O prazo médio de pagamento de facturas entre empresas em Portugal voltou a aumentar, situando-se agora nos 60 dias, mais quatro do que no ano passado, mas mesmo assim uma realidade ligeiramente melhor do que a média das demais empresas europeias, com atrasos de 62 dias. Em mais um “European Payment Report”, ficámos a saber que de acordo com as estimativas de contas a receber e empréstimos pendentes, estas últimas têm pelo menos 10,5 biliões de euros de pagamentos em dívida em 25 países europeus auscultados e que continua a haver um longo caminho a percorrer para que se cumpram os pagamentos atempados. Um aumento de confiança parece mover os executivos inquiridos, mas toda a cautela é pouca face ao panorama económico ainda repleto de debilidades
POR HELENA OLIVEIRA
A economia da Europa está a começar a recuperar de anos de volatilidade, mas ainda está longe de estar fora de perigo. As últimas previsões do FMI sugerem que o PIB da UE crescerá 0,8 por cento em 2024, um valor superior aos 0,4 por cento de 2023, mas ainda muito frágil.
Por seu turno, a inflação caiu desde os picos atingidos em 2022, mas permanece acima das metas desejáveis pelos centros de decisão políticos. Como resultado, o panorama aponta para a probabilidade de nos estarmos a aproximar de uma política monetária mais flexível – com alguns bancos centrais já a cortar taxas – mas a redução dos custos de financiamento em toda a Europa deverá ser gradual. Neste contexto, as empresas europeias devem equilibrar cuidadosamente o risco e a oportunidade. Os executivos estão ansiosos por tempos melhores, especialmente quando novas ferramentas de inteligência artificial (IA) estão a permitir novos modelos de negócios e eficiências no back office, mas a incerteza económica e política ainda é elevada.
Um sinal desta periclitância assenta no facto de as empresas europeias terem pelo menos 10,5 biliões de euros de pagamentos em dívida, de acordo com as estimativas de contas a receber e empréstimos pendentes, como revela a 27.ª edição do estudo anual da Intrum “European Payment Report” (EPR 2024), que avaliou quase dez mil empresas em 25 países europeus. Este montante exorbitante está muito próximo do PIB da Alemanha, França e Reino, conjuntamente considerados e, apesar de algum optimismo económico, 41% das empresas auscultadas planeia reduzir custos em 2024. O EPR 2024 revela ainda que as empresas europeias estão a perder mais de um quarto do ano de trabalho (73 dias úteis e menos um face a 2023) para recuperar atrasos de pagamento, tempo que deveria ser despendido em esforços de crescimento e inovação, e que uma em cada três empresas (34%) tem maior probabilidade de solicitar prazos de pagamento mais alargados aos fornecedores ou de pagar mais tarde do que o acordado.
O prazo médio de pagamento de facturas entre empresas em Portugal voltou a aumentar, situando-se agora nos 60 dias, mais quatro do que no ano passado, uma realidade ligeiramente melhor do que a média das demais empresas europeias, que se situa nos 62 dias. Também no que respeita ao sector público, houve um pequeno decréscimo – de 70 dias em 2023 para 68 -, mas a verdade é que o número ainda está longe de ir ao encontro dos desejos de Bruxelas, que pretende que o prazo máximo de pagamentos não ultrapasse os 30 dias, numa proposta de revisão da Directiva Europeia sobre Atrasos de Pagamento que, em principio, constará nas matérias a discutir após as eleições de 9 de Junho próximo e que visa colmatar as insuficiências e lacunas regulamentares, promover pagamentos mais atempados e assegurar um melhor equilíbrio entre os grandes e os pequenos operadores. O objetivo da revisão será, assim, o de promover uma cultura de pagamento atempado, baseada em três pilares:
- Integrar na legislação o que se entende por pagamento atempado, combatendo “proactivamente” os atrasos de pagamento;
- Facilitar a pontualidade dos pagamentos ao promover a utilização de ferramentas de pagamento digitais modernas e ao criar um ambiente empresarial “favorável às PME”, que apoie os pagamentos atempados;
- Reforçar a prevenção e a execução para que os pagamentos atempados se tornem uma norma em todos os sectores industriais, nomeadamente mediante o estabelecimento de vias de recurso eficazes contra os atrasos de pagamento quando estes ocorrem (abordagem “reactiva”).
