A saúde da democracia diminuiu significativamente em muitas nações nos últimos anos, mas o conceito de democracia representativa continua a ser popular entre cidadãos de todo o mundo. Num estudo realizado recentemente pelo think tank Pew Research Center, e numa amostra de 24 países*, a esmagadora maioria dos inquiridos descreve a democracia representativa, ou seja, um sistema democrático em que os representantes eleitos pelos cidadãos decidem o que se torna lei, como uma forma positiva ou muito positiva de governar o seu país. Todavia, os demais sistemas analisados – democracia directa, tecnocracia, autocracia e regime militar – têm também os seus defensores
POR HELENA OLIVEIRA

O entusiasmo relativo à democracia representativa diminuiu em muitas nações, pelo menos  desde 2017, ano em que o Pew Research Center levou a cabo um inquérito sobre a mesma temática. Entre os países incluídos no estudo de este ano, uma média de 59% está insatisfeita com o funcionamento da sua democracia, 74% consideram que os políticos eleitos não se importam com o que os eleitores pensam (versus 26% dos que acreditam que sim) e 42% afirmam que nenhum partido político no seu respectivo país representa verdadeiramente as suas opiniões.

Na Argentina, na Grécia, na Nigéria, em Espanha e nos EUA, oito em cada dez ou mais pessoas afirmam que os eleitos não se preocupam com as opiniões dos cidadãos no geral. E noutros oito países, cerca de três quartos ou mais têm esta opinião. A Suécia é o único país inquirido em que a maioria (56%) das pessoas acredita que os políticos eleitos se preocupam com o que pensa o seu eleitorado.

Óbvio parece ser o facto de a situação económica de cada um dos países inquiridos representar um factor de peso nesta percepção. Em todos os países inquiridos, as pessoas que afirmam que a situação económica no seu país é boa têm mais probabilidades do que as que dizem que é má de acreditar que a maioria dos políticos eleitos se preocupa com pessoas como elas próprias. No Canadá, 55% das pessoas que dão à situação económica uma classificação positiva têm esta opinião, em comparação com apenas 21% das pessoas que dão uma nota negativa à economia.

Também o apoio ou não ao partido que está em funções governativas contribui para esta percepção. Em 19 países, as pessoas que apoiam o partido do governo têm mais probabilidades do que as que não apoiam de dizer que os funcionários eleitos se preocupam com o que pensam as pessoas como elas próprias. Por exemplo, na Grécia, há uma diferença de 31 pontos percentuais entre os que apoiam o partido no poder, a Nova Democracia de centro-direita (39%), e os que não apoiam (8%). Adicionalmente, existem diferenças de 20 pontos ou mais no Canadá, França, Alemanha, Hungria, Quénia, Países Baixos e Polónia.

Face há sete anos, a confiança na “excelência” da democracia participativa está a decrescer

A percentagem dos entrevistados que descreve a democracia representativa como uma forma muito boa de governar diminuiu significativamente em 11 dos 22 países para os quais existem dados de 2017 (as tendências não estão disponíveis na Austrália e nos EUA). Por exemplo, em 2017, 54% dos suecos consideravam que a democracia representativa era uma abordagem muito boa, ao passo que, actualmente, apenas 41% têm esta opinião. Em contrapartida, o forte apoio à democracia representativa aumentou significativamente em três países (Brasil, México e Polónia).

Na resposta à pergunta “O que – ou quem – faria com que a democracia representativa funcionasse melhor?”, foram muitos os que afirmaram que as políticas no seu país melhorariam se mais funcionários eleitos fossem mulheres, pessoas oriundas de meios pobres e jovens adultos. Sem surpresas, a eleição de mais mulheres é especialmente popular entre os inquiridos do sexo feminino mas, e no geral, a maioria dos inquiridos concorda que a sua eleição pudesse beneficiar o país em causa pelo menos em 50%. Já a eleição de mais jovens para os cargos públicos é particularmente popular entre as pessoas com menos de 40 anos (46%), com a mesma percentagem a representar os cidadãos pertencentes a contextos mais desfavorecidos.

