Desde cedo me interpelei pela parábola dos Talentos. Tanto é o valor do que recebemos, que devemos ser capazes de reconhecer, agradecer e pôr a render. Ainda ontem ouvia na missa este Evangelho e me lembrava da primeira vez que mo leram, no primeiro ou segundo ano de catequese. Desde cedo quis saber a que era chamado, como me poderia «pôr a render». Acredito que todos, num momento ou noutro, nos fazemos esta pergunta. Uns conseguem respondê-la mais cedo, outros mais tarde, e outros eventualmente vão fazendo o seu caminho e descobrindo sem nunca ter bem a certeza
POR DIOGO BONVALOT

Para mim nunca foi muito óbvio, E talvez por isso me cative tanto, esta parábola sempre que a oiço. Já tive várias ideias e fui fazendo algumas experiências ao longo da vida. Houve fases em que acreditei que o apostolado pela caridade era a melhor forma de servir. Cheguei a acreditar que a minha missão poderia passar pelo desporto profissional – com isso aprendi que a motivação e boa vontade nem sempre conseguem compensar a falta de jeito. E talvez um pouco mais tarde do que os pais gostariam, percebi que poderia dedicar-me ao estudo, e subsequentemente ao trabalho, como uma forma de serviço.

Tenho-me cruzado com tantos outros que partilham comigo esta vontade. Seja por uma motivação divina ou um espírito de solidariedade não necessariamente baseado no transcendente, vejo muitos jovens com esta crença de que pela excelência, em cada um dos seus meios, podem fazer a diferença.

Se por um lado nos enche de confiança a chegada a este sentido de propósito, de motivação pelo clarificar do nosso objectivo, e de alegria por sentir que não é solitário, mas partilhado por muitos, também é difícil evitar a desmotivação por perceber a dificuldade desta tarefa.

Vivemos num país cada vez mais dividido, em que parece crescer um fosso cada vez maior que divide esquerda e direita, velhos e novos. Se por um lado formamos a «juventude mais preparada de sempre» com o nosso ensino cada vez mais destacado pela sua qualidade a nível mundial, parece que não estamos preparados enquanto país para tirar proveito. Segundo os dados do Inquérito ao Emprego pelo INE, em 2022 era ainda superior a 70% o número de empregadores sem Ensino Superior completo, em Portugal. E quase metade (47%) tinha apenas o ensino básico. Sem menosprezar a importância da experiência na gestão de uma empresa, eventualmente não será completamente descabido supor que será mais difícil tirar partido de jovens muito capacitados se os seus gestores não entenderem as suas qualificações. E culpa nenhuma têm estes empresários, que contra muito preconceito ousaram empreender e estabelecer os seus negócios. A culpa, em havendo alguma, poderá estar do lado dos em que tendem a não facilitar a vida a novos empreendedores e novos negócios.

Não querendo fazer deste mais um texto político, mas reconhecendo a importância da política, e, principalmente que as opções dos nossos decisores no rumo do nosso país, e inerentemente no rumo das nossas vidas, parece-me que os entraves ao progresso das nossas instituições têm passado muito pela falta de estímulos políticos para levar a cabo uma mudança radical.

Com uma pesada herança de dívida pública – acima de 100% do PIB desde 2010 – e uma aversão ao risco genérica por parte do nosso povo, é compreensível (ainda que dificilmente aceitável) a timidez nas propostas de medidas públicas ao longo das últimas duas décadas. Sendo impossível um consenso do eleitorado, temos visto que as políticas adoptadas neste período, em especial desde a intervenção da Troika, têm sido bastante conservadoras, não necessariamente do ponto de vista económico, mas principalmente do ponto de vista eleitoral. Foi em 2011, no ano em que a Troika intervencionou Portugal, que a população jovem [20-34] em franca trajectória decrescente, e a franja sénior da população [+65] em aumento de proporção, se equipararam pela primeira vez desde que há registo, representando, cada uma, aproximadamente 19% da população residente. Desde então esta tendência tem sido cada vez mais óbvia: em 2022 o grupo [+65] já representava 24%, enquanto o [20-34] apenas 16%. A 4 de Maio de 2014, a Troika dava como cumprido o seu trabalho, e Portugal regressou autonomamente aos mercados de financiamento internacional. Contudo o dano político para o governo em funções veio a mostrar-se crítico, em parte pelas medidas tomadas, em parte pela forma como foram comunicadas e implementadas. Foi grande a perda de popularidade e aprovação, em especial por parte da classe de reformados, bastante afectada neste processo de reestruturação das contas públicas. Com o crescente peso desta faixa etária no total da população, tem sido visível a prudência política com esta classe desde então.

