O Fórum Económico Mundial produziu, em parceria com a consultora Capgemini, um relatório recentemente divulgado que visa compreender o potencial dos empregos digitais globais. Saber gerir riscos e barreiras à sua eficaz implementação poderá melhorar, em grande medida, os resultados do mercado de trabalho em todo o mundo. Para empregadores e países
POR HELENA OLIVEIRA

O documento detalha em que países, especificamente, a oportunidade para empregos digitais globais pode ser pertinente, analisando a escassez de mão-de-obra e a oferta de competências entre os mesmos. Explora as barreiras (tais como as políticas laborais e fiscais) e os riscos (tais como a baixa qualidade do emprego e o colapso tecnológico) associados ao desenvolvimento de uma força de trabalho digital global e propõe um quadro de soluções para os resolver. Intitulado “ Realizing the Potential of Global Digital Jobs” tem como objectivo apresentar um conjunto de ferramentas para países e empresas, a fim de permitir que as partes interessadas (líderes empresariais, decisores políticos e trabalhadores) tornem realidade a promessa dos empregos digitais globais, alertando para o facto de os decisores políticos, os empregadores e os trabalhadores deverem abordar proactivamente as barreiras e os riscos para desenvolver uma força de trabalho digital global inclusiva, segura e próspera.

Os empregos digitais globais, que podem ser realizados a partir de qualquer lugar, podem resolver a escassez de competências e de mão-de-obra, bem como as questões de subemprego para países e empregadores. O presente paper surge na sequência do documento técnico The Rise of Global Digital Jobs, também publicado pelo FEM, o qual abordou a forma como as mudanças demográficas irão deslocar a força de trabalho mundial para países de rendimentos mais baixos.

O documento analisou os empregos mais propícios ao trabalho totalmente remoto e identificou 92 milhões de potenciais empregos digitais globais em 2030. Este documento técnico ajuda a tornar os empregos digitais globais uma realidade, identificando onde existem escassez e excesso de competências e fornecendo uma estrutura para ajudar as empresas ou países a superar as barreiras e os riscos de uma força de trabalho digital global. Assim, e na sua sequência, o presente paper conclui que, especialmente nos países de rendimento médio-baixo, existe um excedente de trabalhadores qualificados e instruídos. Estes trabalhadores poderiam ajudar a colmatar a escassez de mão-de-obra sentida em países de rendimento alto e médio-alto através de empregos digitais globais. Por exemplo, a Hungria, a Alemanha e a Bélgica registam uma escassez relativa de tecnologia, criatividade e competências de resolução de problemas. Entretanto, a Costa do Marfim, o Gana e a Jordânia têm trabalhadores com estas competências e excedentes de mão-de-obra.

Desta forma, conclui-se que existe uma correspondência entre a oferta e a procura de trabalhadores disponíveis com competências específicas no mundo, e que os empregos digitais globais podem permitir que estas oportunidades de trabalho e pessoas se unam adequadamente.

Adicionalmente, o documento identificou que o crescimento da população em idade activa nos países de rendimento mais baixo e o envelhecimento da população em idade activa nos países de rendimento mais elevado conduzirão a uma mudança global estimando que, em duas décadas, 60% da população mundial em idade activa viverá em países de baixo rendimento, o que irá agravar os actuais resultados do mercado de trabalho nestes países. De acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), existe um excedente de mão-de-obra em países de rendimento médio e baixo rendimento. Em contraste, os países de rendimento elevado e de rendimento médio-alto enfrentam uma escassez.

Nos últimos dez anos, os países de rendimento baixo e médio-baixo registaram aumentos na mão-de-obra disponível de 8,5%. Durante o mesmo período, a proporção de pessoas disponíveis ou à procura de trabalho em economias de rendimento elevado e de rendimento médio-alto diminuiu 4,0% e 3,6%, respetivamente.

Por outro lado e com base em dados OCDE e da União Europeia, existiu um aumento de 188% nas ofertas de emprego em países de rendimento médio-alto e de rendimento elevado durante o mesmo período. Isto ilustra a crescente escassez de mão-de-obra nos países de rendimento médio-alto e alto, enquanto a quantidade de pessoas disponíveis para trabalhar continua a aumentar nos países de rendimento médio-baixo e baixo.

Estas tendências divergentes do mercado de trabalho, juntamente com o desenvolvimento tecnológico e uma aceitação crescente do trabalho online, criam oportunidades para empregos digitais globais – empregos que podem ser realizados na sua totalidade a partir de qualquer lugar.

