Na passada semana, o VER publicou a primeira parte da exposição de Alexandre Relvas sobre os principais factores que obstam ao crescimento e desenvolvimento da economia portuguesa. Num tom mais optimista, a segunda parte da sua dissertação aponta para caminhos possíveis que o país pode trilhar para inverter o rumo das suas políticas económicas, alertando para o papel das novas gerações, mais preparadas, mais empreendedoras e mais qualificadas, o qual confere esperança para um Portugal menos empobrecido, mais competitivo e com uma nova filosofia de gestão. Ora vejamos
POR HELENA OLIVEIRA

Não constituindo apenas um tema inerente à campanha eleitoral e ao futuro político do país que teremos a partir do próximo dia 11 de Março, a questão das baixas taxas de crescimento tem sido bastante mediatizada. E Alexandre Relvas sublinha pelo menos três razões que podem contribuir para a sua inversão: a evolução das exportações, o aparecimento, em particular na última década, de um Portugal empreendedor e o facto de termos hoje a geração mais qualificada de sempre, que gradualmente se afasta, no bom sentido, do modus operandi e mindset das que a precederam.

Exportações – a revolução silenciosa

Recordando as palavras de D. Manuel Clemente quando, em 2010, recebeu o Prémio Pessoa e que lembrava que “o melhor de Portugal pouco aparece e não abre, geralmente, os noticiários”, as quais podem ser aplicadas ao mundo empresarial, o orador afirma que a questão das exportações portuguesas constitui talvez a principal alteração estrutural que a economia portuguesa conheceu nos últimos anos. E, apelidando-a de “revolução silenciosa”, afirma que “é esse o melhor de Portugal que está na base desta evolução das exportações”.

Socorrendo-se mais uma vez das estatísticas, o empresário recordou que, desde 1986 e até 2011, as exportações portuguesas representavam cerca de 30% do PIB. Hoje, esse valor subiu para 50%, o que é “um salto extraordinário” mas, e mais uma vez, por factores exógenos. Afirmando que em 2011 o mercado interno desapareceu, foram assim milhares os empresário que tiveram de se virar decisivamente para o exterior, repensando a sua cadeia de valor, os seus produtos, bem como as suas tecnologias. O resultado é que as exportações rondam agora os 120 biliões [mil milhões] de euros e, em média, ao longo de 2012 e até 2022, houve um crescimento de 5,5 biliões de euros. Ora,” 5,5 biliões de euros por ano significa criar, sem apoio ou dependência do Estado, duas Auto Europa”, equiparou.

Declarando que existe sempre quem questione se esta realidade representa muito ou pouco valor acrescentado e na medida em que existe sempre uma tentativa nacional de desvalorizar o que é bom, e mesmo existindo naturalmente alguns problemas, a verdade é que, e de acordo com Alexandre Relvas, “nos voltámos para o exterior, estamos a vender bem, há mais oportunidades e é possível continuar a fazer bem”, o que é notável e um grande sinal de esperança. Para o empresário, a grande preocupação é mostrar a quem tenha hoje responsabilidades que se deve potenciar este movimento, divulgar os bons exemplos e mostrar às empresas que é possível fazer diferente e ir para o exterior. Seja por parte da imprensa, das universidades, dos políticos…

Dando exemplos de países que também se viraram para o exterior, como a Áustria, a Dinamarca, os Países Baixos ou a Bélgica, o gestor defende que também Portugal o pode fazer com a mesma capacidade dos demais.

Todavia, diz, as exportações estão muito concentradas em algumas empresas. Afirmando que há cerca de 30 mil empresas exportadoras, alerta também para o facto de as 10 maiores exportarem 20% do total – o que significa uma grande concentração – e que 66% exportam apenas para um país. “Se podem exportar para um, porque não para dois ou mais?”, questiona, reforçando que existe nesta capacidade um grande espaço para se ter esperança e poder-se continuar no bom caminho.

Um outro motivo de esperança reside no reforço do empreendedorismo ao longo dos últimos anos – com a evolução das novas tecnologias ou do turismo, por exemplo – que levou a uma explosão de jovens empresários, de espírito e capital abertos, focados nos talentos e com uma perspectiva inovadora no que respeita à competitividade.