Com este legado, não é difícil perceber que em caso de dúvida entre optar por medidas que beneficiem mais a faixa etária jovem ou a mais velha, quais são as naturais prioridades dos nossos governantes. Enquanto jovem defronte a este panorama não é fácil acreditar numa mudança. Acreditar num país que quer crescer, que não tem medo de abdicar de um pouco no presente para semear o futuro. Em decisores que estão menos preocupados com reeleições e sondagens de popularidade do que com o legado que poderão deixar para as gerações futuras. Com tantas adversidades, ainda assim há jovens com vontade e espírito de missão. A muitos ouvi ao longo destes últimos anos algo como: Neste momento não sinto que consiga fazer a diferença aqui. Vou trabalhar para fora, aprender com quem sabe, em indústrias mais desenvolvidas e quando tiver outras condições, e sentir que posso fazer a diferença, volto!

Parece que até esta via nos querem tirar. Uma das mais recentes medidas propostas foi o fim do estatuto de Residente Não Habitual. Estatuto que permitia a novos residentes estrangeiros, ou cidadãos portugueses emigrados por mais de 5 anos, voltar a Portugal com um regime fiscal especial. A redução fiscal que este estatuto conferia, permitia a muitos destes emigrantes com vontade de regressar uma redução de impostos a pagar durante um período de 10 anos. Esta redução de fiscal visava, em parte, compensar uma redução de rendimentos quase inevitável, para quem vem de economias mais produtivas, com níveis remuneratórios, em média, bastante superiores. Por maior que seja o sentido de missão de quem quer regressar, as obrigações pessoais e familiares nem sempre permitem acomodar os cortes de rendimento muito significativos que uma mudança destas pode acarretar. Olhando para os galopantes números da emigração, podemos ver que entre 2008 e 2022 aumentou, em número de pessoas, quase 300% – o equivalente a uma taxa crescimento média anual de 10%. No ano de 2022, mais de metade da população emigrante tinha entre 20 e 49 anos. Pessoas que poderiam (e podem ainda!) vir a regressar e ser parte activa da transformação e progresso do nosso país.

Estes são alguns exemplos de decisões que não parecem querer inverter esta tendência. Parece que não há vontade de acolher aqueles que gostavam de mudar o país para melhor, pelo valor do seu trabalho.

Enquanto jovem que ainda acredita neste objectivo, muitas vezes ponho em causa qual o caminho a seguir. Seguir o caminho a que parece que o meu país me convida – ir para não voltar? Ou será que Deus me chama a ficar? Será que mesmo que sinta que não vá chegar à competência que poderia ganhar fora, a minha presença constante, a minha influência desde dentro podem fazer a diferença ao meu país?

Tem sido, possivelmente, esta a pergunta que mais me tem inquietado nos últimos anos: será que conseguirei ser realmente bom, ter capacidade para constituir uma família e ainda fazer a diferença, pequena que seja, no meu país?

Depois de todo este texto, um pouco em jeito de devaneio, se esperava por uma resposta, não a consigo ter. Deixo apenas um pensamento recente, que me fez muito sentido, e me tem ajudado a não desmotivar. Num domingo, há pouco tempo, tinha um deadline bastante importante. E, muito provavelmente de forma errada, optei por não ir à missa na esperança de conseguir terminar o trabalho ainda dentro do prazo. Ainda essa noite, já tolhido por alguma desmotivação, a minha querida mulher partilhou comigo a mensagem central da homília que tinha ouvido nesse dia: «Deus dá-nos o que precisamos, nem sempre o que merecemos».

Mais tarde, quando conversávamos com mais tempo e menos pressão, explicou-me que a mensagem era de que, apesar das nossas muitas faltas, e apesar de podermos não merecer, Deus dá-nos sempre aquilo que sabe que precisamos.

Naquela noite de cansaço e frustração, fiz uma leitura, de certa forma inversa, mas que acredito que não se invalida a original. No meu caso, retirei que Deus nos dá aquilo que precisamos, mesmo que soberbamente achemos que merecemos mais. Mesmo que eu ache que pelo meu esforço profissional e académico merecia mais, uma posição de maior prestígio, melhor retribuição, uma vida num país mais propício ao progresso, Deus dar-me-á o que eu precisar – seja mais ou seja menos.

Com isto tenho feito o esforço de acreditar que Deus porá no meu caminho aquilo que eu precisar. Se eu precisar de mais para acolher uma família em crescimento, a seu tempo chegará. Se eu precisar de emigrar para fazer a diferença, no país ou no mundo, a seu tempo surgirá a oportunidade. Se eu precisar de ficar e fazer a diferença pelo apostolado ou um trabalho no sector social, no momento certo tornar-se-á evidente para mim.

Infelizmente não tenho respostas concretas, nem para mim, nem para oferecer àqueles que, como eu, acreditam que podem fazer a diferença, mas sentem que lhes faltam os meios. Mas não saber faz parte da beleza de uma radical confiança na providência. Assim, convido-vos a fazer, em cada dia, o melhor que puderem e a estar confiantes e disponíveis para os desafios que surgirem.

Casado, ainda sem filhos. Corporate Finance Manager na Ratisbona IBERIA. Eterno estudante,formado em Economia, Finanças e Ciência de Dados aplicada à Gestão de Risco Financeiro. Actualmente a estudar Matemática Financeira no ISCTE e IA aplicada aos Mercados Financeiros.