Disse a formiga à cigarra, na fábula de La Fontaine: “Cantavas? Pois dança agora”. Portugal tem falta de capacidade para transformar o potencial de inovação em resultados concretos com impacto económico-social. É este perfil ‘desperdiçador’ que faz de nós um país Cigarra no Barómetro de Inovação da COTEC. “Vamos perdendo qualidade de desempenho, à medida que se avança na cadeia de valor da inovação”, diz ao VER o professor Daniel Bessa. Mas, mesmo tendo descido uma posição no ranking, estamos tão distantes da concretizadora formiga (gigante) da China e da madura abelha Suíça, como do conformado caracol brasileiro ou da lagarta Índia (país onde tudo falha) Os novos indicadores estatísticos do Barómetro de Inovação da COTEC Portugal, apresentados a 24 de Janeiro, revelam que, globalmente, o País se encontra na 30.ª posição entre os 52 países analisados quanto ao seu desempenho em matéria de inovação. Nesta que é a segunda edição divulgada pela Associação Empresarial para a Inovação de um instrumento “que se pretende anual”, Portugal “continua a desempenhar razoavelmente bem”, comenta Daniel Bessa. Na realidade descemos apenas um lugar em relação ao ano anterior. E, em termos globais, Portugal classifica-se com um valor muito próximo da média global dos países analisados (3,81), tendo mesmo subido 0,12 pontos – para 3,64. “Não é possível gerir o que não se mede” A análise realizada em colaboração com a Everis, associada da COTEC, parte de um modelo de indicadores de IDI (Investigação, Desenvolvimento e Inovação) que permite desenvolver estudos e apresentações agregadas, através da divulgação dos dados estatísticos obtidos. Afinal, e como sublinha ao VER Daniel Bessa, ““de acordo com as melhores práticas, não é possível gerir o que não se mede”. Pois o Barómetro de Inovação não só mede como convida a reflectir sobre o tema, a partir das opiniões expressas por um painel de “líderes” dos vários quadrantes da sociedade portuguesa, que comenta as práticas de gestão de inovação e os outros dados sobre inovação empresarial avaliados no relatório (ver Caixa 1).
Na perspectiva do director-geral da COTEC Portugal, o aspecto menos positivo destes resultados é que neste como noutros exercícios similares, nomeadamente no Innovation Union Scoreboard, divulgado pela Comissão Europeia, “Portugal vai perdendo qualidade de desempenho à medida que se avança de montante para jusante na ‘cadeia de valor da inovação’: é melhor em matéria de Condições e de Recursos do que de Processos e Resultados (um problema de produtividade ou de eficiência dos nossos processos de inovação, muito parecido com o que encontramos em áreas como, por exemplo, a educação ou a justiça). E, “no domínio da decepção, custa ver Portugal num modesto 48º lugar (entre os 52 países avaliados) em matéria de resultados económicos (emprego de qualidade, exportações de elevada tecnologia)”, lamenta Daniel Bessa. Classificado em 40º lugar nesta matéria em 2010, Portugal foi ultrapassado, em apenas um ano, por oito países. Para Miguel Fernandes, Senior Manager de Business da Everis, a “grande mais-valia” do Barómetro de Inovação é que “ultrapassa uma simples lógica de rankings de países em determinados indicadores de Inovação, privilegiando uma lógica analítica assente em dimensões e respectivos pilares. No seu entender, este modelo de indicadores de IDI “possibilita, no essencial, retirar conclusões muito mais interessantes sobre os perfis comportamentais dos países em Inovação, identificando padrões de eficiência e de eficácia distintos entre países, tendo em conta os níveis base de condições e recursos que possuem”. Um País ‘desperdiçador’ Devido à sua “capacidade de voar”, a Cigarra apresenta Condições e Recursos acima das do Caracol (onde estão, por exemplo, a Argentina, a Espanha e a Grécia) mas, devido a alguma falta de capacidade de “trabalho” e “concretização”, os Processos e Resultados encontram-se aquém dos da Abelha (onde se encontram, por exemplo, a Suíça, o Canadá, os EUA e a Finlândia). No pólo oposto encontram-se países como a China ou a República Checa que são Formigas, “ou seja, concretizadores, pois têm a capacidade de materializar o baixo valor médio de Condições e Recursos, num valor médio elevado para Processos e Resultados”, conclui. Ainda que sem a “capacidade de voar” da Abelha, a Formiga consegue exibir Processos e Resultados de nível superior aos do Caracol, muito devido à sua capacidade de “trabalho” e “concretização”.”