Com base numa vasta pesquisa bibliográfica e em estudos de caso para apresentar uma estrutura para apoiar países e empresas na utilização de uma força de trabalho digital global, o VER aborda em particular a visão geral das barreiras e soluções para a implementação de uma força de trabalho digital global sustentável, juntamente com riscos potenciais e ações de mitigação.

Barreiras e soluções para estabelecer uma força de trabalho digital global

Três barreiras principais limitam a capacidade dos países e das empresas de estabelecer forças de trabalho digitais globais: tecnologia, políticas e competências. Esta secção específica do relatório examina estas dimensões mais detalhadamente para explicar por que razão e em que sentido constituem uma barreira e que soluções estão disponíveis para a ultrapassar.

(1) Falta de infraestrutura para hardware e software

As organizações e os seus funcionários remotos necessitam de infra-estrutura de TI adequada para implementar o trabalho digital, incluindo hardware e software, partilha de equipas e ferramentas de comunicação. Disposições insuficientes de hardware e software impedem a produtividade do trabalho remoto dos trabalhadores e obstam a que o potencial das iniciativas de trabalho digital prosperem à escala global. Atualmente, apenas a Alemanha tem uma taxa de penetração de smartphones superior a 80%. No Brasil e na Indonésia, duas em cada três pessoas possuem um smartphone. Na Nigéria, a taxa de penetração é de 38%. As taxas de penetração dos computadores domésticos demonstram ainda mais as desigualdades globais no que respeita à disponibilidade de ferramentas digitais. A Europa e a Ásia Central têm uma taxa média de penetração de computadores domésticos de 71%, com o resto da Ásia a não ultrapassar os 44%. A América Latina tem uma média de 40% de agregados familiares com computadores, o Médio Oriente e o Norte de África têm 70%, enquanto a África Subsariana tem apenas 16%.

Para superar esta barreira de acesso à infra-estrutura e aos dispositivos digitais, algumas organizações implementaram diversas estratégias de que é exemplo o “traga o seu próprio dispositivo” (BYOD, na sigla em inglês), utilizando dispositivos pessoais para colmatar estas lacunas, mantendo ao mesmo tempo a flexibilidade e a relação custo-eficácia. Simultaneamente, o investimento em soluções baseadas em nuvem e infra-estrutura de desktop virtual (VDI, na sigla em inglês) reforçam a infra-estrutura tecnológica, melhorando a acessibilidade e a escalabilidade, ao mesmo tempo que protegem os activos digitais. Em alguns países, foram vários os governos que criaram um “direito à reparação” para apoiar uma economia circular e expandir a vida útil do hardware. Em resposta aos desafios de infra-estrutura e a título de exemplo, o Brasil está a explorar soluções para apoiar o avanço tecnológico e a competitividade económica. As oportunidades de financiamento são associadas a serviços de consultoria para ajudar as empresas, especialmente as PME, a navegar nos investimentos tecnológicos. A colaboração entre ministérios, instituições educativas e partes interessadas da indústria também ajuda a alinhar as estratégias tecnológicas com as iniciativas educativas. O Brasil também possui um programa de compra de computadores para escolas públicas, a fim de aprimorar a digitalização e fornecer os recursos tecnológicos necessários para fins educacionais.

(2) Acesso e conectividade insuficientes no que respeita à Internet de alta velocidade

O acesso à Internet de alta velocidade e a preços acessíveis é particularmente importante para a criação de empregos. O acesso restrito à Internet e as velocidades lentas dificultam a acessibilidade das plataformas online, perturbando a colaboração virtual e a produtividade. Garantir a acessibilidade da Internet de alta velocidade para o maior número possível de pessoas é fundamental para construir um ecossistema de trabalho digital inclusivo.

Globalmente, o número de assinaturas de banda larga fixa atingiu 1,4 mil milhões em 2022, com as assinaturas de telemóveis a atingir 8,4 mil milhões no mesmo período. No entanto, nem todos os países têm acesso consistente e acessível à Internet de alta qualidade. Na Nigéria, por exemplo, apenas 55% da população utiliza a Internet e muitos trabalhadores dependem dos seus próprios dispositivos para a ela aceder. Para que os empregos digitais sejam eficazes, os governos precisam de dar prioridade ao desenvolvimento de infra-estruturas. Garantir que a Internet de alta velocidade e acessível esteja disponível em regiões desfavorecidas é especialmente crítico. Tal poderá ser alcançado através de tecnologias como a Internet via satélite e hotspots móveis. Em situações em que os países se encontram particularmente com restrições financeiras, as parcerias público-privadas (PPP) podem ajudar a mobilizar recursos e conhecimentos e a partilhar a carga financeira.

