A imposição de regressarmos ao trabalho remoto face ao crescimento explosivo de casos do novo coronavírus poderá exacerbar um fenómeno preocupante e que está a ser devidamente acompanhado por psicólogos e outros especialistas: a solidão. De acordo com vários estudos que têm vindo a ser realizados ao longo dos últimos meses, a diminuição de interacções sociais e o aumento de situações de isolamento está a provocar danos na saúde mental de muitos trabalhadores remotos, habituados que estavam a conviver com os colegas nos escritórios físicos. O alerta é também para os empregadores cujo dever é não deixar que os seus empregados se desliguem emocionalmente da empresa, tentando manter, o mais possível, o tão importante sentimento de pertença
POR HELENA OLIVEIRA

As pessoas que, antes da pandemia, tinham a possibilidade de trabalhar a partir de casa alguns dias por semana eram, na generalidade, objecto de inveja por parte de colegas e amigos. Estes últimos, para além de considerarem que o teletrabalho exigiria menos esforço do que aquele que é imposto em ambiente empresarial, conseguiam imaginar a ilusória beleza de se poder escolher horários, não se perder horas inúteis no trânsito, não se preocuparem com vestimenta formal, não terem de contar com o olho do chefe em cima dos seus ecrãs e não serem obrigados a suportar o ruído das conversas dos colegas, da impressora, de telefones a tocar e das demais “bandas sonoras” que caracterizam o ambiente normal vivido nos escritórios.

Chegada a pandemia, e para além do temor à mesma associado, trabalhar em regime remoto funcionou, para muitos – ou para os felizardos que conseguiram manter os seus postos de trabalho – como uma inesperada bênção. Tendo em conta que as empresas se esforçaram por apoiar aqueles que nunca tinham experimentado este regime, não foi assim tão difícil a habituação ao que, aparentemente, seria uma forma mais livre de trabalhar e de conciliar as exigências laborais com as demandas pessoais. No início, e munidos de um cabaz de boas intenções e de um sentimento colectivo de pertença a uma realidade que a todos tocava, os trabalhadores habituaram-se às reuniões virtuais, aos chats com colegas e a um admirável mundo novo que prometia não só uma maior segurança face ao vírus que espreitava lá fora, como também uma nova experiência laboral mais gratificante.

Oito meses passados – e depois de muita discussão em torno dos prós e contras desta (ainda) inovadora forma de trabalhar – começam a soar alarmes de natureza variada, comprovados por estudos que contam agora com mais dados sobre esta experiência sociológica feita a nível global. E, na medida em que o teletrabalho voltou a ser obrigatório para todos aqueles que o podem realizar no interior das suas casas, não só em Portugal, como em vários outros países, torna-se necessário estar atento e não descurar os efeitos adversos que mais uma temporada – por enquanto, sem data de fim anunciada – fora dos escritórios físicos terá nos teletrabalhadores e já para não falar nas empresas que decidiram adoptar este modelo por um longo período de tempo – como são exemplo o Facebook e o Twitter – ou até para sempre. Afinal, trabalhar a partir de casa não é, para muitos indivíduos, a realização de um sonho há muito desejado, mas antes um pesadelo com contornos variados e no qual se destaca um sentimento comum: a solidão.

Uma nova pandemia está em curso, dizem os estudos

De acordo com um inquérito realizado pela empresa de recrutamento TotalJobs, no Reino Unido, e apesar do apetite crescente por práticas de trabalho à distância constituir uma forte tendência para o futuro, a desconexão relativamente às interacções sociais quotidianas no local de trabalho a par da invasão do trabalho na nossa vida doméstica estão a dar lugar a sentimentos preocupantes de solidão e isolamento, numa força laboral que se esforça, ao mesmo tempo, para se adaptar aos inúmeros desafios impostos pela pandemia. Cerca de metade (46%) dos trabalhadores inquiridos para este estudo confirmaram sentir solidão durante este tempo de “encarceramento”, com 70% dos mesmos a afirmar igualmente que esta teve (ou está a ter) um impacto negativo no seu bem-estar geral. Apenas seis por cento dos respondentes declararam que este isolamento imposto teve efeitos positivos nas suas vidas. Mais preocupante ainda é o facto de 94% dos respondentes apontarem algum tipo de impacto negativo na sua saúde mental.

Quando questionados sobre como a solidão afectou as suas vidas durante o isolamento, os resultados mostram quão vasto e insidioso pode ser o impacto do isolamento social. Dois quintos dos trabalhadores (41%) afirmaram que o mesmo teve um impacto prejudicial nos seus hábitos de sono, um quarto (24%) nos seus hábitos de vida, 37% nos níveis de stress, 33% na sua auto-estima e 30% nos seus hábitos alimentares.

