A análise da constituição que melhor serve os votantes estabelece a ideia de que a maioria das escolhas políticas deve ser uma decisão da maioria simples. E há uma questão já antiga a ocupar a economia política moderna: um sistema de escolha coletiva baseado em votos maioritários permite encontrar uma solução duradoura para qualquer questão em debate? Num famoso texto de 1785, Ensaio sobre a aplicação da análise à probabilidade de decisões proferidas por pluralidade de votos, o Marquês de Condorcet respondeu negativamente a esta questão. Entre outros achados, Condorcet mostra que se mais de duas moções forem submetidas a mais de dois eleitores, as ordens de preferência racionais dos indivíduos podem resultar em maiorias instáveis
POR PEDRO COTRIM

Em Portugal, as legislativas têm alguns vieses. O mais notório são os círculos eleitorais. Bem sabemos que Lisboa e Porto são os mais importantes e que permitem eleger deputados de quase todos os partidos. Em Portalegre elegem-se apenas dois, havendo quatro distritos com três mandatos. O que faz um eleitor que sabe que o seu voto no partido pequeno de pouco/nada servirá?

Schumpeter contribuiu para este assunto com o seu conceito de «elitismo competitivo» e a ideia de «destruição criativa» no âmbito do processo democrático. Na sua obra seminal Capitalismo, Socialismo e Democracia, publicada em 1942, Schumpeter defendeu que a democracia não é um sistema em que a vontade da maioria se traduza directamente em resultados políticos, mas antes uma luta competitiva entre elites para ganhar poder através de eleições periódicas.

Segundo o austríaco, as eleições servem como um mecanismo de selecção de líderes políticos ou elites que competem pelo apoio do eleitorado, oferecendo diferentes propostas e visões políticas. Schumpeter salientou o papel dos partidos políticos e dos líderes carismáticos na definição dos resultados eleitorais e na condução da mudança política.

Imaginemos, por exemplo, que três eleitores são caracterizados pelas seguintes ordens de preferência entre três opções possíveis, A, B, C (> significa «é estritamente preferido a»): para o primeiro eleitor, A > B > C; para o segundo, B > C > A; para o terceiro, C > A > B. Neste caso, não há apenas uma maioria possível, mas três. Com efeito, uma votação maioritária dará as seguintes preferências colectivas (dois votos a um): A > B, B > C e, finalmente, C > A. Assim, ao contrário do que acontece para um indivíduo, as escolhas colectivas para a maioria não são sempre transitivas (A > B e B > C não implicam A > C).

A consequência mais incómoda desta particularidade é de que nenhuma solução única pode ser imposta a longo prazo. A escolha política dependerá da questão que for colocada a votação (A contra B, ou B contra C, ou A contra C), mas esta escolha poderá sempre ser desfeita mais tarde, porque haverá sempre uma maioria de eleitores a exigir uma solução diferente daquela que foi temporariamente escolhida. O espectro da instabilidade crónica das escolhas políticas ameaça, portanto, qualquer democracia baseada no governo da maioria.

Duncan Black tentou fornecer uma solução mais optimista para este problema enunciando o «teorema do eleitor mediano». Black demonstra que uma maioria estável pode surgir se três condições forem satisfeitas: se a questão que está sob votação for unidimensional, se para cada eleitor existir uma única solução preferida sobre todas e se todas as escolhas possíveis forem comparadas duas a duas e colocadas em votação sucessiva.

Verificadas estas três hipóteses, demonstra Black, segue-se o seguinte teorema: o procedimento de votação permite sempre produzir uma maioria estável a favor de uma escolha única, que corresponderá à escolha do eleitor mediano. O eleitor mediano é aquele que divide em duas populações iguais os eleitores cujo ponto óptimo é maior ou igual ao seu e os eleitores cujo ponto óptimo é menor ou igual ao seu.

Este teorema parece confirmar uma intuição de bom senso. Se o problema é reunir metade dos votos mais um numa escolha, dizemos a nós mesmos que um único voto é suficiente para fazer pender a balança para um lado ou para outro – a voz do indivíduo cuja opinião está a meio caminho entre as várias opiniões presentes. O defensor do «meio-termo» domina sempre as escolhas políticas, mas esta intuição é enganadora. Não devemos negligenciar as hipóteses restritivas sem as quais o teorema deixa de ser válido. Alguns trabalhos subsequentes mostrarão até que ponto estas hipóteses são inaceitáveis.

Em primeiro lugar, a natureza unidimensional do problema submetido aos eleitores exclui do âmbito do teorema o número de votos onde várias questões são resolvidas ao mesmo tempo e onde os critérios de avaliação são múltiplos. Contudo, excepto em caso de referendo, os cidadãos votam em programas que são, por definição, multidimensionais.