Por outro lado, as organizações privadas podem apoiar proactivamente a sua força de trabalho, fornecendo subsídios de trabalho digital ou subsídios para despesas de Internet, a fim de garantir a conectividade e o acesso à Internet aos seus funcionários. As organizações também podem investir nos seus próprios centros de acessibilidade em áreas-chave. Por exemplo e para desenvolver a conectividade na Nigéria, o governo está a atrair investimento do sector privado no desenvolvimento de infra-estruturas digitais, destacando oportunidades fora das grandes cidades e enfatizando a responsabilidade social corporativa. Os esforços no Brasil estão focados na expansão das redes Wi-Fi e de fibra óptica, especialmente em áreas remotas. Isso inclui um investimento de 2 mil milhões de dólares para enfrentar os desafios de conectividade e promover a inclusão digital, com foco na região amazónica.

Para os Médicos Sem Fronteiras – outro estudo de caso – a conectividade em locais remotos pode mudar drasticamente a sorte das suas populações e salvar vidas.

(3) Regulamentações laborais e fiscais

As leis laborais e tributárias complexas impedem a colaboração, a flexibilidade e a conformidade perfeita entre equipas dispersas. Os empregadores devem considerar as diferenças de fuso horário, as condições de trabalho e os locais dos contratos, juntamente com questões sobre proteção social, remunerações e benefícios, contribuições para a reforma, despesas de viagem e alojamento, visitas a escritórios locais e presença obrigatória no escritório. Além disso, dependendo do país, são necessários acordos com os sindicatos quando as condições de trabalho são afectadas. Ademais, a complexidade das regras tributárias, como o cumprimento das obrigações fiscais, os protocolos de apresentação de relatórios, a remuneração dos funcionários e as transações transfronteiriças, dificulta a gestão de uma força de trabalho globalmente dispersa.

Para enfrentar eficazmente os desafios da legislação laboral e fiscal, as empresas precisam de obter uma compreensão profunda das legislações nacionais. Os períodos de restrições da COVID-19 mostraram como os governos podem adaptar rapidamente os seus regimes: as autoridades indianas, por exemplo, alteraram rapidamente a legislação para permitir que os funcionários dos call centers trabalhassem remotamente. A longo prazo, os consórcios industriais poderão ser capazes de trabalhar em conjunto com os governos para simplificar as regras existentes.

No curto prazo, as empresas podem recorrer a serviços de empregadores registados (EOR, na sigla em inglês) ou a organizações de empregadores profissionais (PEO, na sigla em inglês) para navegar nos ambientes jurídicos complexos específicos de cada país. Estas organizações permitem o recrutamento rápido e adequado dos melhores talentos em todo o mundo. Os serviços EOR e PEO envolvem a terceirização de tarefas relacionadas com o emprego, mas os EOR normalmente concentram-se na gestão directa de trabalhadores contingentes, enquanto os PEO fornecem muitas vezes uma gama mais ampla de serviços de recursos humanos (RH) às empresas clientes.

Além disso, para superar os desafios da complexidade fiscal, as empresas privadas que operam em todo o mundo podem investir em processos de conformidade rigorosos, procurar proactivamente orientação especializada e defender regulamentações fiscais transfronteiriças simplificadas.

Por seu turno, os governos podem aumentar a clareza, oferecendo visões gerais e mais transparentes das regulamentações fiscais nacionais, melhorando a neutralidade fiscal e implementando políticas que aumentem a atractividade do país para o investimento estrangeiro, a fim de facilitar o crescimento económico.

(4) Atractividade do país

A atractividade do país incorpora a gestão dos ciclos económicos, escândalos de corrupção, a agitação civil e a estabilidade política, os quais servem como catalisadores para os fluxos de investimento directo estrangeiro (IDE). Outro elemento da atractividade do país é a consciência das competências e capacidades existentes – situação elencada durante os estudos de caso como um obstáculo para as empresas, indivíduos e países procurarem activamente talentos globais. A título de exemplo, o estudo de caso sobre a Nigéria revela uma falta de sensibilização entre as empresas relativamente ao potencial deste país africano como fornecedor de mão-de-obra. Apesar dos investimentos substanciais da Nigéria na minimização das barreiras à entrada no mercado de trabalho, continuam a existir oportunidades de emprego insuficientes para a sua força de trabalho qualificada.

Para resolver estas barreiras, os países devem concentrar-se em proporcionar um ambiente positivo para a atração de investimentos. Os países devem também promover sistemas de desenvolvimento de talentos e aumentar a sensibilização para as capacidades locais.

