O esperado evento na cidade de Assis, onde jovens de todo o mundo teriam a possibilidade de discutir com o Papa novas ideias e premissas para uma economia mais humanizada, será realizado, em Novembro próximo, em contexto online. Nada que preocupe os jovens que, em Portugal, continuam a debater as várias temáticas que darão corpo a este “encontro”de âmbito mundial e que pretende abrir caminho para “uma economia atenta à pessoa e ao ambiente”
POR ACEGE NEXT

No âmbito da preparação para o grande evento intitulado “A Economia de Francisco”, os jovens que fazem parte da ACEGE Next e que estariam presentes, não fosse a pandemia, na cidade de Assis para debaterem um novo modelo económico mais justo e inclusivo, não descuram o seu empenho. Por força das circunstâncias, a organização oficial do evento já confirmou a impossibilidade de se reunirem presencialmente, pelo que este ano o encontro será online, com a promessa de que em 2021 Assis abrirá as suas portas para receber os cerca de 3.000 jovens convocados pelo Papa para debater a urgência de uma nova economia.

Através dos meios digitais, têm ocorrido as sessões do 2º módulo da Economia de Francisco, onde os cerca de 50 participantes portugueses de todo o país se “encontram” para discutir os temas centrais deste novo paradigma económico.

Assim e no passado dia 15 de julho, as temáticas “Políticas e Felicidade” e “Vocação e Lucro” serviram de mote para mais uma discussão animada.

Políticas e Felicidade e o reforço da dimensão humana nas empresas

Entender a complexidade que a palavra “felicidade” alberga em si mesma e as interpretações variadas que cada um lhe pode dar traduziu-se no exercício proposto para esta sessão em particular. E, como seria de esperar, as respostas não geraram consenso entre os participantes: da “serenidade” à ”paz”, da “plenitude” ao sentimento de “realização”, foram vários os significados atribuídos ao que todos buscamos, mas que é tão difícil de definir.

Assim e em termos gerais, o grupo de participantes concluiu que a felicidade é algo que deriva da harmonia e sintonia com a vida tal como ela é, independentemente das circunstâncias. “Numa primeira análise, e uma vez que se trata de um tema com perspectivas muito próprias, entende-se como prioritário que haja um trabalho a nível pessoal, onde cada um trabalhe a sua própria realidade. As mudanças só são verdadeiras quando começam em cada um de nós”, concluem os jovens portugueses deste encontro.

Discutida a dimensão individual, o debate prosseguiu para o ramo organizacional/comunitário, tendo sido reconhecido e reforçado que as relações laborais devem passar a ser isso mesmo: relações.

Os jovens concordam que “a dimensão humana muitas vezes é desprezada no mundo empresarial, com um foco excessivo na produção e na produtividade, em detrimento da valorização da pessoa no seu todo, inserida na comunidade envolvente.” A generalidade dos participantes reconheceu ainda que este facto pode ser particularmente problemático num contexto de teletrabalho, tão em voga nestes tempos de pandemia e que poderá alterar significativamente o mundo laboral no futuro.

“A comunicação assume aqui um papel central de mediação para a valorização de uma relação de partilha entre chefe e empregado – diluindo possíveis hierarquias organizacionais -, com vista a uma gestão adequada da carga horária e dos objectivos de trabalho, mediante as diferentes circunstâncias pessoais e familiares dos envolvidos.”

Adicionalmente, criar uma cultura humanista nas organizações pressupõe a valorização de momentos de silêncio e paragem como instrumentos que promovem a reflexão individual e colectiva – algo que, no mundo actual, se afigura como antinatural. No entanto, este exercício pode ser considerado benéfico, seja para ajudar a rever processos mal concretizados e oferecer uma oportunidade para a sua melhoria futura, seja para reconhecer como os processos têm corrido bem.

A nível político foram também várias as reflexões e ideias propostas, sublinhando-se que a felicidade deve ser um critério de gestão e de condução de políticas públicas, na medida em que envolve diversas dimensões humanas e rejeitando-se o enfoque nas receitas e custos, por este ser redutor quando as partes envolvidas nos processos são, acima de tudo, pessoas.