De sublinhar igualmente uma conclusão que, à partida, não seria de esperar. Apesar de serem os “nativos digitais” aqueles que melhor apetrechados estão para lidar com as possibilidades da tecnologia (um imperativo do teletrabalho) e com a sua presença contínua no mundo virtual, foi a geração mais nova de trabalhadores [18-38] que relatou sofrer mais com o confinamento, com três quartos (74%) a confessarem-se afectados pela desconexão social provocada pelo trabalho à distância.

Os efeitos de longo prazo provocados pela quebra de interacções diárias, particularmente no que respeita à capacidade dos trabalhadores mais jovens aprenderem e desenvolverem as suas competências numa altura crucial para as suas carreiras deverá, por isso, constituir uma preocupação para os empregadores. É que o estudo em causa demonstra também que 49% dos inquiridos mais jovens (apesar de acontecer também com os mais velhos) não se sentem à vontade para interromper os colegas mais velhos que estão actualmente em teletrabalho, com mais de um terço (36%) a confessarem sentir uma enorme dificuldade em pedir ajuda remotamente, algo que não acontecia quando o trabalho era feito presencialmente.

Adicionalmente, e para além dos trabalhadores pertencentes a todas as faixas etárias (46%) estarem a sentir os impactos negativos da perda dos contactos regulares com amigos e família provocada pelo confinamento, quando se sentam em casa para dar início ao seu dia de trabalho enfrentam um ambiente social completamente diferente. De acordo com o estudo da TotalJobs, entre os trabalhadores que passaram a realizar as suas tarefas laborais remotamente, dois terços (67%) confirmam que o confinamento reduziu a variedade das suas interacções diárias. E realçaram igualmente um declínio acentuado no número de interacções com os colegas, com estas a serem reduzidas para metade durante o confinamento.

Este sentimento significativamente sublinhado pelos vários segmentos da população inquirida não é surpreendente, na medida em que, e antes do vírus aparecer, uma grande parte das interacções sociais que caracterizavam o nosso dia-a-dia tinham lugar no contexto laboral.

Por outro lado, a solidão não consiste apenas num efeito colateral derivado do facto de estarmos a trabalhar a partir de casa. Num contexto de normalidade, um teletrabalhador poderia chegar ao fim do seu dia de trabalho e ir tomar um café ou jantar com os amigos. Mas com as regras de confinamento – ou do dever cívico de permanecer em casa – esta possibilidade é cada vez mais remota e é preciso não esquecer que os muitos que estão agora e irão permanecer a trabalhar remotamente não o fazem por escolha própria.

Aliás, num outro estudo publicado este ano nos Estados Unidos, mas com dados relativos a 2019 e para o qual foram entrevistados 3500 trabalhadores que trabalham permanentemente em casa, quando questionados sobre quais as principais dificuldades com que se confrontam no seu dia-a-dia (mesmo que estejam satisfeitos com a modalidade em causa), colocam a falta de colaboração e de comunicação, em conjunto com a solidão, em primeiro lugar.

Adicionalmente e num inquérito realizado pela Korn Ferry em Junho último (altura em que uma grande parte dos trabalhadores permanecia ainda em casa antes das breves tréguas dadas pela pandemia e que viria a permitir o regresso ao escritório físico durante o Verão), à pergunta “O que mais anseia no seu regresso ao trabalho”, a hipótese mais votada foi, de longe, “ a camaradagem com os colegas”.

A questão da “solidão no trabalho” não é nova e também é verdade que, mesmo antes da pandemia, o fenómeno já estava a tornar-se motivo de grande preocupação para os especialistas que o estudam. Em 2017, o reputado médico norte-americano Vivek Murthy escrevia, num artigo de capa da Harvard Business Review intitulado “O trabalho e a epidemia da solidão”[acesso restrito], que mais de 40% dos adultos reportavam sentirem-se sozinhos no trabalho, o que abre caminho para um conjunto variado de problemas como a depressão e a ansiedade.

E se este fenómeno tinha já esta dimensão antes de sermos separados dos nossos colegas, é fácil perceber os motivos subjacentes ao aumento da sua intensidade. “Se estava habituado a trabalhar com outras pessoas, a relacionar-se com elas e a ter reuniões presenciais e agora, subitamente, passa a trabalhar à distância com muito pouca conectividade, o problema agrava-se”, afirma Bem Fanning, autor de “The Quit Alternative: The Blueprint for Creating the Job You Love Without Quitting”- “É como trabalhar numa ilha remota” acrescenta, dizendo ainda que mesmo que se esteja a trabalhar em casa com o cônjuge ou os filhos, é possível sentir-se esta solidão profissional. Por outro lado, são várias as pesquisas que indicam que a solidão no trabalho tem efeitos negativos na performance laboral e que existe a possibilidade de nos tornarmos cada vez menos eficazes à medida que os nossos próprios colegas “sentem” esse afastamento [a solidão leva também ao auto-isolamento], acabando por deixarem de colaborar connosco.