Quando o tema é impacto da eleição de empresários e membros de sindicatos, as opiniões são mais divergentes, com as percentagens a diminuírem (33% e 30% respectivamente), o mesmo acontecendo com os líderes religiosos (apenas 23% dos inquiridos consideram esta hipótese como uma melhoria na democracia), embora a ideia seja relativamente popular em vários países de rendimento médio (Argentina, Brasil, Índia, Indonésia, Quénia, México, Nigéria e África do Sul). Já no que respeita a empresários, cerca de um terço acredita que estes poderiam substituir os líderes políticos na governação dos seus países.

Como é que as opiniões sobre a democracia se comparam com as abordagens não democráticas?

Como clarifica o Pew Research Center, os elementos da democracia representativa estão claramente presentes em cada um dos países inquiridos. E, embora muitos expressem insatisfação com a forma como a democracia está a funcionar no seu país, as maiorias em todos estes países acreditam que a democracia representativa é uma forma de governação algo ou muito boa. Assim, em todos os 24 países inquiridos, uma média de 77% expressa apoio à democracia representativa e apenas 20% acreditam que o governo por representantes eleitos é uma má forma de governação.

No entanto, e comparando com dados de 2017, o estudo mostra que a confiança na governação através da democracia representativa diminuiu em 10 dos 22 países desde 2017. As maiores descidas verificam-se na Suécia, no Quénia, no Canadá, no Reino Unido e na Nigéria, mas a percentagem global do público que afirma que a democracia é um bom sistema manteve-se estável na maioria dos países desde há sete anos.

De forma expectável, na maioria dos países, os inquiridos que declaram estar satisfeitos com o funcionamento da democracia têm mais probabilidades de afirmar que a democracia representativa é um bom sistema. E em 19 países, este tipo de governo é especialmente popular entre os inquiridos que pensam que as suas opiniões são representadas por, pelo menos, um partido. Também em metade dos países inquiridos, o apoio à democracia representativa é maior entre aqueles que acreditam que os representantes eleitos se preocupam com as suas opiniões.

Igualmente neste caso, as opiniões sobre o estado da economia estão igualmente relacionadas com as opiniões sobre a democracia representativa. Aqueles que dizem que a situação económica do seu país é boa têm mais probabilidades de apoiar a democracia representativa em cerca de metade dos países inquiridos. Ademais, em nove países, as pessoas com rendimentos mais elevados têm mais probabilidades de afirmar que esta é uma boa forma de governação do que as pessoas com rendimentos mais baixos e, em 11, as pessoas com mais educação têm uma opinião mais favorável sobre a democracia representativa do que as pessoas com menos educação.

E o que se pensa sobre a democracia directa?

Foi igualmente perguntado aos participantes o que pensavam sobre a democracia directa, descrita como um sistema em que os cidadãos, e não os seus representantes eleitos, votam directamente nas principais questões nacionais. Os resultados do estudo demonstram que, em 24 países, a maioria considera que um sistema democrático em que os cidadãos, e não os funcionários eleitos, votam directamente nas questões para decidir o que se torna lei seria uma boa forma de governar.

Dos cinco sistemas [democracia participativa, democracia directa, tecnocracia, autocracia e regime militar]sobre os quais os inquiridos foram questionados, a democracia directa é o segundo mais popular. Uma média de 70% afirma que seria uma boa forma de governar o seu país, e cerca de metade ou mais afirmam-no em todos os países inquiridos. O apoio ao governo por sufrágio directo é mais baixo na Suécia, onde as opiniões se dividem: 49% dizem que é uma boa forma de governar e 49% afirmam o oposto.

E a tecnocracia?

Para além das duas formas de democracia, os inquiridos foram questionados sobre as suas atitudes em relação à tecnocracia que, definida pelo Pew Research Center, consiste num sistema de governo com base em peritos/especialistas, e não em funcionários eleitos, para tomar decisões de acordo com o que pensam ser melhor para o país. As maiorias em dois terços dos países inquiridos afirmam que esta seria uma boa forma de governar e, na Hungria e na Índia, cerca de oito em cada dez são a favor. As opiniões favoráveis são menos comuns no Brasil, em França e em Israel. Ainda assim, cerca de quatro em cada dez destas nações confiariam em especialistas para governar o país.

