À medida que a propagação do coronavírus se torna crescente, o mesmo acontece com o medo. Tal como um vírus, o medo contagia-nos e poderá levar, em alguns casos, a situações de pânico ou a outro tipo de desordens psicológicas que, a juntar ao isolamento social a que estamos sujeitos, poderão significar problemas acrescidos para os quais não estamos preparados. Mas como é possível mantermo-nos seguros no meio desta situação totalmente atípica e, em simultâneo, garantir que o medo não vai tomar conta das nossas vidas? A pergunta é pertinente e as respostas não são fáceis nem imediatas
POR HELENA OLIVEIRA

O medo é uma resposta evolucionária, normal e necessária a uma ameaça, concebida para nos manter seguros. E, independentemente desta ameaça ser emocional, social ou física, a resposta depende de uma interacção complexa entre o nosso “cérebro animal” primitivo (o sistema límbico) e o nosso sofisticado cérebro cognitivo (o neocórtex). E ambos trabalham arduamente para avaliar e responder às ameaças à nossa sobrevivência.

Como explica o psicólogo clínico Steven Taylor, “o que temos vindo a assistir nesta pandemia é o facto de o medo chegar antes da própria infecção, ou seja, as pessoas estão a viver uma ansiedade antecipatória, como forma de se manterem seguras, bem como para proteger as suas famílias e amigos. Mas mais do que qualquer outra coisa, o medo é uma resposta adaptativa, um sistema de alarme útil que foi concebido para nos proteger do perigo. Só quando o medo se torna excessivamente intenso ou persistente – ou quando já não existe perigo – é que se torna um problema”.

Steven Tyalor é um especialista nas reacções psicológicas desencadeadas pelas pandemias e o seu novo livro – que não poderia vir mais a propósito – intitulado “The Psychology of Pandemics:Preparing for the Next Global Outbreak of Infectious Disease” explora exactamente a forma como as pessoas respondem às pandemias e como é que este tipo de comportamentos se disseminam. E, no caso específico da Covid-19, existe um elemento que lhe confere uma ansiedade extra: o facto de ser uma ameaça nova, invisível e imprevisível. Como refere Taylor, “com as ameaças novas, o principal problema é a incerteza, na medida em que muita gente não sabe como lidar com ela. O que faz o coronavírus ser particularmente alarmante é o facto de estar rodeado de incógnitas e, mesmo sabendo-se que, no abstracto, a doença pode ser considerada como ‘ligeira’, a verdade é que tal não ajuda a inibir o medo”.

Voltando à forma como o nosso cérebro responde a uma potencial ameaça, e assim que esta é identificada, a resposta “lutar ou fugir” é accionada. Esta é a resposta biológica do corpo ao medo e envolve sermos “inundados” com adrenalina enquanto forma de assegurar que somos capazes de escapar ou derrotar qualquer que seja a ameaça, tal como um ataque de um animal perigoso. A resposta produz um conjunto de sintomas físicos intensos – palpitações, transpiração, tonturas e dificuldade em respirar – as quais servem para nos obrigar a fugir mais depressa ou a lutar mais aguerridamente. Todavia, este sistema pode estar sujeito a falhas e pode responder de forma desproporcional a ameaças que não são verdadeiramente sérias ou iminentes. Assim, a preocupação excessiva relacionada com a Covid-19 pode desencadear igualmente uma resposta “lutar ou fugir”, mesmo que não exista nenhuma razão para uma resposta biológica primitiva. Neste caso em particular, afirmam os especialistas, do que precisamos é do neocórtex, ou seja, de uma abordagem o mais racional possível a uma doença infecciosa, sem as complicações associadas ao pânico. Todavia e como sabemos, tal é mais fácil de dizer do que fazer, pois assim que o medo se instala, é muito complexo travá-lo.

Como afirma igualmente o psicólogo David DeSteno, num editorial no The New York Times, e no caso da Covid-19, “avaliar os seus riscos é particularmente difícil na medida em que o nosso conhecimento objectivo sobre a doença está ainda a evoluir”, o que contribui igualmente para gerar maiores níveis de ansiedade.