“Quanto mais sós nos sentimos, pior será a nossa performance”, concorda também Sigal Barsade, professor de gestão na Wharton Business School, ao que acrescenta o problema de “nos sentirmos cada vez menos comprometidos e envolvidos com a organização”. Para Barsade, o fenómeno da solidão tem, adicionalmente, tendência para se transformar numa espiral descendente. Quando nos sentimos sozinhos, tornamo-nos mais “socialmente hiper-vigilantes e começamos a perder as nossas competências sociais”, diz, ao mesmo tempo que “nos comportamos mediante formas que promovem uma solidão ainda maior”.

O professor da Wharton Business School, em conjunto com Hakan Ozcelik, também professor de gestão na Universidade da Califórnia, desenvolveram uma pesquisa sobre o impacto da solidão na performance laboral. A seu ver, existe uma correlação directa entre o sentimento de solidão e os resultados mais fracos obtido no trabalho causada, exactamente, por uma ausência de relações sociais em contexto laboral. Como afirmam, a solidão é uma construção social e tem impacto não só na forma como as pessoas se sentem, como também na forma como interagem com os outros e vice-versa. E é por este motivo que os empregados solitários acabam por ter uma quebra acentuada de compromisso emocional com a organização.

Por outro lado, os trabalhadores afectados pela solidão podem tornar-se também excessivamente cautelosos quanto a sentirem-se rejeitados pelos seus pares, o que os pode tornar menos acessíveis, como refere Hakan Ozcelik.

Dados resultantes do estudo feito pela TotalJobs alertam, e neste sentido, para o facto de entre os trabalhadores que mais solidão estão a sentir, mais de um terço (39%) não ter confidenciado este facto a ninguém, com apenas um em cada dez a estar disposto a discutir o tópico da solidão com os seus colegas de equipa.

Aparentemente paradoxal é também o facto de serem aqueles com mais poder os que podem vir a ser especialmente afectados. Normalmente os gestores e os líderes recebem a afirmação de que precisam por parte das equipas que os rodeiam, constituindo este um reminder tangível do seu estatuto. Desta forma, liderarem remotamente poderá não ser tão recompensador como o habitual e sendo normal que toda a gente precise de se sentir valorizada, tal é mais fácil de acontecer num ambiente físico.

De acordo com Ginpiero Petriglieri, professor associado da escola de negócios do INSEAD e autor de um recente artigo publicado na Harvard Business Review exactamente dedicado a esta temática – “In Praise of the Office” [acesso restrito], são os extrovertidos, os que mais apaixonados são pelo seu trabalho e os que mantêm relações mais fortes com os seu pares os que poderão sentir em maior escala o peso da solidão.

Como atenuar as saudades das conversas à volta da máquina de café

Com o surto pandémico a não dar tréguas, em particular na Europa e nos Estados Unidos, o regresso aos escritórios físicos será, muito provavelmente, adiado. Mas existem algumas formas de atenuar a solidão no triste Inverno que se aproxima. De acordo com o já citado Petriglieri, uma boa forma é olhar para os trabalhadores independentes, que estão habituados a trabalhar sempre em casa. Numa pesquisa que conduziu, ficou demonstrado que as pessoas que reportam maiores níveis de felicidade tendo uma carreira independente são as que passam mais tempo a construir ligações: com as pessoas, com a rotina, com um sentido de propósito e com o próprio espaço de trabalho (um outro problema que está a afectar muitos trabalhadores que foram obrigados a trabalhar remotamente está também relacionado com a falta de condições para o fazerem nas suas casas, não preparadas para terem um espaço adequado ao trabalho).

E no que respeita ao escritório, acrescenta Petriglieri, o facto é que este oferece estas quatro ligações em “pacote”. E apesar de os pacotes geralmente não serem perfeitos são, pelo menos, convenientes, como diz o investigador. Criar ligações de forma independente requer um esforço muito maior e criar uma espécie de cópia do ambiente de escritório – usando e abusando, por exemplo, das reuniões via Zoom – não é a melhor forma de superar estes tempos de isolamento, pois e como sublinha Petriglieri, tal irá apenas servir para nos lembrarmos do que estamos a perder. “Paradoxalmente, uma forma melhor de seguir em frente será a de aceitar que as relações de trabalho, bem como o nosso relacionamento com o próprio trabalho, são diferentes agora”, sugere.

