Segundo a Encíclica «Laudato Si», já o Papa Paulo VI se referia à problemática ecológica como uma crise dramática derivada da actividade descontrolada do ser humano, sublinhando a necessidade urgente de uma mudança radical. Por mais progressos tecnológicos e económicos que hajam, se não estiverem ligados ao progresso social, tudo colapsa. O Papa João Paulo II voltou a falar no assunto. O Papa Bento XVI regressou novamente ao assunto. O Papa Francisco voltou a falar do assunto e escreveu a Encíclica «Laudato Si» e «Fratelli Tutti»
POR MARGARIDA TEIXEIRA DE SOUSA

Voltei a ver na semana passada um documentário que me deixou um pouco desconcertada, mas simultaneamente inspirada e com a certeza de que quero deixar o mundo melhor: Pope Francis: a Man of His Word. A certa altura diz o Papa Francisco literalmente estas palavras: «E se hoje me perguntarem quem para mim é o mais pobre dos pobres, eu diria: A Mãe Terra!»

Fiquei abesbílica, pois esperava ouvir «os sem abrigo», «os refugiados», «as crianças». É a Terra, o Planeta Terra. E o tema não é novo. Mas, assim sendo, o que importa o resto? Se no final do dia eu tenho o meu dinheiro, a minha casa, a minha família ou os meus amigos? Sempre com o pronome possessivo bem verbalizado, evidentemente.

Quando eu tinha 16 anos, a minha mãe ofereceu-me um livro chamado A verdade Inconveniente, de Al Gore. Foi dos livros que mais me marcou até hoje. Deixou-me na altura com mixed feelings: de raiva, porque as pessoas à minha volta não estavam a perceber a gravidade da situação; desorientada, porque na altura eu nem reciclagem fazia e o assunto nada me dizia. Mas a verdade é que sou apaixonada pela vida, pelas pessoas, pela natureza e acho o mundo demasiado belo e incrível para sermos negligentes no seu cuidado. E a semente do livro ficou.

Desde então o tema tem vindo a ser cada vez mais abordado e com mais intervenções a nível nacional e mundial, mas de facto há um sentimento transversal à sociedade que é «estou bem aqui no meu cantinho», mas «a verdade sobre a crise climática é inconveniente porque significa que vamos ter de mudar a maneira como vivemos», como diz Al Gore.

E, mais uma vez, entra em cena a nossa resistência: «Mudar? Mudar a maneira como vivemos? A vida já é uma trabalheira, com 1001 coisas para fazer! Mudar o quê?»

Mas também há outra frase de Al Gore em que nos diz «as verdades inconvenientes não desaparecem apenas porque não são vistas. Quando não lhes damos respostas, a sua relevância não diminui, aumenta».

Segundo este livro, aqui ficam três factos do planeta que sofre, sendo que para mim o último é o mais importante. Tratando-se de alterações de comportamento, é precisamente aí que podemos fazer a diferença.

1 – Explosão populacional: a natalidade sempre esteve a subir até 2010 e a mortalidade a diminuir; por isso, daqui a um mês seremos 8 mil milhões de pessoas na Terra. É lógico que a implicação da exploração dos recursos naturais vá exercer uma enorme pressão em áreas vulneráveis, especialmente nas florestas tropicais, como é exemplo evidente a Amazónia;

2 – A revolução científica e tecnológica: sabemos dos avanços tecnológicos que nos trouxeram enormes progressos, mas também sabemos que vivemos num mundo em guerra, e que em 1945 a nova tecnologia das armas nucleares alterou muito a equação dos efeitos colaterais imprevistos e que a Humanidade já testemunhou. Outro exemplo é a irrigação, que pelos efeitos da tecnologia faz maravilhas na natureza, mas hoje em dia temos a capacidade de desviar rios gigantes se assim quisermos, como já sucedeu;

3 – A nossa forma de pensar: ser continuarmos assim, vai levar-nos à história da rã. É uma experiência científica que envolve uma rã, uma panela de água a ferver e uma panela de água morna.

A rã salta para a panela de água a ferver, mas imediatamente sai porque sentiu perigo. A rã vai para a panela de água morna e deixa-se ficar. Esta panela é posta ao lume e a rã deixa-se cozer quando a água estiver à mesma temperatura que pouco antes a fez dar um salto. A nuvem colectiva que paira sobre a sociedade é semelhante ao comportamento da rã. Reagimos apenas a um abalo súbito, a uma alteração rápida e drástica. Mas se existe uma alteração significativa nas nossas vidas lenta e gradual, ficamos quietos, não reconhecendo a gravidade do problema até sermos cozidos.

