O Pew Research Center realizou e publicou um relatório recente com previsões, boas e más, para a vida digital em 2035, entrevistando para isso um conjunto extenso de especialistas. O VER partilha os resultados deste inquérito no geral, sem deixar de sugerir o acesso às visões particulares dos peritos auscultados, nomeadamente sobre aqueles que mais optimistas estão face à evolução das vidas digitais que estamos a viver e os que, pelo contrário, alertam para problemas graves com os quais seremos muito provavelmente obrigados a lidar
POR HELENA OLIVEIRA

As previsões deste “Vida Digital até 2035”resultaram de uma sondagem a inovadores tecnológicos, programadores, líderes empresariais e políticos, investigadores e académicos, realizada em conjunto pelo Pew Research Center e pelo Imagining the Internet Center da Universidade de Elon, com cerca 300 especialistas a responderem à seguinte pergunta: até 2035, que mudanças provavelmente ocorrerão que sejam mais benéficas na tecnologia digital e na utilização de sistemas digitais pelos humanos e quais as que se afiguram mais prejudiciais e ameaçadoras?

No geral e estimulados pela emergência da inteligência artificial generativa e de uma série de outras aplicações de IA, os especialistas que participaram nesta nova sondagem do Pew Research Center têm grandes expectativas quanto aos avanços digitais em muitos aspectos da vida até 2035. Prevêem melhorias notáveis nos cuidados de saúde e na educação. Auguram um mundo em que medicamentos milagrosos são concebidos e activados em espaços digitais e em que os cuidados médicos personalizados darão aos pacientes exactamente aquilo que estes precisam e quando precisam; em que as pessoas usam óculos e auriculares inteligentes que as mantêm ligadas aos outros, a coisas e a informações que as rodeiam; em que os sistemas de IA podem estabelecer conversas produtivas e baseadas em factos e em que serão feitos progressos na sustentabilidade ambiental, na acção climática e na prevenção da poluição.

Mas como não há bela sem senão, os especialistas entrevistados preocupam-se igualmente com o lado negro dos muitos progressos que também celebram.

  • Alguns expressaram receios que se alinham com a declaração recentemente divulgada por líderes tecnológicos e especialistas em IA, argumentando que a IA representa um “risco de extinção” para os seres humanos, que deve ser tratado com a mesma urgência que as pandemias e a guerra nuclear.
  • Outros apontam para problemas claros que foram identificados com os sistemas de IA generativa, que produzem “respostas” erradas e inexplicáveis e que já estão a ser utilizados para fomentar a desinformação e enganar as pessoas.
  • Alguns estão preocupados com a velocidade e o alcance aparentemente imparáveis da tecnologia digital, receando que esta possa permitir a vigilância generalizada de vastas populações (o que já está a acontecer) e minar os sistemas democráticos com deepfakes, desinformação e assédio.
  • Receia-se igualmente o desemprego maciço, a propagação do crime global e uma maior concentração da riqueza e do poder globais nas mãos dos fundadores e líderes de algumas grandes empresas.
  • E temem-se também os malefícios das plataformas de redes sociais que podem criar stress, ansiedade, depressão e sentimentos de isolamento ao nível da população.

Na verdade, nenhum destes receios é novo, muitos estamos já a vivê-los e todos eles têm sido alvo de debate aceso entre especialistas de várias áreas, chegando-se pelo menos a uma conclusão: a de que o bem ou o mal dos progressos tecnológicos dependem das escolhas que forem feitas pelos humanos.

Muitos destes peritos escreveram avaliações longas e pormenorizadas, descrevendo as oportunidades e ameaças potenciais que consideram mais prováveis. A pergunta completa incentivou-os especificamente a partilhar as suas ideias sobre os dois tipos de impactos – positivos e negativos –  e a reflectir sobre os benefícios e os custos de cinco domínios específicos da vida:

  • Desenvolvimento de ferramentas e sistemas digitais centrados no ser humano;
  • Direitos humanos;
  • Conhecimento humano;
  • Saúde e bem-estar do ser humano;
  • Ligações humanas, governação e instituições.

