Afonso Borga é licenciado em Serviço Social e mestre em Estudos de Desenvolvimento. Experienciou projetos de voluntariado e de empreendedorismo social em países como São Tomé, Brasil, Espanha e Grécia. É co-autor do livro O Voluntariado como Dinamizador do Desenvolvimento Territorial – incubação de ideias locais. Atualmente trabalha em Responsabilidade Social no Auchan Retail Portugal e é professor no IPAM e no Politécnico do Porto
POR PEDRO COTRIM

Coube a Afonso Borga o testemunho sobre ser empreendedor do outro. Começa por nos explicar que significa irmos ao encontro do outro, de conhecermos a sua realidade. Recorre a uma metáfora conhecida: «Calçarmos os sapatos do outro». Afirma que ousaria desafiar-nos a tirarmos os nossos próprios sapatos e a calçar os da pessoa ao lado.

Prossegue: «O propósito é esse: o que veria eu se calçasse os sapatos do outro? Vou usar as duas frases do Papa Francisco que trouxemos para o Summit. Trouxe uma terceira, mas creio que liga muito bem com a mensagem: “Ida às periferias, abrirmos o nosso espaço para acolhermos o outro”. Também se relaciona bem com a segunda frase, de podermos ser uma igreja que pode acolher todos».

Afonso Borga afirma que as frases são muito inspiradoras, uma vez que o mote do Summit é «da teoria à prática». Como estamos numa escola de gestão, diz, «nada melhor que trazer-vos um método, sabendo que não há fórmulas mágicas. Está baseado em três ideias principais».

Diz que cada uma delas está baseada numa história que irá partilhar com os presentes: desconstruir, conhecer e «empatizar». Pede desculpa pelo verbo inventado, mas diz que se ajusta perfeitamente.

O palestrante passa então para o tema «desconstruir». Partilha uma experiência que teve no primeiro ano de faculdade: pôde viver dois meses numa comunidade cigana. Evidentemente que ouvira falar muito da etnia. Admite o seus estereótipos e preconceitos, naturais face ao que é a vida em sociedade. Contudo, esta oportunidade permitiu-lhe conhecer uma comunidade da qual só ouvira estórias.

«Algo que me marcou logo nos primeiros dias foi uma criança de sete ou oito anos ter vindo ter comigo e perguntar-me “Afonso, tu estás aqui e não tens medo de nós?” Claro que fiquei a pensar. A criança continuou: “Sei que há muitas ideias sobre nós, há muitas coisas que são ditas sobre nós…” Fez-me pensar como é que era possível uma criança vir-me perguntar isto».

Diz Afonso Borga que se relacionou com outra experiência numa outra conversa que teve posteriormente com um adulto da comunidade. «Sabes, Afonso, os ciganos são como todos os outros. Há ciganos bons e ciganos maus». Toma-se a parte pelo todo e realmente conclui-se precipitadamente, afirma o orador. Prossegue: «Esta experiência de desconstrução é fundamental para nós entendermos. Sermos empreendedores do outro conseguirmos acolher o outro. É este o primeiro desafio. Desconstruir ideias e preconceitos. Só depois conseguimos passar à segunda etapa, que é conhecer».

Conta-nos que quando veio para Lisboa estudar Serviço Social, uma das coisas que fez foi associar-se ao CASA – Centro de Apoio aos Sem Abrigo, pois vinha duma aldeia do Ribatejo em que esta situação era inexistente e apenas conhecia a realidade por ouvir falar dela. Ao ver diariamente as pessoas nesta realidade, percebeu que tinha de a conhecer. Não lhe bastava conhecer dos bancos da faculdade e de saber teoricamente.

Diz que o CASA lhe permitiu contactar com a realidade e conhecer uma Lisboa que desconhecia, inclusivamente a Lisboa noturna. Concebe que agora seja ainda pior, infelizmente, dizendo que basta passar pelo Oriente ou por Santa Apolónia. «A realidade não é apenas o que vemos no dia-a-dia. Precisamos de fazer do espaço uma casa para todos».

Afirma que de seguida temos de «empatizar». É este «verbo» difícil de conjugar, mas este esforço tem de ser diário, apesar de ser difícil. Conta: «A história que partilho passou-se num campo de refugiados – eu já tinha trabalhado muito a questão dos refugiados na licenciatura. Foi a minha área de estágio, mas profissionalmente acabei por não prosseguir por aí. Mas era uma realidade que eu já tinha desconstruído e estava a conhecer, mas faltava-me o terceiro passo: “empatizar”. Foi difícil, assumindo o que nenhum de nós sabe o que é ouvir uma bomba ou termos de sair de casa para salvar a nossa vida. Felizmente, é difícil de perceber, pela distância a que estamos.»

Afirma Afonso Borga que esta etapa de «empatizar» foi algo que, ao longo daquele Verão, lhe foi muito difícil. «Não percebemos a realidade do outro, mas precisamos deste desafio continuamente. O passo é difícil.»

Prossegue, afirmando que passando estas três fases, e passando para a realidade empresarial, o que se pode então fazer na empresa, no trabalho de gestor ou de líder? A mesma coisa, assegura: desconstruir, conhecer e empatizar. Traz-nos igualmente três histórias.

A primeira, para o verbo desconstruir, é haver já um grande grupo de empresas com um trabalho grande de inclusão. «Percebemos que no contexto empresarial deve haver espaço para todos; se não houver, temos de fazer com que haja. As empresas têm mesmo de ser espaços inclusivos».

Para o verbo conhecer, menciona o Grace, conhecido por muitos dos presentes e parceiro da ACEGE. É uma rede que conecta várias empresas e que lhes permite saber o que podem fazer em termos de responsabilidade social. Aquilo que as empresas podem efetivamente desenvolver para serem muito mais responsáveis. Podem ser relações de empresas com empresas ou com organizações sociais, levando-as a conhecer a realidade, mas a realidade de onde atuam e a ser verdadeiros empreendedores do outro.

E por fim, dizendo que é inevitável o exemplo para o verbo «empatizar», dá-nos o exemplo de um líder empresarial que dispensa apresentações: «O comendador Rui Nabeiro mostrou-nos como é possível termos uma liderança empática, colocarmos a pessoa no centro de atuação e efectivamente conseguir calçar os sapatos do outro. Sabermos o nome próprio de cada colaborador tal como ele sabia. Sabermos que a nossa empresa, se não for cada vez mais responsável e atenta ao outro, é uma empresa que corre o risco de não ser produtiva».

Termina a sua apresentação: «Temos de perceber que o lucro e os bons resultados financeiros podem e devem ser conjugados com empreendedores mais sustentáveis e mais próximos do outro. Não é uma fórmula mágica, mas assim talvez consigamos ser líderes que possam transformar a sociedade de uma forma mais humana e responsável»