No alto dos seus 82 anos, o mundialmente reconhecido biólogo Edward E. Wilson pode dar-se ao luxo de provocar desconforto e até muitos nervos aos seus colegas cientistas. Desafiando um dos pilares centrais da biologia evolucionária moderna, a sua nova obra tem como tema central o facto de o altruísmo ser, afinal, a força condutora que favorece comportamentos de auto-sacrifício nos indivíduos quando os seus comportamentos beneficiam todos os membros do grupo, mesmo aqueles que não têm qualquer relação de parentesco entre si. Tal como acontece com as formigas e as abelhas
Na mesma cruzada encontra-se o reconhecido biólogo Edward O. Wilson, professor em Harvard, vencedor do Pullitzer e considerado, aos 82 anos, como um gigante da ciência: reconhecido como a maior sumidade mundial na pesquisa das formigas (que, como o leitor irá perceber, em muito se assemelham à espécie humana), autor e co-autor de dois livros vencedores do Pullitzer – com On Human Nature e The Ants – e galardoado com o Crafoord Prize, concedido pela Royal Swedish Academy em áreas não cobertas pelo Prémio Nobel, Wilson é igualmente coleccionador de polémicas. E, o seu último livro, The Social Conquest of Earth, não é excepção, bem pelo contrário: não é todos os dias que uma obra é precedida por uma carta pública de críticas, assinada por cerca de 130 cientistas seus pares e enviada à revista Nature, o ano passado, para registar a sua crença de que o pensamento actual de Wilson está errado. E porquê? A controvérsia deve-se ao facto de Wilson estar a desafiar um dos pilares centrais da biologia evolucionária moderna: a de que a selecção natural tem efeitos muito mais fortes nos indivíduos e nos seus aparentados genéticos do que em grupos sociais mais alargados. E, mais ainda, a nova obra de Wilson constitui uma inversão da sua própria visão de que a evolução do altruísmo – central a este livro – seria conduzida pela selecção do parentesco e não pela selecção de grupo. Em termos muito gerais, a nova premissa de Wilson aceita na ideia, agressivamente contestada, de que a selecção de grupo – ou seja, a competição de um grupo relativamente a outros – é a força condutora que favorece comportamentos de auto-sacrifício nos indivíduos quando os seus comportamentos beneficiam todos os membros do grupo, mesmo aqueles que não têm qualquer relação de parentesco entre si. E, para construir o seu novo argumento, começa por desconstruir o que anteriormente defendia: a chave para se compreender a condição humana passa por perceber de que forma é que a nossa espécie desenvolveu vidas sociais avançadas a par dos comportamentos altruístas que estas exigem. Se a evolução é comandada pela sobrevivência dos mais aptos – a selecção individual – como é que se explica o auto-sacrifício observado entre as formigas trabalhadoras de uma colónia ou a que existe numa colmeia de abelhas ou, mais importante para a condição humana, o facto de alguém correr para dentro de uma casa a arder para salvar um estranho? A explicação corrente – a da selecção do parentesco ou da adaptabilidade inclusiva – é a de que o altruísmo evoluiu entre indivíduos intimamente relacionados como forma de assegurar a sobrevivência das porções partilhadas da sua herança genética.
O bem e o mal, o pecado e a virtude “Os nossos ancestrais foram uma de apenas cerca de duas dúzias de linhas animais que conseguiram evoluir até à eussocialidade”, escreve Wilson. “E, neste nível de organização biológica, os membros pertencentes a duas ou mais gerações mantêm-se juntos, cooperam, tomam conta dos mais novos e dividem o trabalho como forma de favorecer a reprodução de alguns indivíduos em detrimento de outros”. A competição evolucionária entre as formigas é mais fácil de compreender não ao nível individual mas ao nível da colónia, agindo como um superorganismo. O mesmo acontece com as abelhas, que agem como uma extensão do genoma da rainha, lutando na batalha dos mais aptos contra outras colmeias. Para os humanos e de acordo com Wilson, a situação é, obviamente, mais complexa. Fomos geneticamente seleccionados para nos juntarmos a grupos. “Os nossos grupos – tribos, sociedades, nações – competem entre si pelo domínio mas, enquanto indivíduos, também competimos pela sobrevivência e reprodução dentro do mesmo grupo através da selecção individual. Os indivíduos egoístas podem vencer os mais altruístas, mas os grupos de altruístas vencem os grupos de egoístas”, escreve. E, conclui, a “condição humana é, largamente, um produto de tensão entre estes dois impulsos”. É possível então afirmar que a espécie humana resulta de uma selecção multi-nível, a nível individual e grupal, o que conduz a mais uma interpretação interessante e polémica de Wilson. “O dilema entre o bem e o mal foi criado pela selecção multi-nível, no qual a selecção individual e a selecção de grupo actuam em conjunto para o mesmo individuo, mas largamente em oposição entre si”, pode-se ler. “A selecção individual molda os instintos fundamentalmente egoístas em cada um dos membros (…). A selecção de grupo molda os instintos que tendem a tornar os indivíduos altruístas em relação aos membros do mesmo grupo, mas não relativamente aos membros de outros grupos. A selecção individual é, assim responsável, por muito do que apelidamos de pecado, ao passo que a selecção de grupo é responsável pela maior parte do que apelidamos de virtude. Em conjunto, criaram o conflito entre os piores e melhores anjos da nossa natureza”. Ou, por outras palavras, a selecção individual pode ser considerada como aquilo que a ética rotula como uma conduta moralmente repreensível, ao passo que a selecção de grupo é responsável pela maior parte da ética e da boa conduta. Ou seja, somos parte santos – com base no gene altruísta – e parte pecadores – graças ao gene do egoísmo. E, no que respeita a responder à trilogia das questões “De onde vimos? O que somos? Para onde vamos?, a resposta de Wilson é a seguinte: “Vimos da biologia, somos o mais fantástico animal de todos e, devido às nossas competências sociais largamente desenvolvidas – a nossa eussocialidade especial humana – vamos a caminho de uma maior cooperação e, em conjunto, iremos derrubar todos os males do mundo. E, apesar de todas as controvérsias, esta parece ser uma conclusão muito optimista.
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