O estudo do Pew demonstra também que, desde 2017, a percentagem do público que favorece um sistema em que são os peritos, e não os funcionários eleitos, a tomar decisões, aumentou na maioria dos países inquiridos, com o México e a Grécia a terem os resultados mais elevados. Ou seja, desde 2017 que o número de apoiantes da tecnocracia está a aumentar na maioria dos países inquiridos.

Como explica o think tank responsável pelo estudo, esta mudança pode estar relacionada, pelo menos em parte, com a pandemia de COVID-19. Desde 2020, foram muitos os que se voltaram para cientistas e profissionais médicos para obter os seus conhecimentos sobre como melhor gerir a crise. Por exemplo, a análise nos EUA mostra que o apoio à denominada expert rule está relacionado com as percepções relativamente aos peritos durante a pandemia. Entre as pessoas que acreditam que as autoridades de saúde pública fizeram um bom trabalho na resposta à COVID-19, 59% pensam que este “regime” é um bom sistema governamental, em comparação com apenas 35% entre aqueles que dizem que as autoridades de saúde pública fizeram um mau trabalho ao lidar com a pandemia.

O apoio preocupante a modelos de governo mais autoritários

O regime autocrático é geralmente impopular: Em todos os países inquiridos, excepto em cinco (Índia, Indonésia, Quénia, México e Nigéria), as maiorias rejeitam-no. No Canadá e na maior parte da Europa, metade ou mais dos inquiridos afirmam que é uma forma muito má de governar.

Todavia, e em 13 países, um quarto ou mais dos inquiridos considera que um sistema em que um líder forte pode tomar decisões sem a interferência do parlamento ou dos tribunais é uma boa forma de governo e cerca de 25% dos inquiridos manifestam-se abertos a esta forma de governação, incluindo uma grande parte dos que vivem na maioria dos países de rendimento médio.

Adicionalmente, mesmo nas democracias com rendimentos mais elevados, minorias substanciais descrevem o governo por parte de um líder forte como uma boa forma de governar, incluindo uma em cada quatro ou mais no Japão, Polónia, Coreia do Sul, Reino Unido e EUA.

De um modo geral, afirma também o Pew, o PIB de um país está associado à percentagem da população que apoia um regime autocrático. Os países com um PIB per capita mais elevado tendem a ter menos pessoas que pensam que a governação por parte de um líder forte é uma boa forma de governar. Os EUA destacam-se, em certa medida, deste padrão: têm o PIB per capita mais elevado dos países inquiridos, mas cerca de metade dos outros países manifestam menos apoio à autocracia do que os EUA.

Em geral, o apoio a um modelo de líder forte também é menor nos países que recebem classificações mais elevadas de organizações de investigação que avaliam a saúde da democracia, como a Economist Intelligence Unit, a Freedom House, a International IDEA e o projeto Varieties of Democracy, faz ainda saber o think tank.

O estudo concluiu igualmente que em oito dos 22 países onde as tendências ao longo do tempo (2017-2023) estão disponíveis, a percentagem de inquiridos que afirmam que a governação nas mãos de um líder forte é uma boa forma de governar aumentou. Este grupo de países é diversificado e inclui alguns da América Latina, África, Ásia e Europa. Por seu turno, o apoio a um modelo de líder forte diminuiu em quatro países: Hungria, Israel, Itália e Suécia.

Os factores que contribuem para a visão que se tem de regimes autocráticos estão também relacionados com o rendimento, a educação e a ideologia. As pessoas com rendimentos mais baixos aceitam melhor a ideia de um líder forte cujo poder não é controlado em 11 países; em 15 países, as pessoas com menos educação são mais propensas do que aquelas com mais educação a dizer que um sistema autocrático é uma boa forma de governação. E, no que respeita à ideologia, as pessoas da direita política têm menos probabilidades de dizer que o governo por um líder forte é uma forma muito má de governar em 13 dos 18 países onde a ideologia é medida – incluindo a maioria dos países europeus que constam do inquérito e várias outras economias avançadas.