A questão da solidão no trabalho não pode, tal como quem dela sofre, permanecer no interior das quatro paredes que envolvem agora os trabalhadores remotos. Pelo contrário, é dever dos empregadores ajudar a desenvolver a confiança social das suas equipas, especialmente tendo em conta as circunstâncias particulares que vivemos nos últimos meses e que não sabemos quando irão terminar. E se é verdade que todos nós teremos de fazer um esforço de adaptação e aceitar que uma profunda mudança tomou conta das nossas vidas, há que ter também a noção de que, com essa mudança, vem também a responsabilidade de estabelecer prioridades e manter os factores sociais cruciais que contribuem para que o trabalho seja prazeroso, envolvente e recompensador para tantas pessoas.

De uma forma geral, passaremos cerca de um quarto das nossas vidas adultas (ou mais) no trabalho e saber que estamos rodeados por pessoas em quem podemos confiar e cuja companhia nos é agradável contribui, significativamente, para o nosso bem-estar geral. E ao prover aos trabalhadores, particularmente aos que mais adversamente têm sido afectados pela solidão, um ambiente de trabalho que continue a encorajar a interacção social tanto durante como depois do período de confinamento, as empresas poderão assegurar que ninguém perderá a oportunidade de desenvolver as competências necessárias para alcançarem a excelência ao longo das suas futuras carreiras.

Os empregadores têm o dever de cuidar. Os resultados dos estudos até agora realizados ilustram que a maioria das pessoas que está a sentir este tipo particular de solidão est+ consciente de que isso tem um impacto negativo nas suas vidas profissionais. Os indivíduos que acabam por se sentir desligados ou isolados desta forma, naturalmente, não vão desempenhar o melhor das suas capacidades e podem mesmo optar por deixar um trabalho que está a ter um impacto negativo no seu bem-estar.

“Ao tomarem medidas para cuidar e manter o bem-estar social das nossas equipas, especialmente numa altura em que é provável que o pessoal se encontre a trabalhar remotamente, os empregadores podem criar locais de trabalho que ajudem o pessoal a sentir-se mais satisfeito com as suas funções, onde quer que se encontrem”, afim Stephen Warnham, um dos responsáveis pelo estudo elaborado pela TotalJobs.

Por outro lado e de acordo com o neurocientista Ian Robertson, é determinante, para os que se sentem sozinhos, levar a cabo chats “puramente sociais” com pessoas d que se gosta e em quem se confia. “Falar de nós mesmos aos outros é uma forma poderosa de ligação entre as pessoas, a qual viabiliza igualmente que os outros partilhem connosco também as suas ansiedades e angústias”, sublinha. E sugere também que explorar diferentes tipos de mindfulness e/ou meditação poderá constituir uma boa forma de atenuar esta solidão e de descobrimos ferramentas, em nós próprios, para a mitigar. Robertson sugere ainda que se arranje tempo, durante o dia de trabalho, para pausas virtuais para o café, nas quais as equipas podem “encontrar-se”, preferencialmente sem a presença do chefe, e falar de outros temas que não estejam directamente relacionados com o trabalho.

É igualmente possível introduzir um “coaching de pares” ou um sistema de amigos que lhe permitirá conhecer melhor os seus colegas equipa. Sistemas como estes ajudam a criar segurança psicológica no interior da equipa e encorajam as pessoas a ter conversas mais significativas. E, mais importante que tudo, criam um sentimento de pertença e a sensação de que os outros estão aqui para nos ajudar.

Se está mesmo fechado em casa e sem possibilidade de sair, o melhor é manter-se ligado por telefone e vídeo. Faça chamadas frequentes para aqueles que lhe são próximos, como a sua família ou amigos. Certifique-se também de que as suas interacções com os colegas de trabalho são, se possível, feitas por vídeo e partilhe não só aspectos ligados ao trabalho mas, e sobretudo, sobre o que está na sua mente colectiva. E aproveite todas as oportunidades para rir e para se divertirem.

E lembre-se que são muitos os que estão na mesma situação. Ou seja, não está sozinho.

CURIOSIDADE: Desde Abril último, mais de meio milhão de pessoas acedeu a um site que nasceu de uma brincadeira. Chama-se The Sound of Colleagues e simula, para os mais saudosos, todos os barulhos de fundo que caracterizam um ambiente de escritório. Do barulho da impressora ou da máquina de café, aos telefones a tocar, das conversas dos colegas à troada dos teclados, sem esquecer o som da chuva a bater nas janelas. E pode aumentar ou diminuir o som de acordo com as suas preferências. Basta para isso aceder a https://soundofcolleagues.com/

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