Apesar do muito que se fala sobre a igualdade de oportunidades no local de trabalho, as mulheres continuam a enfrentar várias barreiras no que respeita à progressão na carreira. Com o peso cultural ainda a representar uma das causas para que este tema continue a ser uma realidade, as organizações – e a sociedade no geral – continuam a falhar na implementação de políticas sérias para que o fosso face aos congéneres masculinos seja ultrapassado. E se toda a gente já conhece os motivos para que a desigualdade persista, para além das “continuidades”, há também “novidades” que vão surgindo, ano após ano, estudo após estudo, que fazem temer que este seja um problema sem solução à vista
POR HELENA OLIVEIRA
Em 2021, a consultora Deloitte publicou o seu primeiro relatório Women @ Work: A Global Outlook com o objectivo de destacar alguns dos desafios e experiências mais prementes que afectam as mulheres no local de trabalho, com ênfase nas suas carreiras. As conclusões de 2021 e 2022 reflectiram em grande parte o impacto da pandemia de COVID-19 na vida das mulheres trabalhadoras — com a mudança para o trabalho híbrido para muitas — bem como experiências de exclusão, comportamentos não inclusivos e esgotamento. O ano de 2023 assistiu a uma mudança descendente nestas experiências, mas estas continuaram a prevalecer para muitas mulheres, juntamente com desafios relacionados com o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, saúde, responsabilidades domésticas, difícil progressão na carreira, entre outros obstáculos.
O relatório de este ano apresenta um continuum destes mesmos problemas, com alguns deles a piorarem. As mulheres continuam a assumir a maior parte da responsabilidade pelo cuidado dos filhos, pelas tarefas domésticas e, de forma crescente, pelo cuidado de outros adultos (nomeadamente, com os ascendentes), mesmo nos casos em que constituam a principal fonte de rendimento do agregado familiar. E esta carga doméstica está a ter impacto na sua saúde mental: de acordo com o relatório de 2024, as mulheres que assumem a maior parte das responsabilidades domésticas têm muito menos probabilidades de dizer que têm boa saúde mental do que aquelas que não o fazem. Por outro lado, algumas mulheres temem que a falta de serviços de acolhimento de crianças a preços acessíveis signifique que possam ter de escolher entre as suas carreiras e as suas responsabilidades em casa. Além disso, muitas delas estão igualmente a sofrer os efeitos negativos dos “mandatos” de regresso ao trabalho recentemente impostos, tais como um impacto adverso na sua saúde mental, a necessidade de reduzir as horas contratadas, o que nem sempre é possível, ou o sentimento de menor produtividade.
Na sua quarta edição, o relatório Women @ Work: A Global Outlook da Deloitte Global, recentemente divulgado, examina alguns dos factores críticos no local de trabalho, mas também na sociedade, que têm um impacto profundo nas carreiras das mulheres. Representando as opiniões de 5 mil mulheres de organizações em 10 países – Austrália, Brasil, Canadá, China, Alemanha, Índia, Japão, África do Sul, Reino Unido e Estados Unidos – o relatório procura compreender as experiências vividas pelas mulheres no trabalho – e as formas como os aspectos das suas vidas fora do ambiente laboral podem ter impactos negativos nessas mesmas experiências. Vejamos os principais dados do relatório, os quais podem ser igualmente encontrados num conjunto alargado de países, Portugal incluído, e não só nos que foram analisados.
As mulheres sentem mais stress, o estigma da saúde mental persiste e as longas horas de trabalho continuam a ser um peso difícil de comportar
Uma das principais conclusões do inquérito de este ano revela que são várias as mulheres que sentem que os seus direitos estão a diminuir (51%), nomeadamente no que diz respeito à igualdade salarial, ao direito de viverem livres de violência e de terem apoio na sua saúde mental.
Dados do relatório em causa indicam que cerca de um quarto das mulheres afirmam sentir-se esgotadas (burnout), em comparação com mais de um terço em 2023 e quase metade em 2022. Apesar de algumas melhorias, metade das mulheres no inquérito deste ano descreve os seus níveis de stress como superiores aos de há um ano, e um número semelhante afirma estar preocupada ou muito preocupada com a sua saúde mental. Dois terços das mulheres não se sentem confortáveis em discutir a saúde mental no trabalho ou em revelar os transtornos a ela associados como motivo suficiente para o absentismo, mesmo que seja por um curto período de tempo.
Entre as mulheres que afirmam sentirem-se desconfortáveis em revelar a saúde mental como motivo para se ausentarem do trabalho, 20% temem que tal prejudique a sua progressão na carreira, enquanto 18% declaram não acreditar que o contexto laboral seja o sítio adequado para discutir a sua saúde mental. Outras temem que não conseguiriam o apoio necessário no trabalho se falarem sobre o tema (16%), que enfrentariam potencial discriminação ou retaliação (14%) se o fizessem ou que tal poderia torná-las vulneráveis à demissão (12%).
