As empresas serão chamadas cada vez mais a mostrar compromissos reais com a sustentabilidade global em diversas áreas onde a sua ação já revelou uma grande influência, os quais são expressos não só nas suas intenções, mas sobretudo nas práticas que desenvolvem diariamente
POR RODRIGO FARIA
O cumprimento dos prazos de pagamento é um dos fatores considerados na avaliação das práticas ESG das empresas, enquadrando-se nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, que as empresas devem incorporar nas suas políticas de sustentabilidade nas vertentes Social, Económica e Ambiental.
Em Portugal, o cumprimento dos prazos de pagamento acordados com os fornecedores tem, pelos piores motivos, uma grande margem para melhorar e deveria estar entre as prioridades das empresas.
Para empresas com tesourarias que já enfrentam debilidades, um atraso num pagamento pode dar origem a novos atrasos em cascata, num processo de multiplicação que contamina um ambiente de confiança que se pretende para o desenvolvimento dos negócios e o desejado crescimento das empresas.
Cerca de um quarto das empresas que enfrentam uma situação de falência, devem-no aos atrasos nos pagamentos dos seus clientes.
No final de 2022, apenas 20,5% das empresas em Portugal pagavam dentro dos prazos acordados com os fornecedores. Cerca de dois terços registavam atrasos até 30 dias e 5% atrasos superiores a 90 dias. Nos últimos dois anos registou-se, entretanto, alguma melhoria na média de dias de atraso, que era em dezembro de 2022 de 22 dias, menos quatro do que em 2020.
No panorama internacional, nos países analisados na última edição do estudo ‘Payment Study’ elaborado com dados de 2021 pela CRIBIS D&B, e no qual a Informa D&B participa com informação das empresas portuguesas, Portugal está entre os países com maior percentagem de empresas incumpridoras.
Entretanto, o contexto internacional traz-nos motivos que contribuem para adensar o clima de incerteza. Depois de dois anos de pandemia que afetaram a operação e a tesouraria de muitas empresas, a subida dos preços da energia e matérias-primas vem agora ameaçar as suas margens operacionais.
Perante cenários com notícias negativas, a forma mais cómoda de olhar para os atrasos nos pagamentos é considerá-los um efeito de um conjunto de fragilidades de variada dimensão que atingem a vida das empresas. Além de ser a forma mais cómoda, esta é também uma maneira de aliviar responsabilidades.
Em vez de um efeito, seria muito mais eficaz que se olhasse para os atrasos nos pagamentos como uma causa de um outro conjunto de debilidades. Ao criar dificuldades de tesouraria a muitas empresas, sobretudo a muitas empresas de reduzida dimensão, estes atrasos põem em causa a própria sustentabilidade do tecido económico de que fazem parte também as empresas que não cumprem estes prazos. Num tecido económico com cadeias de valor que juntam muitas organizações interdependentes, as dificuldades de um dos elos pode fragilizar toda a cadeia.
Por definição, um círculo vicioso não se quebra sozinho – alguém tem de assumir a iniciativa de substituir o vício pela virtude. Talvez não se possa exigir a uma empresa que atravessa grandes dificuldades que seja a primeira a assumir este papel, mas certamente que não existem em Portugal mais de 80% de empresas que não o possam fazer.
É necessário um gesto de vontade por parte das empresas, de preferência com capacidade de servir de exemplo, como está a ser feito pelas empresas que assumem publicamente esta responsabilidade com o Compromisso Pagamento Pontual. Estão a fazê-lo não por si próprias, mas por todo o tecido empresarial, convictas de que este é um gesto que contribui para a sustentabilidade de muitas outras empresas, incluindo aquelas que, podendo fazê-lo, ainda não cumprem prazos de pagamento.
O risco de crédito comercial sempre foi um tema importante na gestão das empresas. Mas a escala que atinge em Portugal é preocupante por se ter tornado numa prática comum à grande maioria das empresas, uma prática que atinge quer a confiança dos gestores, quer as suas tesourarias, empobrecendo a atividade económica.
Enquanto esta realidade não evolui no sentido mais saudável, ela tem necessariamente de ser monitorizada. De acordo com o indicador de Risco Delinquency da Informa D&B, quase 10% de todas as empresas têm uma significativa probabilidade de incorrer em atrasos nos pagamentos superiores a 90 dias durante os próximos meses, na sua maioria empresas de reduzida dimensão e que, no seu conjunto, representam metade do valor total por pagar a fornecedores. A deteção precoce dessas vulnerabilidades nos pagamentos deverá ser avaliada, de modo a que a existência de crédito não signifique um risco significativo para os credores.
Rodrigo Faria
Diretor de Customer Experience na Informa D&B