Também lhes foi pedido que indicassem como se sentem em relação às mudanças que prevêem:

  • 42% destes especialistas afirmaram estar igualmente entusiasmados e preocupados com as mudanças na evolução “humanos + tecnologia” que esperam ver até 2035;
  • 37% mostraram-se estar mais preocupados do que entusiasmados com as mudanças que antevêem;
  • 18% , pelo contrário, declaram estar mais entusiasmados do que preocupados com as mudanças esperadas;
  • 2% afiançaram que não estão nem entusiasmados nem preocupados;
  • E 2% não consideram que haverá muitas mudanças significativas até 2035.

As mudanças mais prejudiciais ou ameaçadoras na vida digital com maior probabilidade de acontecerem até 2035

Cerca de 79% dos peritos inquiridos afirmaram estar mais preocupados do que entusiasmados com as próximas mudanças tecnológicas ou igualmente preocupados e entusiasmados. Estes inquiridos expressaram os seus receios nas seguintes categorias:

  • Os futuros prejuízos para o desenvolvimento de ferramentas e sistemas digitais centrados no ser humano

Os peritos que abordaram este receio referiram a sua preocupação com o facto de os sistemas digitais continuarem a ser orientados por incentivos ao lucro na economia e ao poder na política. Segundo eles, é provável que esta situação conduza à recolha de dados com o objectivo de controlar as pessoas, em vez de as capacitar para agirem livremente, partilharem ideias e protestarem contra injustiças. Estes especialistas receiam que as questões éticas relacionadas com a tecnologia continuem a ser secundárias e que os sistemas digitais continuem a ser lançados antes de serem exaustivamente testados. E acreditam que o impacto de tudo isto é susceptível de aumentar a desigualdade e comprometer os sistemas democráticos.

  • Os futuros danos nos direitos humanos

Os entrevistados receiam que surjam novas ameaças aos direitos humanos à medida que a privacidade se torna mais difícil, se não impossível, de manter. Referem como ameaças iminentes os avanços na vigilância, os bots sofisticados integrados em espaços cívicos, a disseminação de deepfakes e a desinformação, os sistemas avançados de reconhecimento facial e o aumento das clivagens sociais e digitais. Prevêem que os crimes e o assédio se espalhem mais amplamente e que surjam novos desafios à acção e à segurança dos seres humanos. Uma das principais preocupações é a expectativa de que a IA cada vez mais sofisticada possa levar à perda de empregos, resultando num aumento da pobreza e na diminuição da dignidade humana.

  • Os danos futuros para o conhecimento humano

Os inquiridos temem igualmente que o melhor do conhecimento se perca ou seja negligenciado num mar de desinformação, que as instituições anteriormente dedicadas a informar o público sejam ainda mais dizimadas, que os factos básicos sejam abafados num mar de distracções, mentiras descaradas e manipulação direccionada, preocupando-se também com o declínio das capacidades cognitivas das pessoas. Além disso, argumentam que “a própria realidade está sitiada’”, uma vez que as ferramentas digitais emergentes criam, de forma convincente, realidades enganadoras ou alternativas. Por outro lado, demonstram também uma preocupação face à possibilidade de uma classe de “cépticos” querer travar o progresso.

  • Os danos futuros para a saúde e o bem-estar humanos

Alguns destes especialistas afirmam que a adopção dos sistemas digitais pela humanidade já provocou elevados níveis de ansiedade e depressão e prevêem que a situação possa piorar à medida que a tecnologia se incorpora cada vez mais na vida das pessoas e nas suas relações sociais. Alguns dos problemas mentais poderão ter origem na solidão e no isolamento social provocados pela tecnologia; outros poderão resultar do facto de as pessoas substituírem os encontros da vida real por “experiências” baseadas na tecnologia; outros poderão resultar da deslocação de empregos e dos conflitos sociais que lhe estão associados; e outros ainda poderão ter uma origem directa em ataques baseados na tecnologia.

