Não será difícil percebermos que a saúde do planeta impacta diretamente a nossa. Tal é quase “senso comum”, e a prová-lo estão os números: 96% dos portugueses acreditam que assim é. Mas será que, além desta perceção, existe uma verdadeira compreensão em toda a extensão e profundidade das implicações que as mudanças do clima têm na saúde individual e coletiva?
Por MARIA SILVEIRA

Falemos de alterações climáticas, da sua complexidade e da ameaça que significam para a nossa saúde. Além disso, da diferença (e já agora da distância e do bloqueio que a mesma provoca) entre ver o problema e agir sobre ele.

Não será difícil percebermos que a saúde do planeta impacta diretamente a nossa. Tal é quase “senso comum”, e a prová-lo estão os números: 96% dos portugueses acreditam que assim é. Mas será que, além desta perceção, existe uma verdadeira compreensão – em toda a extensão e profundidade das implicações que as mudanças do clima têm na saúde individual e coletiva?

Estas e outras questões são abordadas pelo estudo ”Riscos Climáticos e a Saúde dos Portugueses”, o terceiro do Projeto Saúdes. Nele ficamos a saber que 67% dos portugueses consideram que as alterações climáticas já impactam negativamente a sua qualidade de vida mas, por outro lado, 75% afirmam desconhecer e/ou ter dúvidas sobre o verdadeiro impacto das mesmas na sua saúde. Ou seja, assume-se a consciência, mas, ao mesmo tempo, o desconhecimento da questão.

O aparente contrassenso desfaz-se se percebermos que, embora os riscos climáticos se tenham vindo a tornar cada vez mais evidentes em Portugal e no mundo, com efeitos alarmantes e evidentes aos olhos (e corpos) de todos, a verdade é que damos muitas vezes mais importância ao evento atmosférico em si, do que aos resultados que dele resultam. A este título, três exemplos baseados e retirados do referido estudo:

Falamos muitíssimo – e bem – das ondas de calor, do aquecimento, dos incêndios e/ou da falta de água que os mesmos provocam, mas será que discutimos – o suficiente – as 2 200 mortes (só em 2022) que daí resultaram em Portugal e as mais 61 mil em toda a Europa? Falamos das repercussões graves, via insolações, desidratações e agravamento de condições de saúde preexistentes, para quem esteve exposto ao problema? Ou das doenças que insetos e outros vetores estão a trazer consigo?

Na poluição atmosférica, será que discutimos o facto de só em 2023 já terem morrido cerca de 2 600 portugueses prematuramente devido a este problema, ou de que o mesmo já afetou mais de 238 mil pessoas em toda a União Europeia? E discutimos o tema de que além das doenças respiratórias (que 66% reconhece ser um dos efeitos na saúde), há também impactos fortes em termos de problemas cardiovasculares e de cancro, que causam sofrimento e custos significativos ao sistema de saúde?

Finalmente, sobre a exposição aos eventos climáticos extremos e cada vez mais recorrentes, falamos dos 10% de portugueses que, hoje, acusam ansiedade (que pode levar à depressão e a outros problemas mentais)?

O ponto é este e os dados, trazidos a público por este estudo, suportam-no inteiramente: as alterações climáticas não devem continuar a ser vistas apenas como um problema ambiental, mas sim como uma condição que tem um impacto direto e significativo na saúde de cada um/a. Precisamos de promover uma nova ética e cooperação em relação ao clima.

Mais do que consciencializar a população portuguesa sobre esta relação, é preciso criar compreensão e conhecimento sobre o tema. Sem isso, não teremos ação nem transformação. Para tal, é imperativo que haja a coordenação de todos os setores da Sociedade. Governo, instituições públicas, entidades privadas, áreas da saúde, do ambiente e da ciência têm um papel fundamental a desempenhar. Todos/as somos responsáveis por tornar as Pessoas (mais do que conscientes) conhecedoras do impacto das alterações climáticas na sua saúde, capacitando-as para agir e mitigar os riscos. Conhecer é o que nos faz passar do dizer ao fazer. Criar esse conhecimento social é o que juntos/as devemos fazer para enfrentar a ameaça e construir um futuro mais saudável e sustentável.

Maria do Carmo Silveira

Responsável de Orquestração Estratégica do Ecossistema de Saúde do Grupo Ageas Portugal e Coordenadora do Projeto Saúdes, potenciado pela Médis . Alentejana-hiperativa e mãe de 3. Licenciada em Ciências da Comunicação (Nova FCSH), com um mestrado em Estratégia, Inovação e Marketing (Nova SBE).