Em declarações ao VER, o diretor-geral da Intrum, Luís Salvaterra, salientou contudo que “actualmente, existem dados que estão a ser analisados internamente e serão divulgados mais tarde, juntamente com as conclusões do EPR2024 para Portugal”.
No entanto, acrescenta, “podemos avançar que o setor público leva em média 68 dias a pagar. Os consumidores (B2C) levam em média 34 dias e as empresas (B2B) 60 dias. Já o prazo médio de pagamento em Portugal em 2023 no segmento business to business (B2B) foi de 56 dias, o que significa um agravamento de 4 dias em relação a 2024, (+ 7%)”.
O director-geral da Intrum salienta ainda que os atrasos de pagamento do sector público e das grandes empresas continuam a ter grande impacto, em particular nas PME. “O tempo e os recursos que as empresas deixam de alocar à sua atividade principal para recuperar pagamentos em atraso é preocupante. Em Portugal, as empresas gastam em média 10,27 horas por semana [cerca de 74 dias por ano] a tentar recuperar os pagamentos em atraso, uma leve quebra em relação a 2023, quando este número era de 10,56”.
Desta forma, alerta Luís Salvaterra, é imperativo erradicar a cultura “pagar e morrer, quanto mais tarde melhor”. Como declara, “as empresas, têm ao seu dispor vários instrumentos para minimizar o impacto negativo causado por esta situação, nomeadamente legislação que penaliza quem não paga nos prazos, apesar de a sua aplicação ainda ser muito reduzida”. Ainda de acordo com o estudo recentemente divulgado, 60% das empresas portuguesas consideram como prioridade estratégica para 2024 melhorar as suas práticas de pagamento, para garantir pagamentos atempados”. O VER relembra também a existência do programa Compromisso Pagamento Pontual, uma iniciativa da ACEGE em parceria com o IAPMEI, CIP, Apifarma, Informa DB e a Ordem dos Contabilistas Certificados, o qual desafia as empresas portuguesas a pagarem atempadamente aos seus fornecedores, num movimento que junta já cerca de 2500 empresas e autarquias.
Optimismo cauteloso e aumento da confiança
Mas e de regresso aos demais resultados do EPR 2024, os executivos entrevistados apresentam alguns sinais de optimismo face ao futuro próximo: inquiridos sobre se o crescimento médio anual da receita das suas organizações superou as expectativas nos últimos três anos, 31 por cento dos executivos dizem que seus negócios se fortaleceram nos últimos 12 meses, acima dos 24 por cento em 2022, com 27 por cento a afirmarem que o crescimento da receita está a superar as suas expectativas. Os Países Baixos, a Noruega e a Polónia a ocupam o pódio das respostas mais positivas e Portugal posiciona-se no antepenúltimo lugar em 25 países, com apenas 22% dos inquiridos a afirmarem o mesmo.
Outro dado revelado pelo EPR 2024 faz saber que mais de metade dos executivos (55 por cento) afirma ter uma oportunidade viável de expansão interna nos próximos dois a três anos. Outros 37 por cento estão menos confiantes quanto à viabilidade do crescimento interno, mas não a descartam. O maior optimismo é, no entanto, observado na transformação digital, onde 61 por cento dos executivos afirmam ver o desenvolvimento de novos modelos de negócios digitais – com enfoque na IA (v. Caxa) – como uma oportunidade viável para os seus negócios nos próximos anos.
Adicionalmente, perto de três em cada quatro (72 por cento) empresas europeias afirmam que o reforço da liquidez e do fluxo de caixa é uma prioridade estratégica para a sua empresa em 2024.
Desta forma, é visível um aumento de confiança entre as empresas auscultadas, impulsionada pela crescente oportunidade digital, com os executivos interessados em explorar de que forma as tecnologias emergentes poderão sustentar um novo potencial de crescimento. Quase dois terços das empresas (62 por cento) no estudo de 2024 afirmam que a digitalização lhes permitirá explorar novos modelos de negócio, com margem para crescer em áreas como, por exemplo, o comércio eletrónico.
