Por que razão se fala tanto hoje de Inclusão, Diversidade e Equidade, sendo este um tema que sempre acompanhou os invisíveis e excluídos? Como mulher imigrante e negra, tenho como papel ser o amplificador da voz daqueles que não são ouvidos e transformar o IDE Social Hub numa ponte para que outras profissionais tenham oportunidades e acesso a trabalho qualificado. E foi através da minha experiência pessoal que surge esta start-up de impacto social que visa promover a Inclusão, a Diversidade e a Equidade nas áreas tech & digital, integrando grupos “invisíveis” no ecossistema empresarial
POR ELISANGELA SOUSA

Comigo, tudo começou ainda na adolescência, por volta dos meus 13 anos. Fui convidada para uma festa de aniversário, mas o convite tinha uma advertência: tinha de ir “arrumada”.

Nessa altura, meu cabelo sempre foi uma questão para mim, pois meus caracóis sempre foram muito volumosos e teria de alisar para ficar mais “apresentável”, dizia minha mãe, ludibriada pela padronização social conveniente apenas para alguns. 

Desde então, esse registo ficou gravado na minha mente por anos a fio. Aliás, décadas.

O mesmo princípio volta a assombrar-me o espírito quando fui em busca do meu primeiro emprego. Se quisesse conquistar aquela vaga teria de alisar o meu cabelo, porque só assim passaria nos requisitos normativos do que era tido como um “ar profissional”.

E assim foi por muitos anos, desde o meu primeiro emprego aos 19 anos até minha mudança para Portugal, em 2019. Foram décadas de cabelo quimicamente alisado para me enquadrar ao que a sociedade e o mercado corporativo exigiam.

Esse foi só um fragmento que faz parte de uma vasta coleção de histórias a serem contadas por uma mulher negra, cuja existência exige visibilidade, tanto pela sociedade como pela classe dominante. 

Assim, tal como foi a experiência de outros jovens ao meu redor ou da mesma classe social que eu, quando fui para a universidade, os meus pais queriam que eu estudasse pedagogia, enfermagem ou administração. Áreas predestinadas para pessoas de classes económicas mais simples. Escolhi Ciências da Comunicação, área dominada por elitistas brancos e que, infelizmente, perpetuam até hoje os seus conceitos de domínio de classe patriarcal, branca e heterogénea.

Fui a única mulher negra nos quatro anos que cursei a faculdade. E nas áreas de comunicação e marketing das empresas onde tive oportunidade de trabalhar repetia-se o mesmo cenário. Naquela altura, não percebia o quão cruel e excludente era esse nicho de mercado. Nunca tinha ouvido falar sobre Inclusão, Diversidade e Equidade e não fazia a mínima ideia do que isso representava.

Em Portugal, senti na pele como a discriminação funciona. Numa entrevista de emprego online com uma grande consultoria de RH, a recrutadora portuguesa, loira, de olhos verdes, reagiu muito desconfortavelmente ao ver do outro lado da tela uma profissional negra altamente qualificada a candidatar-se para ser Técnica de Comunicação. Mesmo possuindo todas as competências compatíveis para ocupar aquela vaga, a questão cromática imperou.

A partir daí, comecei a perceber qual seria a minha missão em terras lusitanas.

E foi através dessa experiência pessoal que surge o IDE Social Hub, uma startup de impacto social que visa promover a Inclusão, a Diversidade e a Equidade nas áreas tech & digital, integrando grupos “invísiveis” no ecossistema empresarial.

O IDE Social Hub foi selecionado pelo Programa Road2 da Startup Portugal como startup Alpha para participar na Web Summit Lisboa 2022, o que nos deu grande visibilidade, notoriedade e reconhecimento. Durante a Web Summit, fui entrevistada pelo principal veículo de comunicação do evento – Forbes Portugal – sendo a primeira mulher brasileira negra a fundar um projeto de impacto social em território europeu. Representar o Brasil na Web Summit Lisboa mostra a relevância e urgência do trabalho que desenvolvo e o quão longe temos que ir para mostrar a representatividade de mulheres, migrantes e negros. 

Assim,  o IDE Social Hub tem como missão valorizar o capital social e humano de públicos específicos e promover a sua empregabilidade, gerando impacto social através da Inclusão, Diversidade e Equidade no ambiente corporativo, em defesa da igualdade de oportunidades e do trabalho digno para todos. É, assim, um projeto desafiador e medidor de uma grande transformação social. 

Potencializamos igualmente a integração humana com foco nas etnias, no género, nos imigrantes, nos refugiados, nas pessoas com deficiências, nos 50+, entre outros, que frequentemente são alvo de exclusão, muitas vezes sem sequer terem as suas capacidades avaliadas. Em simultâneo, preparamos novos profissionais para o mercado de trabalho, desenvolvendo as suas hard e soft skills com foco em negócios digitais e estabelecemos uma ponte entre os profissionais já capacitados e um futuro empregador.

Como mulher imigrante e negra, tenho como papel ser o amplificador da voz daqueles que não são ouvidos e transformar o IDE Social Hub numa ponte para que outras profissionais tenham oportunidades e acesso a trabalho qualificado.

Quero que o IDE Social Hub seja parte da transformação social que faremos no mundo!

Elisangela Souza

Licenciada em Ciências da Comunicação e MBA em Gestão de projetos, desenvolvi minha carreira profissional no Brasil nas áreas de Comunicação e Responsabilidade Social, atuando na Gestão de Projetos Corporativos, Sociais e Culturais. Atualmente residindo em Portugal, sou a primeira brasileira negra a fundar uma start-up de impacto social – a IDE Social Hub - que visa promover a Inclusão, Diversidade e Equidade nas áreas tech & digital, integrando grupos “invisiveis” no ecossistema empresarial