Por outro lado, os humanos evoluíram de forma a reagirem pobremente a este tipo de incerteza e imprevisibilidade, argumenta Dorothy Frizelle, psicóloga clínica, na Vox, porque ambas nos fazem sentir que estamos perante uma situação que escapa ao nosso controlo. Concentrarmo-nos naquilo que podemos controlar e ignorar o que não podemos é um dos conselhos comuns a muitos psicólogos que estão a seguir os efeitos psicológicos da pandemia de coronavírus. É que quanto mais medo sentirmos, mais aterrorizadora nos parecerá a realidade.

Adicionalmente, que outros factores psicológicos influenciam a forma como as pessoas estão a lidar com a pandemia? De acordo com Taylor, e como seria de esperar, existem diferenças individuais na forma como as pessoas lidam com uma ameaça: a maioria das pessoas está apropriadamente preocupada, ao mesmo tempo que muitas outras consideram o auto-isolamento como extremamente complexo de se lidar.

Todavia, Taylor acredita que as pessoas, no geral, são mais resilientes do que se julga e que a maioria delas irá passar por esta situação sem uma ansiedade demasiado debilitadora. Claro que pessoas com desordens de ansiedade preexistentes, com problemas emocionais ou com certos traços de personalidade – como a intolerância à incerteza ou a tendência para se preocuparem demais – serão mais afectadas. E também é importante não esquecer que os estados cerebrais aos quais chamamos de emoções existem por uma razão: para nos ajudar a decidir o que fazer a seguir. Ou seja, reflectem as previsões feitas pela nossa mente no que respeita ao que pode potencialmente acontecer, como forma de nos preparar para o embate. O problema surge quando essas mesmas emoções não estão correctamente calibradas para a ameaça que temos à nossa frente ou quando fazemos juízos de valor em domínios que não dominamos completamente – como é o caso – o que resulta num estado em que os nossos sentimentos concorrem de forma mais aguerrida para que nos sintamos perdidos.

Assim, é igualmente normal que existam muitas pessoas que estarão permanentemente preocupadas e que optem por comportamentos excessivos. Irão verificar continuamente a sua temperatura, como irão verificar continuamente as notícias – algo que os psicólogos não aconselham de todo a fazer -, em especial as que forem mais dramáticas e as que irão contribuir exactamente para que o seu alarmismo e ansiedade aumentem. É possível que optem por um isolamento (ainda mais) excessivo e que comecem a sentir sintomas como dores de cabeça, insónia e irritabilidade, exactamente devido aos níveis elevados de stress a que estão sujeitas. Existirá, igualmente, uma tendência compreensível para interpretarem tossidelas ou espirros “normais” enquanto sintomas da Covid-19, em si e nos que lhes são próximos. E é por isso também que se multiplicam os alertas à calma para impedir idas desnecessárias aos hospitais ou para não entupir as linhas de apoio à saúde.

Digerir a informação de forma não obsessiva pode diminuir o medo

As angústias relacionadas com a Covid-19 atingiram já níveis tão elevados que a Organização Mundial de Saúde (OMS) emitiu um conjunto de linhas orientadoras para proteger a saúde mental durante a pandemia. E um dos conselhos dados é o seguinte: “evite assistir, ler ou ouvir notícias que o façam sentir-se ansioso ou angustiado; procure informação apenas para saber que passos práticos tem de dar para preparar os seus planos e proteger-se a si e aos seus. (…) Procure actualizações da informação em alturas específicas e apenas uma ou duas vezes por dia. O fluxo constante de notícias sobre uma pandemia causa preocupação a qualquer pessoa”.

Mais uma vez, é mais fácil dizer que fazer. Como também sabemos, a cobertura dos media é vital nos tempos que correm e também ela tem um papel principal na regulação das nossas emoções, incluindo o medo. Apesar de o medo ser uma emoção que geralmente sentimos enquanto indivíduos, também pode ser uma emoção social e partilhada – ou seja, a que circula através de grupos e comunidades -, contribuindo para moldar as reacções aos acontecimentos que vamos testemunhando. Tal como já mencionado e tal como outras emoções, o medo é contagioso e propaga-se com rapidez.