O terceiro factor de esperança, afiança, está relacionado com a formação da população portuguesa. E exemplifica. Neste momento, e entre os 30 e os 34 anos, 41,2% dos jovens terminaram o ensino superior, relembrando que, em 2011, esta percentagem não ultrapassava os 11%, o que indubitavelmente significa uma mudança radical. “Mesmo contando com a alta percentagem de jovens que emigram, a capacidade dos que cá ficam é um factor extremamente positivo”, acrescenta também.

Ainda no que respeita às qualificações, Alexandre Relvas aponta igualmente para uma “revolução” no ensino secundário, com uma influência significativa do ensino profissional. (40% dos jovens). Assim e segundo as estatísticas, 89,3% dos jovens entre os 20 e os 24 anos acabaram o ensino secundário, valor que chega a ser superior à média da União Europeia que é de 83,5%. Ou seja, tudo isto converge para um enorme impacto em termos de qualidade da mão-de-obra e, consequentemente, também na qualidade dos próprios empresários.

Factores positivos da competitividade nacional são acompanhados por inúmeros bloqueios

Citando diversos estudos tanto do Fórum Económico Mundial como do IMD, da União Europeia e da OCDE, Alexandre Relvas começou por elencar um conjunto de realidades positivas que constam nestes mesmos relatórios e de que são exemplo a localização geográfica, a qualidade geral das infra-estruturas, das rodoviárias, das aeroportuárias, dos portos, das telecomunicações, da energia e da água, a par do bom clima e da boa qualidade de vida. “Portugal é igualmente um destino extremamente interessante em termos de custos, tanto de mão-de-obra, como de imobiliário e serviços, com estabilidade, um ambiente de negócios favorável, equilíbrio das relações laborais, abertura da economia ao exterior, segurança, sistemas de saúde”, entre outros factores imprescindíveis para uma boa competitividade, elenca.

Ou seja, e como refere o orador, Portugal tem as bases necessárias para potenciar a sua competitividade mas, e em contrapartida, conta igualmente com vários bloqueios, os quais traduzem nomeadamente a falta de interesse que tem merecido a competitividade e a vida empresarial por parte dos poderes públicos. Como prova disso, no último relatório publicado pelo IMD, e analisados 64 países, Portugal já não se encontra entre os 50% mais competitivos, ocupando em 2023 a 39ª posição, descendo seis lugares desde 2018. Entre os múltiplos factores que nos prejudicam, detalha Alexandre Relvas, os principais estão relacionados com as questões fiscais, com o mercado laboral e, de sublinhar, com as práticas da gestão ao nível das empresas.

Reafirmando que todas as decisões políticas devem ter como centro o reforço da capacidade exportadora da economia, devendo ser avaliadas nesse sentido as políticas públicas, nomeadamente as decisões relativamente ao investimento público, o empresário defende que não é necessário fazer-se nenhuma revolução. Há sim, para melhorar a competitividade, que trabalhar em múltiplas frentes, optar pela transversalidade das políticas públicas, ou seja, não se devem apoiar empresas específicas, mesmo que sejam consideradas estruturantes e estratégicas, nem apoiar-se sectores específicos ou definir mercados prioritários. Ou, e como não se cansa de referir, as palavras-chave da política económica devem ser empresas, competitividade, exportações e emprego.

Citando igualmente um estudo elaborado pelo INE há dois anos, com uma amostra de 6 mil empresas (que representam 35% do total de facturação das sociedades não financeiras em Portugal) e tendo em conta o seu contexto, analisando-se o início de actividade, os licenciamentos, as indústrias de rede, o financiamento, o sistema judicial e fiscal, a carga administrativa, as barreiras à internacionalização e os recursos humanos, defende que os problemas são sempre os mesmos: sistema fiscal, licenciamentos e sistema judicial.

Aprofundando, os problemas mais prementes para as empresas no que respeita aos licenciamentos integram os licenciamentos ambientais, as certificações ambientais e as licenças camarárias. No sistema judicial, os grandes problemas para a empresa são as disputas fiscais, as disputas comerciais, as disputas laborais e o tempo dos processos. No que respeita à carga administrativa, o drama são as finanças – a Autoridade Tributária e Aduaneira – e a Segurança Social.