A cultura do local de trabalho pode contribuir para este tipo de relutância e temores, mas não é a única explicação: como se pode ver pelas explicações das entrevistadas, muitas mulheres preocupam-se ainda com a discriminação ou com o despedimento, e uma em cada dez teve experiências negativas no passado ao discutir a sua saúde mental no trabalho. Os resultados deste ano mostram também uma não surpreendente ligação entre o horário de trabalho e a saúde mental: embora metade das mulheres que normalmente trabalham apenas as horas contratadas descrevam a sua saúde mental como boa, esta percentagem diminui para 23% para aquelas que trabalham regularmente horas extras. As mulheres que trabalham horas extras regularmente relatam também níveis mais baixos de lealdade ao seu empregador, menor motivação no trabalho e menos produtividade.
As mulheres que vivem com um parceiro ainda são as maiores responsáveis pelo cuidado dos filhos e – cada vez mais – pelos cuidados de outros adultos
O relatório relativo a 2024 revelou que metade das mulheres que vivem com um parceiro e têm filhos em casa continuam a ser as maiores responsáveis pelos cuidados destes últimos, comparativamente a 46% no ano passado. Este valor compara-se com 12% que afirmam que o seu parceiro assume a liderança destas questões e com 26% que afirmam dividir as responsabilidades dos cuidados infantis de forma igualitária com o mesmo. Quase 60% das mulheres que estão envolvidas no cuidado de outro adulto dizem que assumem a maior responsabilidade por essa situação, um aumento significativo em relação aos 44% que o afirmaram em 2023. Apenas 5% dizem que esta responsabilidade recai sobre o seu parceiro, o que reflecte também diminuição em relação ao último ano.
Adicionalmente, um quinto das inquiridas no relatório de este ano afirma ser a principal fonte de rendimento do seu agregado familiar, o que não impede que quase metade deste número seja igualmente responsável pela maior parte dos cuidados com os filhos; apenas 19% destas mulheres afirmam que os seus parceiros assumem a maior parte da responsabilidade parental nestes casos. Importante não esquecer é o facto de as opções acessíveis no que respeita a cuidados infantis serem muitas vezes inatingíveis para algumas mulheres, o que pode levá-las a tomar decisões profissionais muito difíceis. Duas em cada 10 mulheres acreditam que a falta de serviços de acolhimento de crianças a preços acessíveis poderá forçá-las a abandonar os seus empregos ou a abrandar as suas carreiras.
O inquérito revela também o impacto das responsabilidades domésticas na saúde mental. Ou seja, esta situação tem impacto na capacidade das mulheres de se concentrarem nas suas carreiras e nos seus próprios problemas de saúde mental: apenas 27% das que têm maiores responsabilidades em casa afirmam conseguirem concentrar-se adequadamente na sua carreira em comparação com 42% das mulheres que não assumem esta responsabilidade.
Flexibilidade e equilíbrio entre trabalho e vida pessoal são essenciais para a retenção do talento
As mulheres que actualmente pretendem trocar o seu empregador por outra organização citam, para além de salários desadequados, o fraco equilíbrio entre vida pessoal e profissional e a falta de flexibilidade no horário de trabalho entre as principais razões para o fazer. A ausência de modelos femininos no interior da organização também desempenha um papel nesta decisão, facto apontado por 16% das entrevistadas, o que se traduz num aumento notável em comparação com 2023, quando apenas 3% citaram este tema como razão para desejarem mudar de emprego. Preocupante é também o facto de o número das inquiridas este ano ter aumentado no que respeita a citarem o assédio ou as micro agressões no local de trabalho como motivo para abandonarem o seu empregador (16% face a 11% em 2023).
Por outro lado, aquelas que planeiam permanecer na organização onde trabalham durante cinco ou mais anos dizem que a capacidade de gerir o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal e o peso das responsabilidades pessoais ao longo da sua carreira é uma das principais razões para não desejarem mudar de emprego. Apesar disso, o relatório deste ano mostra que são menos as mulheres que se sentem apoiadas pelos seus empregadores face a ao ano passado no que respeita a equilibrar as suas responsabilidades profissionais com os seus compromissos fora do contexto laboral. Apenas uma em cada dez sente que pode falar abertamente com o seu empregador sobre o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal.
Mais preocupante é o facto de quase todas as inquiridas (95%) sentirem que solicitar ou tirar partido de oportunidades de trabalho flexíveis afectará a sua probabilidade de promoção, e 93% não acreditarem que a sua carga de trabalho seja ajustada em conformidade se solicitarem opções de trabalho mais flexíveis.
