Num cenário de instabilidade económica e política, mais de 400 mil empresas portuguesas enfrentam o risco real de encerrar actividade nos próximos dois anos, caso não haja melhorias significativas no crescimento económico. O alerta é lançado pelo estudo European Payment Report 2025 – Portugal, da Intrum, que destaca os impactos da incerteza, dos atrasos nos pagamentos e da frágil tesouraria empresarial, sobretudo nas PME
POR HELENA OLIVEIRA
Apesar de um optimismo cauteloso face à evolução económica, os atrasos de pagamento continuam a ser uma ameaça à sustentabilidade das empresas em Portugal — e um entrave ao crescimento económico. O mais recente European Payment Report 2025, publicado pela Intrum, mostra que os empresários portugueses estão mais confiantes do que a média europeia, mas enfrentam desafios persistentes na gestão do fluxo de tesouraria. A dependência excessiva dos pagamentos em atraso compromete o investimento, a inovação e, mais preocupante que tudo, a sobrevivência de muitas PME.
Mas nem tudo são más notícias. De acordo com os dados revelados pelo mesmo estudo para Portugal, seis em cada dez empresas portuguesas identificam o crescimento como a sua prioridade estratégica, uma percentagem superior à média europeia. Mais optimistas do que os seus pares europeus, 36% dos executivos portugueses acreditam numa melhoria da economia nacional no próximo ano (face aos 31% da média europeia). No entanto, 56% adoptam uma abordagem mais conservadora quanto ao financiamento e às despesas, reflectindo os efeitos da persistente instabilidade internacional e da volubilidade do cenário político nacional.
A incerteza que paralisa o tecido empresarial
De acordo com os dados recolhidos pela Intrum, 23% dos decisores portugueses admite que a sua empresa poderá não sobreviver até 2027, caso o contexto económico se mantenha desfavorável – um valor idêntico à média europeia. Entre as PME, o risco sobe para 29%, quase o triplo do registado nas grandes empresas (11%), evidenciando a vulnerabilidade das estruturas empresariais de menor dimensão.
As implicações deste risco de colapso empresarial estendem-se ao mercado de trabalho. O estudo estima que mais de 1,1 milhões de postos de trabalho estão em risco, dos quais cerca de um milhão nas PME e aproximadamente 120 mil em grandes empresas. Esta projecção assume particular relevância num país com uma forte dependência de pequenas e médias empresas para a geração de emprego e dinamismo económico.
Este necessário equilíbrio entre ambição e prudência marca assim a atitude das empresas em 2025, que enfrentam novos riscos e velhos problemas — com destaque para os atrasos de pagamento, que continuam a minar a confiança no tecido empresarial.
Atrasos nos pagamentos: uma ameaça crónica
Os atrasos de pagamento continuam a ser um dos maiores obstáculos ao crescimento empresarial em Portugal. De acordo com o estudo da Intrum, 28% das empresas relatam que os seus investimentos estratégicos foram directamente afectados por este problema no último ano. Além disso, cerca de um quinto dos inquiridos registou um aumento das perdas por incobráveis.
O cenário é preocupante: 35% das empresas consideram que a situação dos atrasos se mantém tão grave como durante a pandemia, e metade (50%) acredita que o risco está a aumentar. Ainda assim, há uma descida na preocupação com a capacidade de pagamento dos clientes, que passou de 63% em 2024 para 51% em 2025.
Gap crescente entre o que se promete e o que se paga
Os dados mais recentes revelam igualmente um agravamento do “gap de pagamento” — ou seja, o intervalo entre o prazo acordado e o pagamento efectivo. No segmento B2C, os consumidores estão a pagar com um atraso médio de 12 dias, acima dos 9 dias em 2024. No caso das empresas (B2B), o atraso médio subiu para 18 dias, e no sector público manteve-se nos 15 dias.
Estes atrasos, para além de dificultarem a gestão financeira, alimentam uma espiral de desconfiança que prejudica a cadeia de pagamentos a montante e a jusante.
O impacto nas PME: risco real de encerramento
As PME são as mais vulneráveis ao impacto dos atrasos. Como já enunciado anteriormente, o relatório mostra que 29% destas empresas admitem poder encerrar a actividade nos próximos dois anos, caso o contexto económico não melhore — quase o triplo da percentagem nas grandes empresas (11%).
Desta forma, as PME, com margens de manobra reduzidas, são as mais penalizadas na medida em que a falta de pontualidade nos pagamentos compromete o fluxo de caixa, reduz a liquidez e limita a capacidade de investimento, pagamento de salários e cumprimento de obrigações financeiras.
Os atrasos nos pagamentos não afectam apenas a saúde financeira imediata das empresas: comprometem a sua resiliência a médio prazo. Esta realidade tem impacto na capacidade de planeamento estratégico, na confiança dos investidores e nas condições de acesso a financiamento externo. Numa conjuntura já marcada por incerteza política e quebra na procura, os atrasos tornam-se um factor de risco sistémico.