Tudo isto para dizer que se o Estado quisesse definir prioridades de intervenção não seria necessário fazer nenhuma revolução, pois estas estão bem definidas. Para o empresário o que é imprescindível é existir vontade e coragem política para as fazer e, em vários domínios, existir um conjunto integrado de decisões simples, mas com objectivos concretos para a “a vida das empresas ser muito melhor”. Algo que nem teria impacto na despesa pública, alertou, na medida em que estamos a falar apenas da alteração de processos.

Confessando-se crítico da proliferação de associações empresariais em Portugal – como a CIP, a CAP, a CPPME, a mais recente BRP [Associação Business Roundtable Portugal), entre outras – Relvas considera que seria extremamente importante que existisse uma plataforma que as reunisse a todas e que, em vez de se definirem 50 medidas diversas e não coordenadas , se desse prioridade a três ou quatro, as quais seriam anualmente apresentadas num caderno de encargos.

Complementarmente, o empresário defende para Portugal a fórmula “mais sociedade civil, menos Estado” e uma das áreas que deveria dar o exemplo reside na capacidade de intervenção dos empresários, mas em uníssono. “Há associações empresariais em Portugal que dependem fortemente do Estado, sendo que algumas são autênticos departamentos estatais”, critica ainda.

Sintetizando, o orador reforça que é preciso evoluir em termos de políticas públicas, apesar de esta não ser condição suficiente, chamando a atenção para a necessidade de um “choque de gestão”.

Como afirma, se queremos reforçar a competitividade, também não está certo que se coloquem todas as culpas em cima do Estado. “É imprescindível também que exista uma renovação das estratégias empresariais, com muitas empresas a precisar de um novo pensamento estratégico e de uma nova filosofia de gestão”, declara, acrescentando que são muitos os autores que concordam que se existe “um” factor que tem um impacto decisivo no potenciar da taxa de crescimento da economia é esse reforçar da capacidade de gestão (e não só aplicado às empresas, mas também ao próprio Estado).

Por outro lado, Portugal tem igualmente uma enorme necessidade de reforçar a qualidade dos empresários e é por isso que defende que a nova geração de jovens deverá assumir estas responsabilidades na medida em que tem níveis de preparação mais elevados face às anteriores gerações e olhará para as mesmas questões do passado com uma perspectiva completa diferente e inovadora. É assim extremamente importante que os empresários tenham consciência desta realidade e queiram melhorar a qualidade dos seus modelos de gestão, algo que poderia ser eficazmente alcançado, e por exemplo, por um trabalho de cooperação feito entre associações empresariais e universidades, bem como com outras instituições.

Por outro lado, o Estado pode igualmente ter um importante papel nesta melhoria dos modelos de gestão com incentivos à internacionalização porque a presença em mercados internacionais aumenta a concorrência e é um factor fundamental, pois amplia as capacidades e, nomeadamente, a capacidade de gestão.

A título de exemplo, Relvas citou um estudo recente publicado pela Universidade de Harvard, o qual defende que “a evolução dos sectores de actividade é metade explicada por evoluções tecnológicas transversais, e metade explicada pela entrada de novos concorrentes no mercado”, chamando a atenção para os benefícios de uma melhor legislação de falências e que permita a entrada de novas empresas no mercado.

Por último, o empresário referiu ainda a necessidade da existência de incentivos para que Portugal cresça no que respeita à dimensão das suas empresas. O desafio é enorme, mas crucial. Portugal tem um milhão e 400 mil empresas. No que respeita a empresas de grande dimensão – que tenham mais de 250 colaboradores e vendam mais de 50 milhões de euros – são 1503. Empresas com mais de 50 trabalhadores e facturação acima de 10 milhões são 8700. Portanto, 0,7% das empresas são de média ou grande dimensão. As pequenas são 48 mil, vendem menos de 10 milhões de euros e têm menos de 50 trabalhadores.

Este é um desafio enorme, no qual a legislação fiscal, os fundos comunitários, nomeadamente e, por exemplo os fundos de capital de risco que trabalhem activamente na consolidação de sectores, podem ter um papel fundamental, remata.

 

Editora Executiva