Marcia Narine Weldon, Professora de Direito na Universidade de Miami, Executive Coach e conferencista, foi a oradora convidada para inaugurar o evento anual do Agrupamento de Alumni da AESE, o qual teve como tema principal “Os Direitos Humanos e Tecnologia: o impacto na ética empresarial”. Entre o optimismo e o pessimismo, a também estratega de negócios afirma que, e no que respeita à inteligência artificial, “não podemos esperar para ver o que acontece. Temos de agir agora”
POR HELENA OLIVEIRA
Afirmando que “vivemos a época mais entusiasmante e assustadora em matéria de tecnologia”, Marcia Narine Weldon sublinhou que, e obviamente, precisamos de tecnologia, em particular para disseminarmos informação e para termos acesso a diferentes pontos de vista, entre outros múltiplos benefícios. Contudo, diz também, apesar de nos conseguir conectar, “a tecnologia também nos divide” e é capaz de nos “afastar social e politicamente”, aludindo, como exemplo, à epidemia de solidão que está a acometer a nossa sociedade. Por outro lado, e como declarou também perante a plateia da AESE Business School, “por força dos algoritmos, somos assim treinados para ver o que queremos ver”, factor que, e como sabemos, “nem sempre favorece a democracia”.
Em concordância com a visão de outros especialistas, a oradora sublinhou igualmente o facto de estarmos a viver numa “economia relacional”, na qual “os dados são o novo petróleo” e os humanos são o “produto”.
Elegendo como central o tema da sua actual investigação em matéria de empresas, direitos humanos e tecnologia, com especial destaque para a IA, a docente da Universidade de Miami afirmou igualmente que a sua ideia era que a audiência reflectisse verdadeiramente sobre o papel destas temáticas no futuro. Para isso dedicou uma boa parte da sua apresentação a cenários sombrios, citando a palestra dos criadores do Social Dilemma, os quais alertaram para os perigos dos algoritmos das redes sociais e que agora estão a dar o alarme sobre a potencial ameaça existencial da IA à humanidade, a qual pode ser melhor compreendida numa palestra chamada AI Dilemma.
Marcia Narine Weldon utilizou igualmente estatísticas retiradas do relatório Future of Jobs do Fórum Económico Mundial, no que respeita a uma potencial deslocação de postos de trabalho por causa dos avanços tecnológicos, falando igualmente de Jeffrey Sonnenfeld, Professor de Práticas de Gestão e Liderança na Universidade de Yale, sobre o que pensam e planeiam os directores executivos presentes numa cimeira recente. Como referiu, dos 119 directores executivos de empresas como a Walmart, a Coca-Cola, a Xerox e a Zoom, 34% afirmaram que a IA poderia destruir a humanidade em dez anos, 8% disseram que poderia acontecer em cinco anos e 58% declararam que isso nunca poderá vir a ser uma realidade, “não estando preocupados”. Adicionalmente, 42% consideram que a desgraça anunciada e o pessimismo são exagerados, enquanto 58% responderam de forma contrária.
No que respeita ao papel das empresas, a também estratega de negócios relembrou que muitas organizações são mais poderosas do que alguns países e que alguns dos seus líderes superam o poder dos governos, sendo cada vez mais importante existir um contrato que esteja assente em verdadeiros pilares éticos, na medida em que, e com o poder, vem também uma enorme responsabilização.
O VER colocou algumas perguntas a Marcia Narine Weldon, as quais pode ler de seguida.
Como vê a intersecção entre os direitos humanos e a tecnologia? Quais são os principais desafios ou oportunidades apresentados por esta intersecção?
Há vários problemas fundamentais. Em primeiro lugar, as nações não regulam devidamente esta área. Outras concentram-se em regimes de divulgação que podem entrar em conflito com outra regulamentação. Muitas vezes, os regulamentos não são aplicados. E, finalmente, a maioria dos reguladores e legisladores não compreende verdadeiramente a tecnologia com que estão a lidar. Isto conduz a uma regulamentação dispendiosa e ineficaz.
Na sua opinião, de que forma é que a tecnologia tem um impacto positivo e negativo nos direitos humanos a nível mundial?