Ademais, o teorema de Black aplica-se directamente às escolhas colectivas de uma assembleia deliberativa ou de uma democracia directa, mas não à eleição de representantes que, no entanto, constitui um aspecto primordial da vida política. Esta lacuna é parcialmente preenchida por outros pensadores, que sugerem classificar os candidatos eleitorais numa escala contínua de sensibilidade ideológica, da esquerda para a direita. A escolha dos eleitores equivale então a decidir sobre uma única dimensão (a ideologia dos candidatos), e é assim possível estabelecer, adoptando a abordagem de Black, um teorema do eleitor mediano. O candidato ou partido que vence a eleição é aquele que melhor satisfaz os desejos do eleitor mediano na escala ideológica, ou seja, o eleitor em que há tantos eleitores mais à esquerda como eleitores mais à direita do que ele próprio

Este modelo apenas se aplica razoavelmente bem sob certas condições muito restritivas. Por um lado, a distribuição das preferências direita-esquerda na população deve ser unimodal (nunca há vários picos na curva de distribuição das opiniões da direita para a esquerda). No entanto, não há razão para que isto seja sempre assim. Surgem situações em que as preferências são bimodais (com um pico populacional claramente à esquerda e outro pico claramente à direita) ou multimodais. Por outro lado, o teorema do eleitor mediano pressupõe que eleitores e candidatos sabem perfeitamente identificar o que está certo e o que resta, e que o rótulo ideológico é a única informação relevante para os eleitores.

Contudo, é claro que, na realidade, o critério de classificação ideológica não é apenas incerto e flutuante, mas também combinado com outros critérios de julgamento dos candidatos (reputação, experiência passada, aparência física, conteúdo real dos programas, etc.). Mas, como vimos, assim que a escolha for multidimensional, a escolha da maioria permanece potencialmente instável.

Amartya Sen e Prasanta Pattanaik (1969) abordaram o problema de Black em termos mais gerais e relevantes. Supõem apenas indivíduos racionais cujas preferências permitem definir uma relação de ordem entre todos os estados possíveis do mundo; eles não impõem outros limites à priori em relação às preferências individuais. Demonstram outro teorema: a regra da maioria define uma ordem coletiva de preferência coerente e estável entre qualquer conjunto de três escolhas X, Y e Z, se todas as preferências individuais respeitarem uma «restrição extrema»: se, para todos (X, Y, Z), existe um indivíduo para quem X > Y > Z, então, qualquer indivíduo para quem Z > X deve ter preferências Z > Y > X. A preferência Z > X > Y é portanto excluída.

Este teorema estabelece, na verdade, a impossibilidade de tal equilíbrio maioritário estável, porque a restrição extrema chega ao ponto de ser inaceitável. Na verdade, por que excluir ordens a priori de preferência individual que são inteiramente possíveis? Se X > Y > Z para um primeiro indivíduo e Z > Y > X para um segundo, por que seria impossível ter Z > X > Y para um terceiro? Imaginemos que o Pedro prefere trabalhar durante a semana (dia) em vez de domingo e prefere esta última possibilidade a trabalhar à noite. Portanto, possui as seguintes preferências: dia > sol > noite. Se o Paulo considera que noite > sol > dia, isso não impede de forma alguma que certos indivíduos acreditem que noite > dia > Sol. Para alguns, o domingo é sagrado e as restrições extremas não são respeitadas. E não há razão para supor que esta última se aplique a qualquer outro assunto.

O paradoxo é apenas aparente. Na realidade, a democracia directa é a excepção e a democracia representativa a regra. As escolhas públicas não estão sujeitas ao voto de milhões de cidadãos, mas sim ao de algumas centenas de representantes agrupados em partidos políticos. Se os deputados de um mesmo partido votam sempre em bloco, o número de eleitores efectivos fica limitado ao número de partidos independentes com representantes eleitos. Esta limitação do número de eleitores garante a homogeneização das preferências, necessária para reduzir o risco de maiorias instáveis.

Além disso, o risco de uma maioria desfazer no dia seguinte o que foi votado na véspera é excluído pelo controlo da agenda das assembleias, quer pelo governo, quer pelos partidos que têm maioria. Isto evita ter de submeter à votação moções contraditórias com as moções recentemente aprovadas. Quando decidimos construir uma piscina em vez de um campo de ténis, não vemos por que razão os responsáveis ​​pela ordem do dia pudessem submeter à votação uma moção propondo a substituição da piscina por um campo de futebol.

Esta breve revisão da literatura estabelece, portanto, que a regra da maioria pode garantir escolhas colectivas estáveis ​​e coerentes no caso de uma sociedade muito homogénea e onde todos concordam em quase tudo; no caso de uma sociedade onde uma maioria relativamente homogénea impõe o seu domínio às minorias; finalmente, na presença de regras institucionais que limitam o alcance das questões submetidas a votação e a ordem em que essas questões podem ser colocadas. Estamos assim confrontados com um problema ético: numa sociedade heterogénea, o caos na tomada de decisões só será evitado se um dos grupos sociais for suficientemente homogéneo e importante para impor o seu domínio, e/ou se confiarmos a agenda das decisões políticas para um pequeno grupo homogéneo.