Assim, a sessão em causa deu origem a um conjunto de propostas que podem vir a ser trabalhadas à luz da Economia de Francisco:

  • Desacelerar o ritmo do dia-a-dia com oração e contemplação. Implementar momentos de team building nas organizações, mais orientados para a reflexão e momentos de retrospecção.

  • Acompanhamento regular do bem-estar e felicidade dos trabalhadores por parte das organizações através da criação de um departamento focado no bem-estar dos seus colaboradores, com a ajuda de um psicólogo e/ou capelão;

  • Implementar o “Amigo à força”: cada pessoa na empresa fica responsável por outra, no sentido de ajudar e contribuir para a felicidade do outro dentro da própria organização;

  • Formação contínua dos líderes: demonstrar a importância da definição e comunicação aos colaboradores no que respeita à missão, direcção e propósito da empresa, quer no mercado em que se insere, quer em termos de impacto na sociedade em geral. Esta medida permitirá o alinhamento dos propósitos de cada indivíduo com o propósito da empresa, potenciando uma felicidade sustentável para todos os intervenientes, a concretização do bem-comum e um crescimento sustentável;

  • Limitar o horário de trabalho, tornando-o bem definido/delimitado;

  • Criação de indicadores mais representativos e consensuais na medição da felicidade. Exemplo: tempo médio que cada trabalhar possui para dedicar à família – Na prática, se um português tem menos 2h diárias de tempo livre do que um alemão  (ou menos 1h diária para a família), os governos devem adoptar políticas para corrigir esta desigualdade;

  • Orçamentos participativos para que a escolha seja para o bem-comum de todos os indivíduos, havendo uma rotatividade na(s) entidade(s) que gere(m) estes orçamentos. A noção de bem-comum pode diferir de pessoa para pessoa e é importante ter em conta opiniões diversas.

  • Formação nas escolas e universidades sobre a Felicidade e a importância do Propósito de vida.

  • Existência de um inquérito estandardizado às empresas, com os medidores de bem-estar e felicidade dos seus trabalhadores (ex: trabalho fora de horas; políticas de natalidade). Com a premissa de que os resultados seriam publicados anualmente, esta medida pressionaria as empresas com trabalhadores mais insatisfeitos a corrigirem a sua gestão. Este inquérito deveria ser realizado por um instituto público.

Vocação e Lucro e a concretização do propósito

Tal como na primeira village, os participantes deste encontro começaram por encontrar vários significados para as palavras vocação e lucro. Para definir “vocação” as repostas foram variadas, sendo que as respostas com maior incidência foram: caminho, projecto de Deus e chamamento. Já para a definição de lucro, as palavras recompensa e retribuição foram as mais escolhidas.

Após este primeiro impacto com o paradoxo existente entre as duas palavras titulares do tema, estabeleceu-se o paralelismo com o indivíduo. Os jovens concordaram que o objetivo de vida de uma pessoa não deverá ser pura e simplesmente ganhar dinheiro, reforçando a importância da existência de um propósito e de uma missão, devendo este ser o centro e a principal motivação de cada um. O dinheiro surge como um resultado positivo, não como uma meta.

“O problema surge então quando o dinheiro/lucro constitui o objetivo final, e aí a lógica desvirtua-se, fechando-se o indivíduo e a empresa em si mesmos. Focar apenas na vocação não paga contas, mas também ao valorizar em demasia o lucro faltará o coração.”, concluem os jovens portugueses que participarão no encontro em Assis.

A conclusão foi consensual entre todos: “A priorização de valores entre lucro e vocação não tem de ser uma escolha exclusiva. É possível conciliar ambas, mas é ainda mais importante assumir a realização de cada vocação como a pedra angular.”