Um bom exemplo é a abordagem realizada pela L’Oréal na seleção de locais operacionais, a qual identifica como as diferentes perceções dos países podem ou não permitir empregos digitais globais. Ao priorizar regiões com instituições educacionais fortes e um conjunto de talentos qualificados, a L’Oréal garante acesso a talentos de primeira linha, permitindo um ambiente propício à inovação. Ao alinhar as suas operações com regiões que proporcionam ampla disponibilidade de talentos e apoio regulamentar à inovação, a L’Oréal impulsiona ativamente a inovação e cria crescimento a longo prazo nestas regiões.

Para garantir que a formação está alinhada com a procura do mercado, a Nigéria consulta relatórios globais de competências solicitadas para identificar tendências mundiais e utiliza dados de sondagens locais para compreender as necessidades específicas do país. Além disso, realiza mesas-redondas com empregadores para recolher informações diretamente das empresas, melhorando a sua compreensão dos requisitos locais de trabalho. A colaboração com parceiros internacionais para mapear a disponibilidade de emprego enriquece ainda mais os esforços do país para adaptar programas de formação de forma eficaz para o desenvolvimento da sua força de trabalho digital.

Competências da força de trabalho

A secção final das barreiras identificadas pelo FEM diz respeito às (5) competências, conhecimentos e capacidades insuficientes e (6) incompatibilidade de atitudes/comportamentos e falta de sensibilização. Embora o relatório em causa tenha demonstrado como a força de trabalho qualificada do mundo está a tender para países de rendimentos mais baixos, os requisitos de competências estão em constante mudança – conforme identificado no “Relatório sobre o Futuro do Trabalho 2023” do Fórum Económico Mundial, que observa que 44% dos requisitos de competências essenciais deverão mudar dentro de cinco anos. Ter pessoas equipadas com as competências certas para empregos digitais é essencial para capacitar a força de trabalho digital global

(5) Competências, conhecimentos e capacidades insuficientes

De acordo com o presente documento, existe uma lacuna significativa nas competências de trabalho remoto, afetando negativamente a capacidade das pessoas de trabalharem remotamente de forma eficaz. Estas competências em falta incluem a compreensão de como as tecnologias funcionam, a sua implantação e o processo de mudança. As faltas de competências técnicas identificadas incorporam sistemas e processos específicos da empresa, como o software e o conhecimento técnico do produto. Da mesma forma, o acesso limitado à formação de competências de qualidade é uma barreira comum ao crescimento das mesmas, especialmente para grupos ou regiões desfavorecidos e marginalizados. As disparidades tecnológicas, as questões linguísticas e de literacia também impedem a aprendizagem.

Adicionalmente, as competências cognitivas estão a crescer rapidamente em importância, reflectindo a importância da resolução de problemas complexos no local de trabalho. Preparar os trabalhadores para futuros empregos digitais, implementando sistemas de aprendizagem ao longo da vida e estabelecendo parcerias com empregadores e instituições educativas assume-se como tema de importância extrema, sendo crucial que as instituições ofereçam programas de formação, incluindo melhoria de competências, novas competências e requalificação.

(6) Incompatibilidade de atitudes

Devido à crescente prevalência do trabalho remoto, as atitudes/comportamentos tornaram-se mais importantes na formação de novos colaboradores. Estes incluem a autoeficácia, o trabalho com os outros e a ética. As organizações devem dar prioridade ao desenvolvimento de “atitudes” para acelerar a transição para o trabalho digital global. Isto pode ser alcançado através da formação de colaborações globais para criar conteúdos de aprendizagem relevantes e solicitados, centrados no cultivo de atitudes para melhorar a colaboração remota. A título de exemplo, a organização Médicos Sem Fronteiras assume como prioridades atitudes essenciais para prosperar num ambiente multicultural e aumentar a eficiência operacional. Através do recrutamento estratégico, procuram candidatos flexíveis e ágeis, com forte alinhamento cultural, enfatizando competências interpessoais e consciência cultural, juntamente com conhecimentos técnicos. Esta abordagem garante colaboração e desempenho eficazes dentro da sua força de trabalho diversificada, criando uma cultura de compromisso e propriedade.

Superar as barreiras de uma força de trabalho digital global exige esforços concertados tanto por parte dos potenciais empregadores como dos países que procuram atrair empresas internacionais para aproveitar o talento local. A crescente sensibilização para as oportunidades globais de emprego digital deve ser apoiada por iniciativas educativas, campanhas de sensibilização pública e colaboração entre a indústria e os governos.

Imagem: © Robs/Unsplash.com

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