Na semana passada, a ONU realizou uma cimeira global sobre a utilização da inteligência artificial e da tecnologia em geral para facilitar os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável. A ONU também utilizou a tecnologia de blockchain para programas de ajuda. Por outro lado, os especialistas acreditam que, se não conseguirmos controlar e regular o desenvolvimento e a utilização da inteligência artificial, poderá existir uma ameaça existencial para a humanidade.
Pode partilhar alguns exemplos de casos em que a tecnologia foi utilizada para violar ou infringir os direitos humanos? Como é que esses casos podem ser abordados e evitados?
A utilização de trabalho forçado nas cadeias de abastecimento das empresas de tecnologia é galopante. Muitos dos minerais de que necessitamos para alimentar a tecnologia, por exemplo, o estanho, o tungsténio, o tântalo, o ouro e o cobalto, provêm da República Democrática do Congo (RDC), um dos países mais pobres do mundo em termos de PIB, mas um dos mais ricos em minerais. Durante algum tempo, a RDC foi chamada a capital mundial da violação, porque os rebeldes e as forças armadas violavam os habitantes das aldeias e praticavam outros actos violentos para poderem controlar as minas. Conheço pessoalmente uma mulher que foi raptada e violada pelos rebeldes como forma de intimidação.
Na China, há alegações de trabalho forçado de Uigures [uma das 56 etnias oficialmente reconhecida pela República Popular da China] em campos que fabricam componentes para algumas das maiores empresas de tecnologia. Os drones, a vigilância e a IA podem ser utilizados para violar os direitos de privacidade por empresas e cidadãos privados, mas também têm sido utilizados para intimidar e espiar os defensores dos direitos humanos. Algumas tecnologias têm também um impacto significativo no ambiente e nas alterações climáticas. A forma de resolver este problema é através de uma regulamentação mais eficaz e direccionada, mas os países não conseguem chegar a acordo sobre o que isso significa, principalmente porque muitas empresas poderosas se opõem a tal. Tem-se falado de um tratado vinculativo sobre empresas e direitos humanos, mas muitas das superpotências não concordam com os seus termos.
Que papel pensa que os governos e os organismos reguladores devem desempenhar para garantir a protecção dos direitos humanos no contexto das tecnologias em rápida evolução?
A preocupação mais imediata agora é a regulamentação da IA e todas as nações precisam de se unir para regulamentar, caso contrário será impossível cumprir ou fazer cumprir
Pode dar exemplos de esforços ou iniciativas bem-sucedidas em que a tecnologia tenha sido utilizada para promover e proteger os direitos humanos?
Existem muitas parcerias público-privadas relacionadas com as empresas e os direitos humanos e alguns grupos industriais têm as suas próprias iniciativas, mas muitas vezes a auto-regulação não é suficiente. A certa altura, a necessidade de obter lucros pode complicar estas iniciativas. Muitas empresas tecnológicas são membros do Pacto Global das Nações Unidas e comunicam os seus progressos em dez categorias específicas. A Tech For Good também está a fazer um bom trabalho.
Como vê a evolução do futuro dos direitos humanos e da tecnologia? Que medidas devem ser tomadas para garantir um futuro positivo e inclusivo?
A consciencialização em torno da IA nos últimos meses é positiva. Alguns dos riscos podem ser exagerados e outros podem ser subestimados. Desde que o público, as empresas e os governos se concentrem em valores partilhados e tenham em conta a ética, a privacidade e os direitos humanos desde a sua concepção, bem como uma legislação responsável, adaptada, prática e eficaz, tenho fé que estamos a entrar numa era de enormes possibilidades na medicina, na educação, na ciência e em muitas outras áreas. Não podemos esperar para ver o que acontece. Temos de agir agora.
University of Miami School of Law
Director, Transactional Skills Program
Faculty Coordinator, Transactional Law Concentration
Faculty Coordinator, Business Compliance and Sustainability Concentration
Lecturer in Law
Academic Innovation Fellow, Lecturer: Innovation, Technology, & Design Program, College of Engineering
Editora Executiva