Esta proporção é ainda mais elevada em sectores industriais como a exploração mineira e a construção, que tiveram menos oportunidades para desenvolver serviços digitais no passado. Com a introdução de novas tecnologias, como a Internet das Coisas (IoT) e os gémeos digitais (um gémeo digital, ou digital twin, é uma réplica virtual feita à imagem e semelhança de um produto — a turbina de um avião, as pás de um aerogerador, a fachada de um edifício etc. — no qual se incorporam dados em tempo real que podem ser reunidos através de sensores ou tecnologias relacionadas com o Big Data), existe agora maior margem para estes sectores inovarem digitalmente. A questão que certamente preocupa os executivos de hoje é até que ponto devem aproveitar estas oportunidades, pois apesar da sua confiança poder estar a recuperar, são ainda avessos ao risco.
Cautela é palavra de ordem
Apesar de um aumento no optimismo e na confiança a nível geral, os executivos mantêm as posturas defensivas que os ajudaram a lidar com a volatilidade económica nos últimos anos. Cerca de quatro em cada 10 (41%) afirmam que pretendem cortar custos nos próximos 12 meses, o que pode ser um mau sinal para as expectativas dos trabalhadores no que respeita a aumentos salariais para compensar a perda de poder de compra em 2022 e 2023.
Por outro lado, o investimento também parece destinado a permanecer limitado. Cerca de metade dos executivos (49 por cento) afirma que o elevado custo dos empréstimos os obriga a ser prudentes no que respeita a investir no crescimento do seu negócio. E a proporção de empresas que investem em inovação e desenvolvimento de novos produtos também permanece inalterada face a 2023.
Todavia, uma coisa é certa: as empresas que forem demasiado lentas nos seus investimentos serão deixadas para trás. Apesar de ser compreensível esta cautela por parte dos executivos, as empresas que demorarem demasiado tempo a tirar partido da recuperação emergente poderão ver-se eclipsadas por concorrentes mais directos.
Muitos executivos reconhecem esta ameaça. Mais de quatro em cada 10 executivos incluídos no estudo deste ano (41%)) preocupam-se com o facto de, caso não se adaptarem às mudanças no seu ambiente operacional, correrem o risco de fecharem as portas dentro de um período de cinco anos. Ou seja, deixar de investir no crescimento pode ser um risco existencial. Desta forma, a agilidade será crucial à medida que os executivos procuram explorar oportunidades emergentes, mantendo-se, contudo, atentos à volatilidade contínua.
Por outro lado, e tendo em consideração que as empresas incluídas no estudo da Intrum aguardam, de acordo com as suas melhores estimativas, contas a receber no valor de pelo menos 10,5 biliões de euros, muitas empresas continuam altamente expostas à saúde financeira e à estabilidade dos seus credores. Setenta e dois por cento dos executivos afirmam que proteger o seu fluxo de caixa é crítico, valor este que apresenta uma quada face aos 86 % registados em 2021. O CPR de 2024 mostra que o número de empresas que afirmam que o reforço da sua liquidez é uma prioridade estratégica tem diminuído todos os anos desde 2021.
Insolvências a aumentar
De forma algo surpreendente, o estudo da Intrum de este ano reflecte uma crescente resiliência das empresas europeias face ao crédito malparado. Apenas 12% dos executivos afirmam que as perdas com dívidas incobráveis reduziram a sua capacidade de investir em iniciativas estratégicas de crescimento ao longo do ano passado, o que representa uma queda em relação aos 20% em 2021. A proporção de empresas cujo crescimento foi travado por problemas com atrasos pagamentos também caiu durante o mesmo período – de 43% para 33% e apenas 15 por cento das empresas afirmam que as dívidas incobráveis constituem um problema crescente.
Todavia, não há lugar para a complacência. As insolvências aumentaram acentuadamente em muitas partes da Europa no ano passado – 52 por cento e 35 por cento nos Países Baixos e em França, respectivamente, por exemplo – e prevê-se que aumentem novamente em 2024. Os bancos em toda a região reportam igualmente aumentos nos incumprimentos dos empréstimos, valores que têm aumentado de forma constante ao longo de todo o ano de 2023.
Muito há a fazer para criar uma cultura de pagamentos a horas
Como mostram os dados recolhidos pelo CPR 2024, os executivos estão a tornar-se mais confiantes na resiliência das suas empresas no que respeita aos atrasos de pagamento e às dívidas incobráveis. Todavia, muitos parecem estar a ignorar as suas próprias responsabilidades. Melhores fluxos de caixa e liquidez deverão permitir que as empresas repercutam os benefícios nos seus fornecedores, mas nem sempre é claro que o façam.