De modo semelhante, entendeu-se que as organizações e o mundo atual em que vivemos estão demasiado focados no lucro, deixando o conceito de vocação para segundo plano. A grande conclusão da discussão culminou no desmitificar do paradoxo existente entre as duas palavras, uma vez que o lucro e vocação não são necessariamente incompatíveis/antagónicos. A vocação, como chamamento para uma causa maior do que a própria pessoa (causa comum), poderá ser medida através do impacto que as organizações provocam na sociedade. O ponto óptimo está em alinhar positivamente a estratégia das empresas com este impacto que é causado na sociedade, através da obtenção do lucro.

Nesta lógica, os participantes desta sessão concluíram que o lucro é antes um resultado óptimo, mas nunca um objetivo único em si – se uma empresa não obtiver lucro num determinado exercício, tal não deverá significar que a empresa falhou o seu objectivo, pelo contrário deverá significar que a empresa não está ainda a concretizar o seu potencial máximo e a ter o impacto devido na sociedade de forma sustentável.

Foi igualmente afirmado que “o lucro deve ser reposicionado no seio das empresas, deixando de constituir o objetivo último e ser antes utilizado como uma métrica de crescimento para a concretização de um verdadeiro propósito na sociedade.”

Os jovens defendem que a sociedade em que vivemos, – muitas vezes camuflada debaixo de ideais de individualismo, emancipação, prosperidade – teima em desviar cada pessoa da sua vocação, ou seja, do fim para o qual foi criado, do seu propósito. A vocação é maioritariamente descoberta se existirem condições que o permitam. Zelar por uma realização pessoal, social e espiritual das pessoas deve ser a prioridade de qualquer condutor de políticas públicas. E, para que tal aconteça é preciso ter coragem.

Tomando como exemplo o contexto académico, os jovens da ACEGE Next afirmam que muitas escolas preferem submeter-se “às leis do mercado”, ao invés de promoverem uma cultura de amor ao conhecimento, na qual o saber é, não só um meio, mas também um fim. As pessoas não se devem submeter às leis do mercado, como produtos sujeitos a leis de oferta, procura e utilidade. Antes, é o mercado que deve servir a pessoa, na sua integridade.

Do tema acima referido, as principais propostas referidas pelos portugueses reunidos durante esta sessão foram as seguintes:

  • A importância da existência de um propósito de vida e de uma missão descoberta e assumida por cada pessoa. O dinheiro surge como um resultado positivo e não como uma meta.

  • Promover orçamentos participativos dentro da empresa, nos quais os trabalhadores possam ter palavra ativa nos diversos investimentos e nos processos de decisão da empresa, motivando-os e incentivando a co-responsabilização (ex: investimentos de expansão para novos mercados, investimentos ambientais ou em projectos sociais)

  • Possibilidade dos trabalhadores desenvolverem os seus projectos pessoais com as ferramentas da empresa (ex: Google).

  • Dificuldade em optar pelo Setor Social como atividade profissional por não ser possível obter remunerações financeiras suficientes, o que leva à escassa mão-de-obra qualificada. A solução passa pela profissionalização deste setor por forma a aumentar o nível de exigência na gestão e operacionalização;

  • Atribuição de uma percentagem dos lucros anuais para um fundo de projectos sociais, com gestão independente ou com participação do Estado. As empresas receberiam benefícios fiscais e a lista de doadores do fundo seria pública, para incentivar as empresas a participar. Esta medida contribui para aumentar o foco das empresas em gerar valor social e não apenas lucro.

A grande conclusão desta sessão prende-se com o paradoxo que poderia existir entre vocação e lucro, o que na verdade não se verifica, não existindo dicotomia entre as duas palavras. Para o comprovar, os jovens deste encontro deixam a proposta da teoria do “Golden Circle” – modelo desenvolvido por Simon Sinek para sistematizar um novo método de pensar, agir e comunicar – aplicado às nossas vidas, interrogando com frequência, e em cada decisão que tomamos, o que fazemos, como fazemos e porque fazemos.

Sendo o maior desafio aquele que nos impele a reflectir: o que posso EU fazer diferente nos meios em que estou inserido para contribuir para uma sociedade mais feliz, justa e equilibrada? Fica a questão.