Obviamente que somos racionais e que não precisamos de ir para uma panela a ferver para perceber o perigo. O que sucede, contudo, é o aparecimento de bolhas de fervura no planeta: as temperaturas médias globais de aumentaram e a União Europeia é o terceiro maior emissor de gases de efeito de estufa (e que até 2030 terá que ter uma redução de 55%); o problema gravíssimo da desflorestação; os desastres naturais; todos eles são de natureza também económica, e apenas a rã não os vê.

Não é um assunto «estou aqui bem no meu cantinho», pois «precisamos de fazer crescer a consciência de que, hoje, ou nos salvamos todos ou não se salva ninguém», diz o Papa Francisco na carta Encíclica «Fratelli Tutti».

Segundo a Encíclica «Laudato Si», já o Papa Paulo VI se referia à problemática ecológica como uma crise dramática derivada da actividade descontrolada do ser humano, sublinhando a necessidade urgente de uma mudança radical. Por mais progressos tecnológicos e económicos que haja, se não estiverem ligados ao progresso social, tudo colapsa. O Papa João Paulo II voltou a falar no assunto. O Papa Bento XVI regressou novamente ao assunto. O Papa Francisco voltou a falar do assunto e escreveu a Encíclica «Laudato Si» e «Fratelli Tutti».

(Estas contribuições dos Papas, para os mais cépticos, recolhem a reflexão de inúmeros cientistas, teólogos, organizações sociais, juntamente com o pensamento da Igreja).

Também a própria Igreja nos fala das nossas três atitudes de cegueira na nossa forma de agir e pensar:

O ser dominador – achamos de facto que somos donos da Terra e que a Criação é um «fabrico» nosso;

O ser consumidor – continuamos a alimentar e a viver a cultura do descarte;

O ser explorador – não temos qualquer consciência do impacto que queremos deixar às gerações futuras, pois estamos fechados no nosso egoísmo.

Penso que tudo isto introduz uma nova forma de estar na Igreja (e no Mundo): o «Cristão 21.0» ou «Cidadão 21.0» (do século XXI, uma expressão que acabei de inventar e que se ajusta).

O «Cristão 21.0» não está só ao serviço do próximo, está também ao serviço da Casa Comum, que é também estar ao serviço do próximo. É uma actualização, um upgrade se lhe quisermos chamar. Pelo nosso Planeta, pela Criação.

Desta forma, o tema da Casa Comum tem de ser um pilar de qualquer comunidade e não apenas um movimento à parte (com respeito de que assim seja, porque de alguma forma tem de começar, mas não chega).

Não chega falar de «ecologia», de «conversão ecológica», de «responsabilidade ambiental», «ecologia integral», porque são a meu ver expressões redutoras sem a mínima atractividade linguística, para o que é de facto o estilo de vida necessário na «Casa de todos». Um estilo essencialmente comunitário, com base no carácter gratuito, no serviço, na partilha, na diversidade, na reutilização, que nos pede também a criatividade de novos gestos como ferramenta para um bem maior.

Precisamos de nos envolver seriamente em pequenos gestos (Pouco-Prático-Possível) no nosso dia-a-dia, que num todo e ao longo da nossa vida, vão verdadeiramente fazer a diferença. E para isso, sermos conscientes de quais são as atitudes de cegueira que nos levam a ser negligentes para com a Criação.

Ficam alguns links e ideias, que nas suas diversas formas poderão ser uma grande ajuda na nossa conversão e na relação com os outros, nesta Casa que é de todos. Sem aspas.

Cápsulas de café (https://www.mariagranel.com/produtos/251-cozinha/370-capsulas)

Outros produtos sustentáveis (https://do-zero.pt/loja/, https://www.mariagranel.com)

Projecto de voluntariado para o acesso da água potável (https://thirstproject.pt)

Projecto de voluntariado de recolha de lixo dos oceanos (https://www.4ocean.com/)

Projecto de responsabilidade empresarial (www.myplanet.pt)

Projecto Biosfera 2 (https://www.bbc.com/portuguese/geral-53471170)

A arte na salvação do Planeta (https://www.edp.com/pt-pt/historias-edp/eco-visionarios-a-arte-pelo-planeta)

Como viver a ecologia e espiritualidade (https://casavelha.org/)

Envolver- me na construção de uma nova economia (https://economiadefrancisco.org/)

Mobilizar a comunidade católica para cuidar da Casa Comum (https://laudatosimovement.org/pt/)

Para saber mais sobre a justiça social

(www.cidse.org – change for the planet)

Arquivo de Ecologia- artigos Ponto sj (https://pontosj.pt/category/ecologia/)

O mais recente documentário do Papa Francisco sobre a crise climática (https://youtu.be/Rps9bs85BII)

MARGARIDA TEIXEIRA DE SOUSA

Licenciada em Gestão e Mestrado em Empreendedorismo e Inovação Social. Trabalha na ACEGE