Comparativamente aos países líderes em inovação (a Suíça, por exemplo), o gap verificado entre os desempenhos destes e de Portugal “é considerável”, nomeadamente nas vertentes de Processos e Resultados, observando-se uma maior proximidade nas áreas de Condições e Recursos, sublinham os resultados do Barómetro. Conclui-se que apesar de Portugal dispor das condições necessárias com vista à promoção de IDI, não utiliza de forma eficaz e eficiente essas potencialidades na prática da inovação. Mas, em termos de posicionamento global, Portugal tem um desempenho muito perto da média dos 52 países analisados. E em termos do agregado da Europa do Sul, é mesmo o país melhor posicionado. Ao nível dos pilares considerados, estamos melhor posicionados na envolvente institucional, financiamento e TIC (infra-estrutura e utilização). E pior posicionados a nível de capital humano, aplicação de conhecimento e impactos económicos. É neste último indicador que Portugal obtém a pior classificação. Face aos resultados obtidos para o ano transacto, Portugal apresenta uma subida de duas posições no ranking de países, na dimensão Condições, tendo subido em valores absolutos de 4,50 para 4,72. Desta subida resultou um maior distanciamento positivo face à média global (4,61), apresentando agora Portugal o valor mais elevado para os países da Europa do Sul. No que concerne a dimensão Recursos, Portugal registou um aumento no seu índice de 3,61 para 3,84, o que originou a subida de uma posição no ranking desta dimensão, face a 2010. Tal como no ano passado, Portugal continua abaixo da média global, de 3,88, apresentando, contudo, um valor muito próximo da mesma. Relativamente a agrupamentos de países, Portugal encontra-se apenas três posições abaixo da média da Zona Euro, e apresenta-se novamente como líder dos países da Europa do Sul, revelam as conclusões do Barómetro da COTEC. Também na dimensão Processos Portugal evidencia uma melhoria, face ao ano de 2010. Com um índice de 3,33, o País subiu duas posições no ranking, tendo passado da 28ª (3,18) para a 26ª posição. Apesar de se encontrar ainda ligeiramente abaixo da média global, é de notar a posição cimeira de Portugal face aos restantes países da Europa do Sul. Finalmente, na dimensão Resultados, Portugal apresenta a maior queda no ranking face ao ano de 2010. Com um índice de 2,97, Portugal desceu onze posições, tendo passado da 30ª para a 41ª posição, afastando-se um pouco mais da média dos países da Europa do Sul (3,15). Esta queda é sustentada pelo seu desempenho nos pilares Impactos da Inovação e Impactos Económicos. Os melhores do sul da Europa Globalmente, a Suíça, considerada país Abelha em virtude de apresentar valores médios elevados para as quatro dimensões analisadas, continua a ser quem apresenta melhor desempenho em termos de inovação, conseguindo um posicionamento dentro do top 10 em todas as dimensões e pilares considerados. Os países nórdicos, o Reino Unido, a Alemanha e os EUA completam o conjunto de países considerados mais inovadores, conclui, ainda, o Barómetro. No extremo oposto, países como o Brasil, a Grécia ou a Espanha são países ‘caracol’, já que apresentam valores médios baixos nas várias dimensões. De uma forma geral, os países da Europa do Sul evidenciam melhor desempenho em termo de Condições e Recursos em detrimento de Processos e Resultados, e Portugal não é excepção. Mas, face aos restantes países da Europa do Sul, continuamos, como referido, a ser o país com melhor desempenho global, sendo apenas superados pelos restantes países na dimensão Resultados. O alinhamento entre o comportamento de Portugal e Espanha ao longo das 4 dimensões mantém-se, da mesma forma que essa relação se verifica entre Itália e Grécia, adiantam ainda os resultados do Barómetro de Inovação. E assim se constata que apesar de manifestarmos falta de capacidade de concretização, continuamos com melhores resultados que “os nossos vizinhos de geografia” (Espanha, Itália, Grécia). Ora, como comenta Daniel Bessa, trata-se de países “com quem não podemos deixar de nos comparar mais de perto, por razões de ordem predominantemente cultural”. E não será também esta dificuldade em transformar o potencial de inovação em resultados com impacto económico-social (intrinsecamente ligada à falta de produtividade e eficiência) uma questão de mudança cultural? Resta um convite, como apela o director-geral da COTEC Portugal: que cada um ‘navegue’ por si no ‘mar’ dos 3484 (67×52) valores de 2011 disponíveis no Barómetro de Inovação, comparando-os com os mesmos 3484 valores relativos ao ano anterior. “Vai descobrir muitas e muitas coisas, porventura bem mais interessantes do que aquelas que nós próprios conseguimos descobrir”.
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Jornalista