinamizado exclusivamente pelos membros com experiência de doença mental do Centro Comunitário.

Neste contexto, a AEIPS promove uma reunião semanal de ajuda mútua, que é também estritamente desenvolvida pelos membros, constituindo uma oportunidade de partilha/ troca de experiências resultantes da vivência da doença mental e de consolidação da coesão do grupo.

Paralelamente, o Grupo de Mulheres reúne semanalmente enquanto espaço de partilha, valorização, suporte e empowerment das mulheres com doença mental.
Ainda nesta área de ajuda mútua, a IPSS dá apoio às famílias dos seus utentes, através da realização de uma reunião mensal de famílias, de um Grupo de ajuda mútua destinado aos familiares e do seu envolvimento nos projectos individuais elaborados pelas pessoas com doença mental.

 

Jornalista