  • Os danos futuros para as ligações humanas, a governação e as instituições

Os especialistas que abordaram estas questões receiam que as normas, os padrões e a regulamentação em torno da tecnologia não evoluam com a rapidez suficiente para melhorar as interacções sociais e políticas dos indivíduos e das organizações. Duas preocupações fundamentais: a tendência para as armas autónomas e para a ciberguerra e a perspectiva de sistemas digitais descontrolados. Os participantes também afirmam que a situação pode piorar à medida que o ritmo das mudanças tecnológicas se acelera. Prevêem que a desconfiança das pessoas entre si possa aumentar e que a sua confiança nas instituições se deteriore. Isto, por sua vez, poderá aprofundar níveis já indesejáveis de polarização, dissonância cognitiva e afastamento do público de debates fundamentais. Por fim, temem também que os sistemas digitais se tornem demasiado grandes e importantes para serem evitados e que todos os utilizadores fiquem “cativos” dos mesmos.

As melhores e mais benéficas mudanças na vida digital que são prováveis até 2035

Cerca de 18% dos peritos inquiridos afirmaram estar mais entusiasmados do que preocupados com as mudanças tecnológicas que se avizinham e 42% afirmaram estar igualmente entusiasmados e preocupados. Seguem-se as suas esperanças relacionadas com os temas acima mencionados:

  • Os benefícios futuros para o desenvolvimento de ferramentas e sistemas digitais centrados no ser humano

Estes especialistas elencaram uma vasta gama de melhorias digitais prováveis na medicina, saúde, boa forma física e nutrição; no acesso a informações e recomendações de especialistas; na educação em contextos formais e informais; no entretenimento; nos transportes e energia e em outros domínios. Acreditam que os sistemas digitais e físicos continuarão a integrar-se, levando a “inteligência” a todo o tipo de objectos e organizações, e esperam que os indivíduos tenham assistentes pessoais digitais que facilitem a sua vida quotidiana.

  • Os benefícios futuros para os direitos humanos

Estes peritos acreditam que as ferramentas digitais podem ser moldadas de forma a permitir que as pessoas defendam livremente os seus direitos e se juntem a outras para se mobilizarem para a mudança que procuram. Esperam que os avanços contínuos nas ferramentas e sistemas digitais melhorem o acesso das pessoas aos recursos, as ajudem a comunicar e a aprender de forma mais eficaz e lhes dêem acesso a dados que as ajudem a viver melhor e com mais segurança. Por fim, insistem que os direitos humanos devem ser apoiados e respeitados à medida que a Internet se espalha para os cantos mais longínquos do mundo.

  • Os benefícios futuros para o conhecimento humano

Os inquiridos esperam inovações nos modelos de negócio, nas normas e regulamentação locais, nacionais e mundiais, bem como nas normas sociais. Desejam uma melhor literacia digital que reavive e eleve as fontes de notícias e de informação de confiança de forma a atrair a atenção e a (re)conquistar o interesse do público. E esperam que novas ferramentas digitais e sistemas humanos e tecnológicos sejam concebidos para garantir que a informação factual seja devidamente verificada, altamente localizável, bem actualizada e arquivada.

  • Os benefícios futuros para a saúde e o bem-estar humanos

Os especialistas entrevistados esperam que os muitos aspectos positivos da evolução digital conduzam a uma revolução nos cuidados de saúde que melhore todos os aspectos da saúde e do bem-estar humanos. Salientam que a plena igualdade em matéria de saúde no futuro deverá dar igual atenção às necessidades de todas as pessoas, dando simultaneamente prioridade à sua acção individual, segurança, saúde mental, direitos de privacidade e de dados.

Os benefícios futuros para as ligações humanas, a governação e as instituições

Os especialistas mais esperançosos afirmam que a sociedade é capaz de adoptar novas normas e regulamentos digitais que promoverão actividades digitais pró-sociais e minimizarão as actividades anti-sociais. Prevêem que as pessoas desenvolvam novas normas para a vida digital e que aumentem a sua literacia digital nas interacções sociais e políticas e acreditam que estas mudanças poderão influenciar a vida digital no sentido de promover a segurança, a privacidade e a protecção de dados.

Foto: © Giu Vicente, Unsplash.com

Editora Executiva

1 COMENTÁRIO

  1. Sobre a Vida digital 2035 acredito que haverão riscos com vantagens e desvantagens porque todo o ser humano tem uma “luta consigo mesmo”, isto é, em ser coerente com aceitação dos erros e sua correção e o vice-versa, isto é, aqueles que não se interessam e muitos que não se apercebem, haverá sempre um bom caminho, há que lutar nesse sentido.

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