As experiências de trabalho híbrido estão a melhorar, mas algumas mulheres afirmam terem sido obrigadas a fazer ajustes nas suas vidas profissionais e pessoais após a introdução de políticas de regresso ao escritório
Este ano, há uma melhoria nas experiências das mulheres no trabalho híbrido, inclusivamente no que diz respeito à exclusão, previsibilidade e flexibilidade. Mas cerca de três em cada 10 mulheres que trabalham de forma híbrida ainda enfrentam exclusão das reuniões, falta de previsibilidade no seu padrão de trabalho e ausência de flexibilidade, mesmo neste tipo de fórmula laboral. Por outro lado, 27% destas mulheres afirmam que devido ao modelo híbrido, não têm exposição suficiente aos líderes seniores.
Mais de 40% das mulheres inquiridas afirmam que o seu empregador implementou recentemente uma política de regresso ao escritório, exigindo-lhes que estejam no local a tempo inteiro ou em determinados dias. Embora os empregadores provavelmente tenham considerado vários factores ao tomar esta decisão, quase quatro em cada 10 mulheres que foram recentemente “convidadas” a regressar ao local de trabalho a tempo inteiro dizem que pediram ao seu empregador para reduzir o seu horário de trabalho após a introdução da política, um quarto afirma que a sua saúde mental foi afectada negativamente e um quinto declara que isso as tornou menos produtivas.
As mulheres sentem-se inseguras no local de trabalho e os comportamentos não inclusivos persistem
Um número preocupante – quase metade – de entrevistadas afirma-se preocupada com a sua segurança pessoal em contexto laboral, durante as deslocações para o local de trabalho ou em viagens profissionais. Destas mulheres, uma em cada 10 afirma ter sido assediada enquanto viajava em trabalho, e aproximadamente o mesmo número afirma ter sido assediada sexualmente por um colega. Destas, 16% continuam a lidar com clientes ou parceiros profissionais que as assediaram ou se comportaram de uma forma que as deixou desconfortáveis.
O número de mulheres que afirmam ter experienciado comportamentos não inclusivos, como assédio ou micro agressões no trabalho, diminuiu desde o ano passado, mas 43% das mulheres ainda afirmam ter experienciado um ou mais destes comportamentos ao longo deste mesmo período. Um quarto das mulheres sofreu comentários ou acções inadequadas por parte de pessoas em cargos seniores na sua organização. E entre aquelas que deixaram o seu empregador no ano passado, 16% afirmam que um dos principais motivos foi a experiência de assédio ou de micro agressões.
Todavia e como já não é novidade, são muitas as vezes em que estes comportamentos não são relatados. Mais de um terço das mulheres que sofreu assédio sexual não o denunciou à sua organização, e mais de 40% que sofreram micro agressões também optaram por não as denunciar. A razão mais citada para esta inacção foi pensar que o comportamento não era sério o suficiente para ser denunciado. Mas, e para 14% das inquiridas, o motivo da não denúncia assentou na preocupação com a possibilidade de o comportamento em causa piorar, com cerca de uma em cada 10 a temer que a denúncia pudesse prejudicar a sua carreira.
“Líderes para a igualdade de género” ainda são raros
Tal como em anos anteriores, o inquérito da Deloitte identifica um ainda residual número de organizações, as quais são denominadas como “Líderes da Igualdade de Género”. Apenas 6% das mulheres da pesquisa em causa trabalham para uma destas organizações. Estas mulheres sentem-se mais seguras, mais confortáveis em falar sobre a sua saúde mental no trabalho e mais amparadas por poderem trabalhar com flexibilidade sem prejudicar a sua carreira. As mesmas relatam igualmente níveis mais elevados de lealdade para com o seu empregador, bem como maior produtividade e motivação no trabalho.
As mulheres que trabalham para este tipo de organizações que, como acima enunciado, são ainda raras, são mais optimistas quanto às suas perspectivas de carreira e menos propensas a experimentar comportamentos ou comentários inadequados por parte de líderes seniores. É menos provável que tenham experimentado comportamentos não inclusivos, sentem níveis de stress mais baixos e têm menos probabilidade de absentismo devido a problemas de saúde mental.
Estas mulheres são também significativamente mais propensas a planear permanecer com o seu empregador por mais tempo e a ver a organização como um lugar onde querem progredir: mais de 60% das mulheres que trabalham para os “Líderes para a Igualdade de Género” planeiam permanecer com o seu empregador por mais de três anos, em comparação com 41% do resto da amostra.
Por fim, 92% das mulheres que trabalham para estas organizações desejam progredir para uma posição de liderança sénior na sua organização, num contraste significativo face às suas congéneres em empresas sem este tipo de políticas.
Embora, no geral, 75% das mulheres desejem progredir para uma posição de liderança sénior dentro da sua organização, um quarto das mulheres não o faz ou não tem vontade de o fazer. Os principais motivos apontados estão relacionados com o facto de não se reverem na cultura organizacional (23%) e por acreditarem que receberiam menos do que um homem desempenhando a mesma função (21%). Além disso, algumas mulheres não querem uma posição de liderança dentro da sua organização porque simplesmente não acham que tal que seja possível, com 20% a não acreditarem que terão alguma oportunidade para progredir e adquirir uma função de liderança sénior.
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