Na verdade, a pesquisa da Intrum mostra que a (in)disciplina de pagamentos pode estar a piorar ainda mais. Em 2021, apenas 29 % das empresas afirmavam que pagavam aos seus fornecedores com um atraso muito maior do que aquele que poderiam aceitar por parte dos seus próprios clientes. Em 2024, esse número subiu para 39 por cento.
E preocupante é o facto de metade (49 por cento) dos inquiridos afirmarem que raramente pensam no impacto negativo que o pagamento atrasado das suas contas pode ter sobre um fornecedor, mesmo que esta percentagem tenha sofrido uma queda face a 2021, ano em que 69 por cento das empresas afirmavam o mesmo.
Assim, as empresas estão conscientes de que o pagamento tardio das suas facturas pode causar problemas significativos aos seus fornecedores, mas estão a fazê-lo mesmo assim. Alguns sectores estão a tomar medidas para melhorar o seu desempenho nesta área, mas há claramente muito mais trabalho a ser feito.
As esperanças e os receios relacionados com a IA na optimização de processos de pagamento
O entusiasmo pela IA está a aumentar à medida que os executivos consideram a utilização de diversas aplicações em toda a empresa, inclusivamente nas suas funções de back office. As ferramentas de automação estão a gerar maior eficiência nos últimos anos, mas novas oportunidades estão a surgir rapidamente.
No que respeita aos pagamentos, a IA e outras tecnologias avançadas podem igualmente ajudar as empresas a reduzir fraudes, a compreender melhor o comportamento dos clientes e serem de grande utilidade na optimização de processos de pagamento, o que ajuda a criar uma maior eficiência.
Metade dos executivos que responderam ao inquérito da Intrum afirmam que os avanços na IA poderiam ajudá-los a gerir os atrasos nos pagamentos e a IA apresenta-se com tantos potenciais benefícios que as empresas estão verdadeiramente preocupadas em serem deixadas para trás caso não os implementem. Mais de metade das empresas (54%) assume-se preocupada com a grande probabilidade de ficarem para trás face aos seus concorrentes por não estarem ainda a utilizar as novas tecnologias de pagamentos e 46% consideram que isso será uma realidade se não utilizarem as ferramentas de IA nos seus processos de back office. Na verdade, apenas 5% das empresas afirmam ter já uma implementação alargada de IA ao mesmo tempo que 57% declaram ter apenas ferramentas de IA “limitadas” e em pequena escala.
Apesar das muitas dificuldades relacionadas com a introdução e implementação das novas tecnologias de IA – nomeadamente no que respeita à escassez de competências digitais por parte dos trabalhadores – as empresas europeias não se podem dar ao luxo de ficarem para trás nesta jornada.
De sublinhar também que a utilização de ferramentas de análise de dados pode ser útil ao permitir o acesso a informações valiosas. Por exemplo, é possível utilizar a IA para mapear tendências e padrões ocultos no historial dos pagamentos, bem como ferramentas que automatizam em grande escala consultas complexas de clientes, incluindo termos de negociação.
E as empresas sabem disso. No EPR, 44% mostraram-se interessadas em saber de que forma é que a IA pode ajudá-los a identificar anomalias nos dados de pagamento, 41% consideram que esta poderá apoiar os seus esforços no que diz respeito à personalização de clientes e 37% estão certos de que estas tecnologias introduzirão melhorias nas suas técnicas para avaliar a qualidade dos créditos.
Sem dúvida que as razões para investir na IA são poderosas mas, contudo, não devem cegar as organizações e os seus executivos para um conjunto de potenciais problemas que podem advir da sua implementação. Por exemplo, é muitas vezes pouco claro de que forma é que a decisão algorítmica acontece e se tem a robustez necessária para as necessidades da empresa e muitas vezes existe o perigo de enviesamento, com a IA a incorporar preconceitos dirigidos a determinados grupos, seja em termos de género, etnia ou classe socioeconómica, pois na verdade qualquer modelo de IA só é bom de acordo com os dados que lhe sejam dados.
Um outro motivo de preocupação para as empresas é de que exista uma extrema dependência na IA, a qual possa prejudicar os seus relacionamentos com os clientes. Os executivos mostram-se desassossegados mediante a perspectiva de perderem o seu “toque pessoal” com os mesmos, mesmo que a maioria se sinta verdadeiramente animada sobre o potencial da IA para automatizar áreas-chave da comunicação com os seus clientes.
Imagem: Nick Fewings/Unsplash.com
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