Adicionalmente, a cobertura feita pelos meios de comunicação social estabelece a agenda para o debate público. Apesar de as notícias não nos dizerem necessariamente o que pensar, a verdade é que nos dizem sobre o que pensar. E, ao fazê-lo, assinalam os assuntos que mais merecem a nossa atenção. Pesquisas várias demonstraram, de forma consistente, que as questões que mais cobertura noticiosa têm, são as que são consideradas pelo público como as mais importantes.

E é também por isso que à medida que o número de casos de infectados aumenta, o mesmo acontece com a incerteza colectiva. Daí os psicólogos e os especialistas em saúde pública estarem a alertar para o aumento de ansiedade entre os cidadãos, largamente impulsionada por um sentimento de impotência. Neste momento, a disseminação do coronavírus não é apenas uma crise de saúde pública. É, sim, um evento global que está a ter impacto na generalidade da vida das pessoas, levando-as a preocuparem-se não só com a sua saúde e a dos seus, mas também com o que fazer às crianças e jovens que têm em casa, com a vida profissional e, em muitos casos, com as contas a pagar no final do mês. E, nesse sentido, a comunicação social, em conjunto com as redes sociais – e pese embora a preocupante dimensão das fake news -, está a ajudar significativamente a população a estar informada sobre questões que vão além da gravidade exclusiva da pandemia. É preciso não esquecer que a incerteza sobre a natureza e a trajectória desta ameaça exacerba igualmente um sentimento de não-controlo da situação, o que leva as pessoas a procurarem continuamente “ajuda” nas notícias.

E, neste caso, e apesar de todas as notícias falsas que continuam a circular, a verdade é que o conhecimento – proveniente da informação credível – funciona como um poderoso desinfectante.

Uma outra característica desta ameaça e que potencia o medo prende-se com um fenómeno chamado “vulnerabilidade iminente”. Como explica David Clark, psicólogo clínico, “quando uma ameaça ou perigo se vai aproximando gradualmente tende a ser muito mais assustador do que se aparecer de repente”. E, no caso das notícias, afirma também Clark, as pessoas tendem a concentrar-se ou no bom ou no mau. Para a maioria das pessoas, as boas notícias dizem-nos que a doença causada pelo coronavírus é geralmente moderada e que os sintomas, análogos aos de uma gripe, como febre e tosse, não são duradouros. As más notícias são, e como sabemos, o facto de o vírus ser novo e de elevado contágio, de não existir vacina, e de os idosos e pessoas com o sistema imunitário comprometido ou com doenças crónicas poderem ficar muito doentes e até morrer. E decidir entre prestar atenção mais às boas ou às más notícias depende de pessoa para pessoa, mas também da forma como a comunicação social escolhe dar as notícias. “Existem pessoas que são já particularmente preocupadas com as doenças e que sentem de uma forma mais exacerbada a sua própria mortalidade”, diz ainda Clark. E, nestes casos, “têm maior propensão para prestar mais atenção ao lado mau das notícias, sentindo uma dificuldade extrema em digerir as que têm um lado mais positivo”.

Dai que os especialistas em saúde alertem para o importante serviço público prestado pelos meios de comunicação, alertando contudo para as inevitáveis situações de sensacionalismo. Por exemplo, o Poynter Institute, que forma jornalistas, tem vindo a chamar a atenção para a utilização do termo “vírus mortal”, na medida em que, e para a maioria das pessoas, o coronavírus não é letal. A par do dever de informar criteriosamente, a comunicação social tem de evitar, a todo o custo, explorar os medos das pessoas. Por outro lado, multiplicam-se os avisos para que as pessoas limitem a sua exposição às notícias, não as seguindo obsessivamente.

Um aviso difícil de seguir, é certo, mas que poderá contribuir para mantermos a nossa sanidade mental nos tempos difíceis que se avizinham.

Editora Executiva