Em particular, as pessoas que têm uma opinião favorável sobre os partidos populistas de direita na Europa têm menos probabilidades de caracterizar a autocracia como um sistema muito mau. Muitas vezes, a diferença é considerável: Na Alemanha, apenas 24% dos que são a favor da Alternativa para a Alemanha (AfD) dizem que o governo por um líder forte é muito mau. Em contrapartida, a percentagem dos que rejeitam fortemente a autocracia é muito mais elevada entre os alemães que têm uma opinião desfavorável à AfD (54%).

Mesmo o regime militar tem os seus apoiantes

Dos cinco sistemas de governo sobre os quais os inquiridos foram questionados, o regime militar é o menos popular. Uma média de apenas 15% dos inquiridos em 24 países, incluindo alguns que já passaram por um regime militar, pensam que esta seria uma boa forma de governar o seu país. E. em mais de metade dos países inquiridos, as maiorias acreditam que seria uma forma muito má de governar. De sublinhar que o apoio é menor nos países de rendimento elevado, embora 17% dos inquiridos digam que o regime militar pode ser um bom sistema na Grécia, no Japão e no Reino Unido e 15% nos Estados Unidos.

Na América do Norte, Europa, Austrália, Israel e Coreia do Sul, o regime militar é decididamente impopular: oito em cada dez ou mais consideram-no um mau sistema, com esta pergunta a sofrer relativamente poucas alterações desde a última vez que foi colocada em 2017.

Tal como acontece com a autocracia, os resultados demonstram que, em 13 países inquiridos, as pessoas da direita ideológica têm menos probabilidades do que as da esquerda de afirmar que o governo militar é uma forma muito má de governar. Em 14 países, as pessoas com rendimentos mais baixos apoiam mais o regime militar do que as pessoas com rendimentos mais elevados e, em 16 nações, as pessoas com menos escolaridade aceitam melhor o regime militar.


Inquiridos partilham ideias para melhorar a democracia

O inquérito incluía também a seguinte pergunta aberta: “O que é que pensa que ajudaria a melhorar o funcionamento da democracia no seu  país?” Os inquiridos descrevem uma grande variedade de ideias para melhorar o funcionamento da democracia, mas surgem alguns temas comuns:

Melhorar a liderança política: Os inquiridos querem políticos que respondam melhor às necessidades do público, que estejam mais atentos à sua voz, que sejam menos corruptos e mais competentes. Muitos gostariam também que os líderes políticos fossem mais representativos da população do seu país em termos de género, idade, raça e outros factores.

Reforma do governo: Muitos acreditam que para melhorar a democracia será necessária uma reforma política significativa no seu país. As opiniões sobre o que deve ser uma reforma variam consideravelmente, mas as sugestões incluem a alteração dos sistemas eleitorais, a alteração do equilíbrio de poder entre as instituições e a imposição de limites à duração do mandato dos políticos e juízes. Em vários países, as pessoas expressam o desejo de uma democracia mais directa.

Esperar mais dos cidadãos: Os inquiridos sublinham também que os cidadãos têm um papel importante a desempenhar para que a democracia funcione melhor. Defendem que os cidadãos devem ser mais informados, empenhados, tolerantes e respeitadores uns dos outros.

Melhorar a economia: Muitas pessoas – e especialmente as que vivem em países de rendimento médio – sublinham a ligação entre uma economia saudável e uma democracia robustal. Os inquiridos mencionam a criação de emprego, a contenção da inflação, a alteração das prioridades de despesa pública e um maior investimento em infra-estruturas, tais como estradas, hospitais, água, electricidade e escolas.


Nota: Os países incluídos no estudo são os seguintes: Canadá, Estados Unidos, Reino Unido, Suécia, Espanha, Países baixos, Alemanha, França, Polónia, Itália, Hungria, Grécia, Índia, Indonésia, Austrália, Japão, Coreia do Sul, Israel, Quénia, áfrica do sul, Nigéria, Brasil, México e Argentina.

Fonte: Pew Research Center Report

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