Tecnologia, dados e firmeza: estratégias para resistir
Apesar das dificuldades, muitas empresas estão a adoptar estratégias para mitigar o problema dos pagamentos em atraso. Entre as medidas mais recorrentes estão a actualização dos sistemas de cobrança, o reforço da capacitação das equipas de contacto com clientes e o investimento em ferramentas de análise de dados. Estas acções visam encurtar os prazos de pagamento e reduzir a discrepância entre a data de vencimento das facturas e o efectivo recebimento.
Além disso, algumas empresas estão a reforçar cláusulas contratuais, a aplicar juros por atrasos e a recorrer a serviços de mediação e cobrança profissionalizada para fazer valer os seus direitos de forma eficaz e célere. A profissionalização da gestão de crédito surge como uma necessidade crescente num contexto económico de maior complexidade e risco. Adicionalmente, a implementação de tecnologias de gestão de crédito e o reforço de políticas internas de controlo financeiro, estão a começar a produzir efeitos, em particular a partir de 2023.
O contra-ataque das empresas: mais rigor, mais tecnologia
Para se protegerem, muitas empresas portuguesas estão a endurecer os seus critérios: 48% adoptaram condições de pagamento mais rigorosas e 25% recusam prazos mais longos. O pré-pagamento continua a ser a medida mais popular (47%), mas destaca-se também o aumento das garantias bancárias (de 19% para 29% desde 2023) e da prevenção de fraude (de 19% para 24%).
Outra tendência crescente é a utilização de ferramentas digitais: 80% das empresas já investem em análise de dados para prever atrasos e 20% utilizam software para avaliar a fiabilidade dos clientes — com destaque para os sectores das Telecomunicações (56%) e Hotelaria e Lazer (50%).
Inteligência artificial: promessas e obstáculos
A IA surge como uma ferramenta promissora para gerir os fluxos de pagamento. Em Portugal, 59% das empresas afirmam já usar esta tecnologia na sua gestão de pagamentos. Entre os principais benefícios apontados estão a eficiência, a personalização da comunicação com os clientes e a redução de erros humanos.
Contudo, persistem dificuldades: 56% das empresas reportam falta de competências internas para tirar partido da IA, e 53% admitem não estar preparadas para a nova legislação europeia sobre IA, que entrará em vigor no Verão de 2025. A privacidade dos clientes também é uma preocupação relevante para 67% dos consumidores portugueses.
A directiva europeia: um recurso subaproveitado
Apesar de a Directiva dos Atrasos de Pagamento estar em vigor, continua a ser pouco utilizada em Portugal. Apenas 54% das empresas afirmam aplicar esta ferramenta legal, embora 30% apoiem agora as suas revisões mais recentes. A Intrum recomenda que as empresas definam com clareza os termos de pagamento e usem esta directiva como alavanca para promover uma cultura de pontualidade.
A necessidade de um compromisso colectivo
Os resultados do European Payment Report 2025 para Portugal traçam um retrato claro: as empresas nacionais, especialmente as PME, estão a navegar num mar de incertezas onde cada dia conta. A combinação entre instabilidade económica, atrasos nos pagamentos e pressão sobre a tesouraria exige respostas rápidas e estruturais, tanto das próprias organizações como das entidades reguladoras e do Estado. Caso contrário, o risco de colapso não será apenas empresarial – será social e económico, com consequências profundas para o futuro do país.
Na verdade, sem uma melhoria substancial na pontualidade dos pagamentos, será difícil assegurar a saúde financeira do tecido empresarial. As empresas estão a fazer a sua parte, investindo em tecnologia e endurecendo práticas. Mas é preciso mais: regulação eficaz, justiça célere e uma mudança de mentalidade que reconheça que pagar a horas é também uma questão de responsabilidade ética e cívica.
O futuro da economia portuguesa depende da liquidez das suas empresas. E a liquidez depende, acima de tudo, da confiança mútua. Pagar a tempo é um dever. Cumpri-lo é garantir que a engrenagem continua a funcionar.
NOTA: Se a sua empresa paga ou está comprometida em acabar com os atrasos nos pagamentos, junte-se ao Compromisso Pagamento Pontual , o programa da ACEGE, que desde 2011, em parceria com a CIP, a Apifarma, o IAPMEI, a Ordem dos Contabilistas Certificados, a Informa D&B e o Santander apela à adesão de empresas e outras entidades ao cumprimento rigoroso dos prazos de pagamento a fornecedores, reconhecendo que pagar a horas é uma questão de justiça, responsabilidade e sustentabilidade económica. Sob o lema ““Pagar a Horas e Fazer Crescer Portugal”, o programa é um movimento em crescimento, do qual fazem parte mais de 2.500 entidades (micros, pequenas, médias e grandes empresas, grupos económicos, associações, instituições financeiras, seguradoras, instituições e empresas públicas, câmaras municipais, juntas de freguesia), distribuídas por todo o continente. Consulte as condições de adesão.
Imagem: © Srikanta H. U/Unsplash.com
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